Estudo de Caso Recuperação Trauma Pós-cirúrgico

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ESTUDO DE CASO – MASSAGEM BIODINÂMICA RECUPERAÇÃO DO TRAUMA PÓS-CIRÚRGICO, ALÍVIO DOS SINTOMAS DA TPM E ALÍVIO DE TENSÕES MUSCULARES

Introdução

O início deste atendimento ocorreu em maio de 1999, cerca de um ano antes de eu iniciar o curso de formação em Psicologia Biodinâmica, o qual ocorreu entre os anos 2000 até 2003. Dora é uma amiga minha que, ao tomar conhecimento da minha formação em Massagem Oriental, interessou-se em receber massagem. Ela fora submetida a uma cirurgia no braço direito, para a retirada de um cisto ósseo e desde então estava sentindo fortes dores neste braço. Acreditava muito na massagem como uma forma de aliviar essas dores. Iniciamos, então, um contrato de massagem em maio de 1999, com atendimentos realizados em sessões semanais de 60 minutos cada. Foram realizados mais de 100 atendimentos no total, sendo divididos em duas fases: a primeira fase que ocorreu entre maio a agosto de 1999 e a segunda fase, de janeiro de 2000 a dezembro de 2003.

Dados da paciente

Paciente: Dora (nome fictício). Sexo: feminino. Idade: Faixa dos 40 anos no início do tratamento. Boa formação acadêmica com dois cursos superiores Trabalho: Executiva em Empresa Internacional Estado civil: separada.

Descrição da paciente

Paciente magra e esguia tem, por volta de 1,55m de altura. Dizia-se baixinha e incomodada com essa característica. Dora se apresentava: crítica, analítica, perfeccionista e obsessiva. Sentia-se desajeitada e desastrada, tendo pouco contato com seu próprio corpo. Quando expressava alegria ou tristeza, isto acontecia de forma exagerada, sua face ganhava aspecto quase caricatural (máscara), aparentemente pouco conectada com sentimentos profundos. Era também ansiosa e fumante compulsiva. Quanto ao seu tônus muscular:

  • Eram hipertônicos: os músculos da região dos ombros, os músculos do pescoço e os das costas.
  • Tendiam para hipotônicos: os músculos dos braços e os das pernas.

Veja miotonograma 1, abaixo:

  Quando iniciamos o tratamento, em 1999, a paciente estava trabalhando em uma empresa na qual se sentia insatisfeita e não apoiada pelos colegas e superiores. Neste início, recém-separada, Dora estava se recuperando de uma cirurgia no braço e, portanto, em licença-saúde no trabalho. Estava morando com sua mãe e seu território estava reduzido ao seu quarto. Sentia-se sufocada e pouco acolhida neste momento. Não estava em terapia, porém podia falar com seu terapeuta por telefone quando sentisse esta necessidade. A paciente não entrou em detalhes se estava ou não sob tratamento de depressão, porém disse estar tomando um medicamento antidepressivo antroposófico.

Queixa inicial

Fortes dores no braço e tensão crônica em ombros e pescoço. Também: enxaqueca, retenção de líquidos e muito sensível emocionalmente (choros e irritabilidade) na fase de tensão pré-menstrual (TPM) que interferia negativamente na sua vida profissional, visto que não conseguia dedicar-se ao trabalho por falta de concentração, além de se isolar das pessoas devido ao seu mal-humor neste período de TPM.

Descrição da Primeira Fase do Tratamento

Maio a agosto de 1999 – total de 12 sessões. Dora pediu-me sessões de massagem para aliviar as dores que sentia em seu braço. Iniciei o tratamento utilizando as técnicas que aprendera na formação da Massagem Oriental: – Acupressura, ou seja, pressão sobre pontos localizados sobre percursos ditos meridianos de energia, com a intenção de desbloquear a energia e fazê-la circular. – Reflexologia dos pés – massagem nos pés sobre as áreas correspondentes às várias partes do corpo. Utilizei também outras manobras aprendidas em outros cursos, tais como: massagem craniossacral e massagem para liberação miofascial. Apoiada em supervisões da minha primeira instrutora de massagem, que tinha também a formação em Psicoterapia Biodinâmica, eu cuidava muito da relação terapêutica no sentido de atender às queixas da paciente, respeitando o limite da dor e trabalhando com a intenção de acalmar e aliviar o estresse. Assim, quando tocava no braço dolorido, utilizava toques na aura – como polarização e Reiki. Quando a paciente queixava-se de retenção líquida utilizava manobras da Drenagem Linfática. Dora dizia que este era um jeito diferente de ser tratada. Quando ia ao médico ou às sessões de fisioterapia, sentia-se sendo manipulada e observada como se fosse um objeto de estudo, não uma pessoa feita de carne e osso e com dor. Nas sessões de massagem ela se sentia acolhida, respeitada e bem cuidada. Desde as primeiras sessões a paciente dizia estar sentindo muito alívio e sensação de relaxamento. Mesmo sentindo o seu braço ainda dolorido, já conseguia realizar alguns movimentos. Na quarta sessão, relatou-me que passara muito tranquila por seu ciclo menstrual, com a diminuição dos sintomas da TPM (Tensão Pré-Menstrual). Teve menos retenção de líquidos, poucos dias com dor de cabeça e com mais bom humor durante o período. A cada sessão a paciente sentia-se mais fortalecida e confiante. Além do que, a cada sessão ela se surpreendia ao sentir que outras partes do seu corpo as quais nunca se dera conta, também doíam ou eram tensas ou eram prazerosas, ou seja, foi se percebendo melhor corporalmente, se auto conhecendo. Dora parecia ter grande confiança em mim, elogiava muito a minha massagem e os meus conhecimentos da técnica oriental. Em fins de agosto de 1999, totalizando 12 sessões, ela pediu para pararmos temporariamente a massagem. Ela dizia estar se sentindo muito melhor, sem as dores iniciais e com menos desconfortos na fase de TPM. Os médicos recomendaram para que ela iniciasse atividade física, porém ela não tinha condições financeiras para arcar com as duas atividades. Optou por parar a massagem, temporariamente, mas com pesar, pois ela sentia que a massagem a ajudava muito no restabelecimento da sua vitalidade, bem estar e relaxamento. Dizia sentir-se mais bem disposta quando recebia as massagens. Então combinamos reiniciar as nossas sessões quando terminasse o trabalho de fortalecimento muscular sem estabelecer uma data para isso.

Minha avaliação até este momento.

Eu, massoterapeuta, sentia ainda alguma insegurança no que se refere ao tipo de manobras a usar, ou, se estava realmente contribuindo para a melhora dos sintomas da paciente. Idealizava um modelo de terapeuta que deveria resolver os problemas da paciente de forma eficaz e definitiva. Gostaria de poder fazer milagres. Na supervisão meu foco era saber quais técnicas ajudariam mais a paciente a se recuperar do mal-estar daquele momento. Mesmo assim, a paciente demonstrava melhoras quanto à sua vitalidade e recuperação da cirurgia e relatava melhoras dos sintomas iniciais. Percebeu esses benefícios na massagem:

  • Bem estar físico
  • Alívio das tensões e dores musculares e no braço.
  • Alívio das dores de cabeça e enxaqueca
  • Melhoras quanto a sua postura ao sentar, andar ou deitar.

Complementando: adquiriu maior autoconfiança e melhorou sua auto-estima, o que proporcionou maior disposição física e mental para ir aos tratamentos pós-operatórios recomendados pelos cirurgiões (fisioterapia e terapia ocupacional). Apesar de não ter utilizado técnicas específicas da Massagem Biodinâmica neste primeiro período, poderia dizer que o atendimento foi feito seguindo alguns dos princípios da Biodinâmica, vide trecho do texto intitulado CONCEITOS E DEFINIÇÕES BIODINÂMICOS DA I.F.B.P.( FUNDAÇÃO INTERNACIONAL DE PSICOLOGIA BIODINAMICA) – em “Cadernos de Psicologia Biodinâmica 1”, pág.114:

  1. Há uma ligação simbiótica e direta entre a tensão emocional e a tensão muscular crônica.
  2. Produtos da tensão crônica e da tensão emocional se acumulam sempre que a liberação emocional e a espontaneidade são inibidas.
  3. Em um estado totalmente relaxado o organismo é capaz de descarregar as tensões nervosas através de seus processos metabólicos.

Relação terapêutica na Primeira Fase do Tratamento

Deu-se muita atenção à relação terapêutica, no sentido de respeitar e atender às necessidades da paciente, oferecendo acolhimento e buscando a atmosfera de segurança e confiança, importantes para que ela pudesse completar seu ciclo emocional que se iniciou com o trauma devido à cirurgia. Talvez Dora se sentisse como um animal ferido, acuado, com medo. Estando numa casa onde não se sentia acolhida e isolada em seu quarto, era como um animal enjaulado, com medo e sem condições ambientais para completar seu ciclo emocional e seu organismo poder se autorregular. A massagem, através do acolhimento e do toque não invasivo devolveu-lhe o parâmetro de calma e relaxamento. No que se refere à recuperação do trauma, Clover Southwell escreveu em: “Teoria e Métodos de Gerda Boyesen” na página 12:

Em atmosfera de segurança e confiança, podemos – graças à força de cura inerente do ciclo emocional – recuperar-nos mesmo dos traumas fortes.

Descrição da Segunda Fase do Tratamento

De janeiro de 2000 a novembro de 2003 – total de 90 atendimentos. Dora retornou em janeiro de 2000, seis meses após a última sessão. Disse-me que estava morando em apartamento próprio e a sua relação com a mãe melhorara muito após esta mudança de casa. Com a boa recuperação dos movimentos do seu braço operado, voltara a trabalhar normalmente. Porém sentia-se mais estressada por trabalhar muitas horas. Continuava crítica e perfeccionista. Seu pedido na massagem nesta segunda fase era, conforme suas palavras: “para me zerar” semanalmente e restituir o parâmetro vivido de relaxamento e bem-estar durante a massagem”. Ou seja, queria se restabelecer do stress vivido durante a semana de trabalho que lhe causavam tensões no pescoço, nos ombros e braços. Quanto à atividade física, Dora começou praticar natação. A paciente também estava freqüentando aulas de Pintura Artística.

Queixas:

  • Estresse devido ao trabalho.
  • Tensão e dores nos ombros, braços e pescoço.
  • Dor de cabeça.
  • Enxaqueca no período de tensão pré-menstrual, embora mais amena em relação à época da primeira etapa do tratamento.

Atendimentos

Continuamos com o contrato de massagem com frequência semanal em sessões de uma hora de duração. Ainda no início, durante 10 sessões, eu apliquei manobras de massagem oriental, com o olhar biodinâmico de acolher, respeitar a resistência e não ser invasiva, percepções que eu adquiri recebendo a massagem Biodinâmica e a partir das aulas do curso de formação em Psicologia Biodinâmica o qual estava cursando neste momento. A partir da 11ª sessão (desta segunda fase) comecei praticar Massagem de Escoamento, acompanhando os ruídos peristálticos com o estetoscópio. A minha intenção: melhorar a circulação energética e aliviar as dores e tensões musculares. Nas manobras, pressões leves respeitando os limites de dor, intensidade moderada a leve. Continuei por várias sessões com a mesma intenção e toque (incluindo o trabalho de massagem oriental, sobre os meridianos de energia KI) na tentativa de ajudar a sair do incômodo das dores freqüentes. Além da Massagem de Escoamento, comecei a aplicar também outras massagens que ia aprendendo no curso: Lifting para melhorar sua capacidade de entrega ao relaxamento e Massagem Hipotônica para fortalecer músculos dos braços (tríceps). O tratamento com a massagem até este momento (já em 20 sessões nesta segunda fase) ajudou a paciente a se aprofundar nas suas sensações corporais, através de uma melhor circulação da energia vital, melhorando o tônus muscular e, assim, aguçando sua percepção do próprio corpo. Dora dizia: “sinto-me como se estivesse sendo esculpida durante a massagem”; ou: “sinto que tenho um pescoço novo”; ou: “quando você puxou o meu braço, no Lifting, senti como se tivesse dado aquele salto de dar uma cambalhota no ar, foi o máximo!” Gerda Boyesen mesmo descreve suas sensações quando em tratamento com o doutor Olesen, no livro de sua autoria – “Entre Psique e Soma” – à pág. 82:

Quando eu permanecia por muito tempo estendida, distendendo-me completamente, eu pude lentamente sentir a energia invadir meus músculos e, pouco a pouco retornar o tônus normal. Suas formas também retornaram. Compreendi que a própria energia vital dá o tônus muscular.

Esta consciência corporal trouxe a necessidade de melhorar seu ambiente de trabalho no quesito ergonomia. Adquiriu um suporte para colocar o telefone para poder falar e anotar ao mesmo tempo (que era a rotina de seu trabalho) sem tensionar o pescoço. Também adquiriu um apoio para o pulso para digitar com mais conforto; procurava apoiar-se melhor na cadeira para se sentar e pediu um banquinho para pousar os pés, uma vez que a cadeira em que se sentava era muito alta para ela. As queixas de dor no pescoço e nos ombros, principalmente do lado esquerdo do corpo se mantiveram durante aproximadamente 15 sessões. Dora atribuía as dores ao mau posicionamento ao dormir e ao excesso de horas trabalhadas nestes últimos tempos. Ocorreram outros sintomas como: herpes bucal, dores no ciático e gripe, as quais ela atribuía a este período em que se sentia pressionada no trabalho, com medo de ser dispensada e sentindo estar num clima de competição com seus colegas de trabalho. Eu terapeuta, constantemente levava o caso à supervisão que sugeria variar os toques para ajudar no alívio das dores, como por exemplo, trabalhos com a respiração para aliviar a ansiedade e uma tensão que apresentava no tórax. Uma das formas que ajudava muito era utilizar o toque na aura, principalmente o “packing”, no final da massagem. A supervisão também me chamava à atenção quanto à minha ansiedade em querer aliviar as dores e tensões da paciente (querer fazer milagres). Talvez estivesse aplicando a massagem com toques precisos na técnica, buscando eliminar a dor, porém, menos presente como pessoa. [Sem levar em conta que processos emocionais ainda não amadurecidos estivessem sendo liberados através do afrouxamento da couraça muscular, o que colaborava para intensificar os sintomas.] Enquanto elaborava essas observações da supervisão, comecei com a Massagem de Distribuição de Energia, com a intenção de harmonizar as energias ascendente e descendente e distribuir essa energia concentrada na região da cabeça, pescoço e ombros. Conforme Clover Southwell em: “O tratamento de Distribuição de Energia” , (Cadernos de Biodinâmica vol 3): A Distribuição de Energia estimula o ramo parassimpático do sistema nervoso autônomo, que com freqüência é reprimido em nossa cultura viciada em adrenalina e isso melhora o equilíbrio autonômico. Além do prazer imediato do tratamento o efeito de expansão da estimulação parassimpática deixa o paciente em contato mais íntimo com a essência do prazer: as expansões pulsantes do biorritmo natural. Além de acrescentar uma nova manobra de massagem, também passei a ficar mais atenta ao “diálogo com a paciente”, ouvindo seus relatos de como passara a semana, e também “dialogando” com os músculos, percebendo se o toque causava desconforto (o músculo não relaxava), ou se era agradável (o músculo relaxava). Por exemplo, houve a sessão de numero 35, em que ela se queixou de muita dor de cabeça e estava muito sensível ao meu toque. Então eu simplesmente apoiei sua cabeça em minhas mãos numa intenção de lhe dar suporte e ninar. Ouvi sons bem aquosos no estetoscópio e a paciente pareceu sentir alívio da dor. Ela disse ter lembrado de um amigo de quem ela gostava muito na adolescência. As sessões passaram a ter outra qualidade. A paciente conversava, enquanto recebia a massagem, e eu a ouvia. Eram relatos de seus relacionamentos amorosos. Continuei com esse toque de dar suporte à cabeça, além dos toques com uma intenção de mais contato e acolhimento sem muita rigidez em manobras específicas, sempre adequando o toque ao momento da paciente. Haviam sessões em que eu podia trabalhar mais no músculo, outras em que usava toques na aura e outras só com polarização. Havia mais sons no estetoscópio do que havia anteriormente a esta nova forma de atendê-la. Trabalhei mais 5 sessões assim e houve uma em que ela me contou que se encorajou e foi conversar com um ex-namorado e propôs voltarem a sair juntos, mesmo sem um compromisso de namorar e só “deixar rolar”. Permitiu-se voltar a ter um relacionamento amoroso depois de passado um ano de separação. Acredito que, a partir do momento em que fui diminuindo a minha “cobrança” em ser a massoterapeuta ideal que curaria todos os sintomas, pude perceber e dialogar melhor com o inconsciente da paciente através de um toque com mais contato. Estava começando a entender o que as tensões “diziam”. Dora pôde, então, permitir que algo se expressasse, através de um pensamento e, depois, através de uma ação, e isso a ajudou na elaboração de conteúdos emocionais que emergiam com o relaxamento das tensões musculares. Também pude entender o que era “a pressão interna querendo expressar-se”, como escreve Clover Southwell em seu artigo: ”Pressão Organísmica Interna”, em Cadernos de Biodinâmica vol 1 às pgs 16, 17 e 18

O processo terapêutico biodinâmico, portanto, é a redescoberta dessa verdadeira natureza, tirar a cobertura e conseguir a retomada do verdadeiro self, no maior número possível de funções humanas. E o fator-chave nesse processo será a pressão: a pressão expansiva intrínseca do núcleo organísmico da Personalidade Primária. Este núcleo do organismo pode ter que ser estimulado, encorajado, pode precisar ser re-acordado. Mas ela está lá. A força vital positiva, afirmativa da Personalidade Primária, com seus impulsos para se expressar, para conseguir a realização de sua verdadeira natureza. E este é o poder de cura autógena natural do próprio organismo. Portanto, a terapia bio-dinâmica é um processo com dois procedimentos. Por um lado, invocamos a Personalidade Primária para se expandir e se expressar. Por outro lado, abrimos caminho para que ela se estenda, eliminando e dissolvendo as camadas de pressões constritivas no soma e na psique que têm reprimido, comprimido, suprimido esta essência orgânica fundamental e expansiva. (…) E quando algum destes impulsos “empurrando lá de dentro” é reconhecido, admitido e encorajado a se expressar mais totalmen¬te, pode rapidamente se transformar em grandes ondas de material há muito tempo suprimido, que levam a poderosos insights e ma¬nifestações emocionais. E assim, com o insight ocupando seu lugar, os conflitos (as constrições psíquicas) são resolvidos e a armadura emocional se dissolve.

Assim, Dora pôde entrar mais em contato consigo mesma, ficando mais próxima da sua Personalidade Primária. Eu, massoterapeuta, em formação como Massagista Biodinâmica, também pude perceber que: poder ouvir a cliente era poder ouvir a mim mesma, deixando a crítica de lado e agindo a favor do fluxo da energia vital, a favor do impulso verdadeiro. Pude usar as manobras de massagem com muito mais qualidade de contato e mais presença terapêutica. Foi um momento muito marcante desses atendimentos. Foi neste período que ocorreu outra grande mudança na vida de Dora que se demitiu do emprego anterior ingressando em outra empresa multinacional, onde conseguiu colocação num cargo melhor que o anterior e no qual se sentia mais valorizada pelos colegas e superiores. Ela agora estava em contato direto com a Diretoria da empresa. Até aqui completamos 40 sessões. Observei que a paciente estava mais conectada, mais vitalizada e muito mais feminina, valorizando seu visual através de corte novo de cabelo e no estilo das roupas. Nas sessões seguintes observei que as tensões que apareciam estavam muito ligadas ao medo. Em uma sessão a paciente dizia sentir dor em todo corpo. Na massagem eu ouvi muito pouco ruído de peristalse e havia muita tensão em pescoço, cabeça e ombros, além de dores na região lombar. Foi um dia depois de ela ter visto uma mulher morrer, arrastada pela correnteza de uma enxurrada devido à forte chuva que caíra durante a semana. Enfatizei massagem nos pés para lhe trazer a sensação de enraizamento e também estimular a energia descendente. Houve muito bem estar e, na semana seguinte, mesmo na TPM, sentia-se bem tranquila, não tendo enxaqueca. Nas três semanas seguintes ocorreram pesadelos. Ela trouxe sonhos em que algo de errado acontecia com ela, como por exemplo: chegar atrasada ao trabalho, ou esquecer de enviar um memorando, uma carta ou agendar um compromisso. Para ela eram verdadeiros pesadelos. E estavam relacionados ao medo de errar, de ser considerada “burra”, ou ser repreendida. Sentia calafrio, uma sensação incômoda de tremedeira nas pernas e perdendo o contato com o chão. Na primeira dessas sessões com pesadelos, fiz massagem de Contorno, para proporcionar melhor contato com o corpo e com a intenção de trazer uma sensação maior de confiança no ambiente, para que pudesse se entregar mais, soltar-se mais e aliviar um pouco o controle racional. Ao tocar os pés nessa massagem, ela disse que sentia vontade de chorar e disse ter percebido no corpo, no caso, no pé, o quanto se controla para não demonstrar raiva ou chorar. Encorajei-a em deixar vir o choro, mas já havia racionalizado e não entrou no sentimento. Nas sessões seguintes prevaleceram os “pesadelos”, mas não teve mais a sensação ruim nas pernas. Continuei com a mesma manobra nas massagens e fui acrescentando a integração racional-emocional-sentimento, através de polarizações: cabeça-cervical-peito-diafragma-abdômen-pernas e sobre a coluna vertebral nos pontos correspondentes. As massagens ajudavam-na a relaxar e se sentir melhor, porém sem muitos insights Em setembro de 2001, eu não pude atendê-la por três sessões por motivos pessoais. Nesta fase as dores se intensificaram no pescoço, ombros, braços e na lombar. Neste período ela também sofreu uma luxação na articulação da mandíbula. Na massagem, muitos toques com intenção de acolher e de proporcionar maior enraizamento. A massagem nas pernas e pés lhe trazia muito conforto. Também vibrações sobre o músculo com a intenção de proporcionar o sentimento de se soltar, deixar-se relaxar, sair um pouco do controle. Massagem de Distribuição de energia com intenção de estimular o sistema parassimpático. Também polarização: cervical-sacral e cabeça-peito-abdômen procurando integração do emocional, com sentimento e racional. Em algumas ocasiões packing na aura, trazendo sensação de segurança no campo sutil. A sessão de massagem era seu refúgio onde podia voltar ao patamar de relaxamento que a deixava bem. Eram uma boa maternagem. Porém as questões emocionais estavam ali presentes, emergentes e precisavam ser cuidadas. Estava mais que evidente que havia limites para o atendimento com a massagem e que a paciente necessitava também de um acompanhamento com psicoterapia onde ela pudesse olhar para essas questões emocionais devido ao desbloqueio de suas couraças. As dores físicas pareciam estar intimamente ligadas a esses processos. Assim, aconselhei Dora a procurar psicoterapia, a fim de se autoconhecer e poder lidar melhor com as situações de medo, raiva, intolerância e outras questões que estavam inconscientes até agora, mas foram despertadas pela massagem e não estavam sendo devidamente elaboradas pela psique. E ela, agora, estava em condições financeiras melhores e poderia arcar com os gastos com a terapia e a massagem juntas. Completamos 60 atendimentos e Dora começou terapia com psicoterapia com abordagem corporal. As sessões de massagem continuavam como terapia de apoio e também para melhorar a consciência corporal, além de trazer mais conteúdos, conforme se abriam as possibilidades para isso. Houve uma sessão em que a paciente estava na época da TPM e se sentia muito inchada. Eu fiz toques de drenagem linfática e também a massagem de escoamento, principalmente nas pernas, atuando sobre o tecido conjuntivo. Dora disse que sentiu as suas pernas “iluminadas”, a energia, antes parada estava fluindo e nos seus braços sentiu a energia fluindo em forma de cores. Em sessões seguintes, já quase chegando aos 100 atendimentos, ela passou por uma fase de despedidas. Seu chefe iria ser transferido para outro país, assumir um cargo maior na empresa. E ela estava se preparando para esse momento de despedida que para ela era algo muito difícil de lidar. A psicoterapia a estava ajudando e a massagem era o lugar do acolhimento dessa tristeza. Nesta época, a paciente dizia se sentir indefinida, como se algo estivesse indo embora e algo novo estivesse para chegar, uma nova forma de ser ela. Pouco tempo depois, Dora contou-me que começara um relacionamento amoroso, embora sem intenção de assumir compromissos. Era, segundo ela, um caso. Ela pôde se abrir a novos relacionamentos, esta era sua nova forma de ser, abrindo-se aos relacionamentos amorosos. Continuamos as sessões de massagem, que era o espaço para a manutenção do bem-estar, do equilíbrio e autorregulação até 2004 totalizando mais de 100 atendimentos. Acredito que o trabalho de apoio dado pela massagem, a partir da autorregulação através da psicoperistalse, deu-lhe estrutura para poder se aprofundar no seu processo pessoal. Relação terapêutica na Segunda Fase do Tratamento Dora apreciou muito as massagens, sentia-se renovada, dizia ter sonhos com muitas cores, enfatizava muito seu bem estar. Ela sempre dizia que eu sabia onde tocá-la e com muita precisão. No início do tratamento eu ainda sentia momentos de muita insegurança, principalmente nas fases em que sintomas novos apareciam. Sentia-me na obrigação de solucioná-los e me esforçava muito para proporcionar bem estar à paciente. Na medida em que a minha formação em Psicologia Biodinâmica foi evoluindo e o meu processo pessoal foi acontecendo, passei a atuar com maior qualidade profissional. Acredito que essa dedicação em cuidar dela se demonstrava externamente e estava contribuindo para que a paciente trouxesse sempre feedbacks positivos e isso era muito gratificante. Eu, massagista biodinâmica, estava mais conectada e mais atenta às necessidades da paciente. E isso contribuiu para melhorar o meu atendimento e também para que os sintomas realmente diminuíssem. Além disso, pude encaminhá-la para uma psicoterapia o que a ajudou ainda mais no seu bem estar.

CONCLUSÃO

Após os 100 atendimentos, considero que os resultados do tratamento foram bastante satisfatórios, Dora relatou maior bem estar psicossomático e disponibilidade para atividades mais lúdicas, tais como: ir à piscina, tomar sol, praticar exercícios e frequentar aulas de pintura artística. Tornou-se uma pessoa menos ansiosa, menos tensa e mais em contato com a sua personalidade primária. Seu corpo tornou-se mais fortalecido, apresentando mais tônus nos músculos. Seu olhar mais presente e mais conectado com a emoção. Sua atitude mais assertiva. Voltou a ter relacionamentos amorosos. Neste processo de Massagem Biodinâmica utilizei as seguintes massagens: Massagem de Escoamento, Massagem de Contorno, Massagem Hipotônica, Massagem de Distribuição de Energia, Massagem no Biocampo Sutil. Os resultados obtidos foram:

  • Diminuição considerável de vários sintomas ligados ao período de tensão- pré-menstrual (TPM), tais como: enxaqueca, retenção de líquidos e instabilidade do humor.
  • Seu tônus tornou-se mais natural;
  • Diminuição da ansiedade – maior contato com o prazer de seu corpo
  • Ampliação do movimento respiratório.

O restabelecimento da livre circulação da energia vital via psicoperistalse, através da Massagem Biodinâmica, produziu descargas emocionais leves que lhe aliviaram sintomas promovendo bem estar independente e a autorregulação do organismo, trazendo benefícios para a saúde psicossomática. Dora conseguiu melhorar sua qualidade de vida tanto no nível profissional como no pessoal e aprendeu a aproveitar melhor seu tempo incluindo atividades lúdicas e artísticas. Segundo Clover Southwell no artigo – MASSAGEM BIODINÂMICA COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA COM ESPECIAL REFERÊNCIA AO CONCEITO BIODINÂMICO DE EQUILÍBRIO, em Cadernos de Psicologia Biodinâmica, vol 3, pág. 53:

A longo prazo, nossa meta é que cada cliente possa desenvolver um relacionamento positivo com a maior gama de energia com a qual seja capaz de lidar com equilíbrio: da energia emocional e libidinal mais profunda à mais intensa vitalidade, das experiências mais íntimas e pessoais às mais universais e da força mais primitiva à mais refinada. À medida que os elementos “horizontais” expandem-se para conter essa nova energia “vertical” o equilíbrio da pessoa torna-se mais forte e profundo.

E para encerrar esta descrição de caso compartilho o que Clover Southwell escreve sobre a Massagem Biodinâmica, no mesmo texto citado acima, à pág.63:

A Massagem Biodinâmica é uma ferramenta extraordinariamente potente. O impacto do toque do terapeuta é muito mais profundo do que o costumeiro contato pessoal. Através da massagem o terapeuta está “falando” com o cliente em um nível muito profundo do seu ser. Não está dando energia ao cliente; está contatando a energia deste e estimulando seu fluxo. As mãos do terapeuta direcionam a energia; os efeitos desse contato permanecem internamente no cliente muito além dos minutos em que é tocado. O fluxo energético torna-se cada vez mais abundante, o cliente encontra sua riqueza interior, sua força, seu fluxo libidinal. Encontra seu bem-estar independente.

“O cuidado em ouvir é o caminho mais curto para o saber.” Juan Luis Vives

BIBLIOGRAFIA

BOYESEN, Gerda, Entre Psique e Soma, São Paulo, Editora Summus, 2ª ed., 1986. _, “O que é Psicologia Biodinâmica”, Cadernos de Psicologia Biodinâmica, vol 1, São Paulo, Ed.Summus, 1983. _, “Teoria Biodinâmica da Neurose”, Cadernos de Psicologia Biodinâmica, vol 1, São Paulo, Ed.Summus, 1983. _, “A Personalidade Primária”, Cadernos de Psicologia Biodinâmica, vol , São Paulo, Ed.Summus, 1983. _,“A Personalidade Primária e sua relação com as correntes de Energia”, artigo publicado no Energy & Character, vol 3, 1972, traduzido por Maya Hantower e revisado por André Samsom e Ricardo Amaral Rego. SAMSON, André, “Massagem de Escoamento”, “Massagem Biodinâmica”- texto para download no site do Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica www.ibpb.com.br. SOUTHWELL, Clover, “The Energy Distribution Treatment”, Energy & Character, vol 9, 1978, traduzido por Terezinha Oppido, revisado por André Samsom e Ricardo Amaral Rego. __, “Massagem Biodinâmica como ferramenta terapêutica, com especial referencia ao conceito biodinâmico de equilíbrio”, Cadernos de Psicologia Biodinâmica, vol 3, Ed. Summus, 1983. __, “Teoria e Métodos de Gerda Boyesen”, apostila distribuída pelo Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica, 1986.Atualmente: texto para download no site : www.ibpb.com.br.

Para entender a TPM:

Equipe da Faculdade de Medicina da USP, “Síndrome Pré-Menstrual”, Revista Brasileira de Medicina, vol58 – Edição Especial, 2001. PAIVA, Fernando, “Tensão Pré-Menstrual, um problema de cuca”, artigo na seção Mulher do Jornal Folha de São Paulo de 23/10/1983, São Paulo.

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