Aline Campos Oliveira
Email: alinepsico@ig.com.br
Especialista em Psicologia Biodinâmica pelo Instituto Biomater em parceria com o IBPB
1 – Introdução
Você sabia que seu corpo guarda sua história?
Cada organismo nasce com uma forma natural de lidar com o stress e que, com os traumas vivenciados, vai perdendo essa capacidade flexível de retornar ao seu estado saudável.
O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância do cuidado e atenção que devemos ter com a forma de expressarmos nossos sentimentos. Levo a refletir sobre o quanto os bloqueios emocionais e a não demonstração dos sentimentos dão origem a quadros de somatizações, e o quanto essas doenças caracterizaram a sua forma de sobrevivência perante os acontecimentos da vida. Direcionando um pouco o nosso olhar para o que Reich denominou como “couraças”.
Reich (1995) nos trouxe uma das maiores contribuições para os estudos sobre o ser humano, a integração dos conteúdos emocionais correlacionando-as com a postura corporal. Ao longo de nossa historia, vamos formando no corpo o que ele denominou de couraças. A couraça pode se formar como uma proteção contra muitos estímulos perturbadores e desagradáveis do mundo exterior como, por exemplo: grandes privações ou sujeição à repressão sexual. A couraça, para Reich seria a manifestação corporal do encouraçamento do ego e ainda, a manifestação corporal do recalque.
Em seu estudo sobre couraça muscular Reich (1995) descobriu que tensões musculares crônicas servem para bloquear uma das três excitações biológicas: ansiedade, raiva ou excitação sexual. Ele concluiu que a couraça física e a psicológica eram essencialmente a mesma coisa.
Gerda (1985) complementa diferenciando as couraças, muscular: que é o enrijecimento crônico dos músculos, a visceral: que são os músculos do intestino que perdem a capacidade de resposta às pressões que devem estimular a função psicoperistáltica e a tissular: que são os resíduos metabólicos que ficam nas membranas e nos tecidos. Podemos entender que, essas couraças quando se acumulam de forma crônica e não são tratadas, evoluem para o que chamamos de somatização.
Quando uma pessoa não consegue suportar na pisiquê uma situação, ela acaba produzindo ou agravando sintomas e doenças que se manifestam no corpo. Pessoas extremamente racionais, que dão pouco espaço para elaborações psíquicas e em cuja vida não há muito espaço para fantasias e imaginação. Sendo assim, acabam tendo pouco contato e tempo para suas questões psicológicas. Como não conseguem eliminar as tensões de uma forma natural, aparecem essas válvulas artificiais e as pessoas desenvolvem doenças físicas que têm certamente origem emocional.
A Massagem Biodinâmica, criada pela psicóloga e fisioterapeuta Gerda Boyesen, enquadra-se no âmbito das terapias psico-corporais. Através de técnicas de massagem procura-se libertar a tensão física e emocional, desbloqueando a respiração e com ela o fluxo energético no corpo. Métodos de psicologia neorreichiana desenvolvidos por David Boadella que estuda como os fluxos vitais se expressam no corpo e a embriologia. Método de educação somática do movimento, desenvolvido nos EUA por Bonni Cohen, que compreende o corpo a partir dos diferentes sistemas corporais e propõe uma reorganização dos padrões corporais adquiridos ao longo da vida, ampliando o repertório de percepção através do movimento e do toque.
Boyesen reconhece o conceito de auto-regulação e formula a idéia de uma pressão organísmica interna, como uma força impulsionando o organismo para o crescimento e insiste em que o terapeuta deve acompanhar essa tendência. Dessa forma, a relação terapeuta-cliente é determinante do sucesso terapêutico e não a técnica empregada, sendo a empatia sua base. A empatia é que estabelece as formas de contato com o cliente, seja por meio do toque ou da fala.
A Psicologia Biodinâmica parte do pressuposto de que o ser humano é uma unidade indissolúvel de corpo e de mente e que, portanto, o trabalho com o corpo afeta o psíquico e vice-versa. A massagem foi a forma que a Biodinâmica encontrou para intervir nessa relação corpo-mente.
As situações a que o indivíduo está sujeito, sejam de “stress”, sejam de prazer, desencadeiam uma série de reações fisiológicas numa tentativa de dar conta das experiências que o meio lhe oferece. Sabemos que o ser humano tem condições de lidar com situações de intensa pressão emocional e precisamos entender o que está envolvido nesta capacidade:
O organismo saudável tem, entretanto, o poder de exprimir, resolver e digerir até mesmo violentos choques emocionais, contanto que tenha as condições necessárias de paz e segurança. Apenas quando a pessoa perde a sua capacidade inerente e natural de auto-regulação e de auto-cura é que a neurose se desenvolve. (BOYESEN, 1983,pg???)
Assim, entendemos que cada emoção que irrompe no ser humano busca um meio de ser expressa e, para tal, mobiliza o organismo na tentativa de fazê-lo. A carga emocional com sua prontidão para a ação vai ser descarregada ou não, dependendo da relação que se estabelece entre suas características de quantidade/qualidade e as possibilidades que a pessoa e o meio têm de acolher essa emoção. Como, na maior parte do tempo, a expressão de nossas emoções é impedida, tanto interna quanto externamente, cabe ao organismo encontrar um caminho para lidar com os resíduos emocionais e fisiológicos.
E, o terapeuta tem como missão ser um facilitador dessas expressões:
A postura básica do terapeuta é de permissão, confiando plenamente na força de auto-cura do cliente. Boyesen várias vezes comparou a função terapêutica com a de uma parteira (SANDNER, 1994 apud IACONELI, 1997).
Não cabe à parteira determinar o que ou quando vai nascer, mas estar atenta, presente, sem pressa, cúmplice do parto. O organismo está apto a passar por todas as etapas do parto (físicas e emocionais), está biologicamente determinado a fazê-lo. No entanto, nós sabemos o quanto esta prontidão vem sendo prejudicada pelos hábitos modernos, que nos levam a duvidar desses recursos e a substituí-los por tecnologia. Cabe ao psicoterapeuta reconhecer esta sabedoria intrínseca em si e no outro, para que possa facilitar seu resgate (IACONELI, 1997).
2 – Quando a boca cala
Muitas vezes as pessoas que não expressam seu mal-estar o fazem porque não encontram as palavras para isso, ou simplesmente lhes foi ensinado ao longo de seu desenvolvimento que ficarão expostos se se expressarem demais. Somos forçados pelo ambiente, sociedade, religião e etc., a nos conter e reprimir. Ensina-nos todo tipo de temas, mas o tema de conhecer-se emocionalmente costuma ficar de fora. De repente, um dia nos sentimos carregados, e perguntamos a nós mesmos de onde vem tanta dor, e por que o corpo não dá motivos claros que nos expliquem as doenças. Os motivos estão na mente, mas estão encobertos.
Normalmente esta falha é decorrente de um sistema de comunicação familiar inexistente ou deficitário, na verdade a maioria das chamadas doenças psicossomáticas são o resultado de necessidades humanas não atendidas, como a escuta, a empatia e o amor.
Ao longo do nosso desenvolvimento e formação da psique, raramente temos um ambiente que nos dê apoio para que possamos demonstrar sentimentos como: raiva, ciúme, inveja, vergonha, entre outros. Muitas vezes, nem o choro é acolhido de forma saudável e seguro, desta forma, o ser humano cria uma forma (física, emocional e comportamental) “engessada” de se colocar no mundo, nas relações para não sentir dores, para não entrar em contato com o que é muito difícil de encarar, vai deixando de respirar profundamente e perdendo o contato com as emoções.
3 – Quando o corpo fala
“Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros.” – (Caio Fernando Abreu)
Somatizar é transformar uma dor emocional em uma dor física através da incapacidade de lidar com o problema emocional. O problema físico, nesses casos, devem ser compreendidos e tratados como tendo a sua origem em um problema psicológico que desempenha um papel importante: o de comunicar ao corpo o que a nossa mente quer expressar, mas que a nossa voz não é capaz de reproduzir.
Os pacientes devem ser atendidos de forma integral, tendo em conta as características psicológicas que podem estar influenciando os seus sintomas físicos, e avaliar também como seus sintomas físicos pioram o quadro psicológico.
Em muitos casos, quando uma doença somática não é tratada corretamente, se torna crônica e como consequência, a doença, já em sua forma crônica, faz com que a pessoa evite atividades sociais, acreditando que evita assim o mal-estar e que seus sintomas estarão mais controlados em sua rotina diária. Pouco a pouco, a pessoa vai deixar de lado sua vida por causa de seus sintomas sem procurar tratamentos alternativos como a psicoterapia para atacar a real causa.
As doenças psicossomáticas são reais e precisam de tratamento específico e ajustado às características de cada paciente. Uma vez descartadas as patologias orgânicas, os profissionais devem conseguir entender o que o corpo está querendo dizer, porque a boca cala sem dar a razão explicita a nenhuma causa específica.
Segundo Dahlke (2000), alguns sintomas comuns para exemplificarmos:
A dor de garganta entope, quando não é possível comunicar as aflições.
O estômago arde, quando a raiva não consegue sair.
O diabetes invade, quando a solidão dói.
O corpo engorda, quando a insatisfação aperta.
A dor de cabeça deprime, quando as dúvidas aumentam.
A alergia aparece, quando o perfeccionismo fica intolerável.
A dor no ombro sinaliza o excesso de fardos e de obrigações.
As unhas quebram, quando as defesas ficam ameaçadas.
O peito aperta, quando o orgulho escraviza.
A pressão sobe, quando o medo aprisiona.
As neuroses paralisam, quando a criança interna tiraniza.
4 – Uma Visão Biodinâmica
Segundo Winnicott (1975), a fase inicial da vida de um bebê é marcada por sua indiferenciação entre o eu e não-eu, nesse período ele depende e se encontra fundido a mãe. Para que a diferenciação entre eu / não-eu se dê, ele terá que separar-se gradativamente de sua mãe e de sua função no meio ambiente. Para que tal separação transcorra de forma não traumática é importante que a mãe tenha cumprido sua função de ambiente ao segurar, manejar e apresentar objetos para o bebê.
A formação do ser humano e a importância do corpo e da maternagem, para seu desenvolvimento com integridade psicossomática. O somatizador experimentou falhas no processo de maternagem, o que por sua vez comprometeu sua capacidade para excitar-se, lidar com seus afetos e contê-los. Esta fragilidade, gerada nos primórdios da vida das pessoas com desorganizações somáticas, ficam guardadas na memória de seu corpo e se manifestam na cisão entre pensamento e campo sensorial e no comportamento desafetado tão presente neste tipo de pessoas.
Dessa forma, é possível a hipótese de que os pacientes que somatizam podem ter tido complicações justamente nos desdobramentos de sua relação com essa mãe ambiente, que por alguma razão não foi bem sucedida em desempenhar as funções acima citadas, tão importantes ao bebê e que o auxiliam no seus processos de integração psicossomática.
Segundo Winiccott (1975), simplificando a função ambiental e exemplificando sucintamente o que ela envolve: 1º o segurar, 2º o manejar, 3º a apresentação de objetos. O bebê pode reagir a essas provisões ambientais, mas o resultado, nele, é uma maturação pessoal máxima. Pela palavra ‘maturação’, nessa fase, podemos incluir os diversos significados da palavra ‘integração’, bem como o inter-relacionamento psicossomático e a relação de objeto.
Estes traumas precoces relacionados principalmente ao tato (manuseio) e ao olhar (apresentação de objetos e o olhar materno) afetarão o processo de maturação do individuo. Desenvolverão dessa forma, uma relação defensiva com seus sentidos e emoções, bem como uma falha na capacidade de conter suas excitações. Podemos comprovar tais hipóteses no consultório com pacientes que tratam os afetos com frieza, como se nunca fossem tocados pelas experiências ou que por seus próprios sentimentos. Em alguns casos, a dificuldade em estabelecer relações se apresenta com o aspecto de extrema fragilidade e hipersensibilidade a qualquer estímulo, inclusive os sensoriais.
Portando para eles, poder sentir a sua singularidade é ter direito a uma existência própria. Essas colocações são relevantes, pois nos permitem compreender a importância de se incluir as informações sensoriais no processo terapêutico, além de ir de encontro a um recurso de grande importância na terapia de abordagem corporal, chamado leitura corporal. Podemos observar uma série de aspectos visuais a respeito do paciente, como a sua forma de caminhar e de mover-se, os gestos e suas expressões que variam de acordo com as diferentes emoções expressas, o aspecto e coloração de sua pele, podemos aprender como é o tônus dessa pessoa e como todos esses aspectos se unem formando um conjunto que caracterizam aquela pessoa. Muitas vezes depois de fazer esse reconhecimento dos aspectos visuais podemos nomear o que nos parece importante e identificar o caráter predominante do individuo.
Rego (2018) nos conscientiza sempre sobre a presença terapêutica e a intenção no tocar:
Uma massagem biodinâmica é uma relação entre duas pessoas, não é a aplicação de uma técnica a uma massa de carne. É como uma conversa, diferente apenas por realizar-se por via não verbal. É decisivo que o terapeuta esteja presente, em contato e sintonia com o paciente.
Este é um dos mais fascinantes fenômenos da massagem biodinâmica. O que observamos é que o resultado de um tratamento é muito influenciado pela intenção que o massagista coloca no momento da massagem. O paciente percebe e reage consciente ou inconscientemente e isso pode determinar o rumo que o caso vai tomar.
O sintoma psicocorporal pode ser visto como uma expressão de sofrimento, que não encontrou outra tradução. É necessário capacitá-la para que encontre outro acesso, restaurando, modificando essa capacidade e mais ainda ajudando a encontrar o seu núcleo interno mais vivo.
O toque tem, sem sombras de dúvidas, efeito tranquilizador, de alivio, relaxamento, espontaneidade e intimidade, é através dele que realizamos o “estar no mundo”, dando contorno e noções de quem se é no mundo.
Com o toque, lhe é permitido um acolhimento tranquilizador que proporciona um fluxo mais livre das tensões, mostrando um caminho de mais intimidade no processo.
Na vivência de desbloqueio da couraça, deve se estar atento ao “perigo de passagens bruscas de movimento de liberação do inconsciente”, uma vez que o paciente precisa se sentir seguro para que o fluxo liberado não seja interrompido ou vivido como um reflexo de sobressalto, gerando uma nova couraça (BOYESEN, 1985).
A couraça secundária consiste num dos efeitos colaterais consequentes do trabalho psicoterapêutico aplicado de forma invasiva.
5 – Conclusão
As primeiras experiências na vida de um bebê são marcadas por suas vivências corporais, é através delas que ele irá apreender sobre o mundo. O desenvolvimento corporal inicia-se a partir das necessidades básicas do bebê, e vai se refinando a partir de suas interações com o ambiente. Esse processo precede a aquisição da linguagem e o pensamento. A partir das hipóteses levantadas neste trabalho compreendemos que essa estrutura corporal serve de apoio para a formação do Eu.
Tanto os pacientes psiquiátricos, quanto aqueles que somatizam estão em situação de sofrimento psíquico. Os sintomas corporais podem não ter significados complexos, mas acredito que ao nos aproximarmos da especificidade do corpo doente, da região afetada, dos sintomas, ali também poderemos encontrar rastros de um aspecto doente do psiquismo.
O funcionamento autônomo das funções corporais com relação ao psiquismo, por exemplo, na histeria o corpo ‘se empresta’ à psique para ser utilizado segundo a vontade dela, enquanto na doença somática o corpo faz seu próprio pensamento.
É a partir dos sintomas físicos que ela pode começar a pensar sentidos e direções para sua vida. A partir das discussões teóricas, nos aproximamos da hipótese que atribui uma relação entre os distúrbios psicossomáticos às complicações na fase do desenvolvimento precoce, fase em que a linguagem em muitos casos não havia ainda se desenvolvida. Outra possibilidade de compreensão da realidade dos pacientes que somatizam, seria pensar que as experiências traumáticas em sua vida foram de tal impacto que a deixaram impossibilitada de elaborar psiquicamente tais acontecimentos. Contudo, essas hipóteses têm em comum o escoamento da energia psíquica para o campo somático. De uma forma ou de outra, a comunicação primitiva se torna uma maneira desses pacientes expressarem seu sofrimento e suas angústias arcaicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOYESEN, G. Entre Psiquê e Soma. Introdução à Psicologia Biodinâmica. São Paulo: Summus, 1985.
DAHLKE, R. A doença como símbolo São Paulo: Cultrix, 2000.
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WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
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