O POUCO É MUITO: UMA VISÃO DA ANÁLISE BIODINÂMICA

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Silvia Cristiane de P. G. R. Cavalcanti
Email: s.cristianegraciano@gmail.com

Especialista em Psicologia Biodinâmica pelo Instituto Biomater em parceria com o IBPB

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar alguns fundamentos da máxima “o pouco é muito” (a litle is a lot) e suas justificativas. É um conceito e uma metodologia de trabalho que preserva o paciente, respeitando o quanto é possível e assimilável a ele enquanto abordagem e tratamento, sem agredir ou mesmo invadir, avaliando, sempre, o momento em que o paciente se encontra e o que lhe é possível e suportável.
As técnicas psicoterapêuticas, de forma geral, têm como finalidade ajudar os indivíduos a estarem mais próximos do que chamamos em Psicologia Biodinâmica de Personalidade Primária, porém, infelizmente, não é nada incomum muitos terapeutas exacerbarem em suas técnicas e, o que era para ser uma ajuda, um suporte, torna-se algo pior do que o status quo do paciente, causando, muitas vezes, maiores transtornos dos que já experimentados pelo indivíduo em sua experiência de vida.
Conhecer as técnicas não basta, é necessário todo um manejo do terapeuta de forma que este esteja atento e principalmente presente em cada sessão, para não prejudicar mais que ajudar, não ser invasivo e agressivo, não desenvolver o que a fundadora da Psicologia Biodinâmica Gerda Boyesen definiu como couraça secundária.
Este trabalho apresenta conceitos como: personalidade primária, personalidade secundária, amizade com a resistência e couraça secundária, todos estes elementos que norteiam o trabalho do Analista Biodinâmico para que haja sucesso e satisfação em cada processo terapêutico, levando o analista e o paciente à contribuição para um mundo mais saudável e pacífico. O Analista Biodinâmico que trabalha com a fundamentação do “pouco é muito”, corre pouquíssimo risco de insucesso em relação ao trabalho terapêutico, pois respeita a singularidade e o tempo de cada indivíduo.
2 A PSICOLOGIA BIODINÂMICA

A psicóloga e fisioterapeuta Gerda Boyesen, fundou a Psicologia Biodinâmica na década de 1960 em Londres. Trata-se de uma abordagem neorreichiana que integra psicoterapia e massagem brilhantemente abordada pela psicoterapeuta Clover:
A base da Psicologia Biodinâmica é a própria experiência de Gerda Boyesen e a compreensão do fluxo da libido no corpo. Sua teoria é que a força vital move-se em nós como libido, e que seu fluxo é inerentemente prazeroso; quando, porém, esse fluxo é bloqueado, causa sintomas tanto físicos como psicológicos. Assim a psicoterapia também deve ser um processo biológico. Gerda Boyesen reconsiderou as teorias de Freud sobre o desenvolvimento da criança, a repressão emocional e os sintomas de conversão à luz de sua própria experiência corporal de libido (Boyesen, M.I; 1976). De acordo com a teoria biodinâmica, ao reprimirmos nossas emoções, estamos bloqueando o fluxo de nossa libido, nossa força vital. […] A tarefa da Terapia Biodinâmica é readquirir o acesso à força vital bloqueada na mente e no corpo, ajudando-a a fluir livremente de novo e nos auxiliar a digerir e assimilar esses reprimidos de nós mesmos, para tornarmo-nos o que realmente somos. (SOUTHWELLl, 1996: 5)
Em cada ser humano, existe uma representação física, mental, sentimental e emocional de tudo que se viveu até seu momento presente. Todo ser humano nasce com sua força vital denominada por Gerda de Energia Vital
é uma pessoa que está em contato com a circulação de sua “libido”; com o prazer de sentir-se pertencente a seu meio ambiente e obtido através de sua participação em qualquer situação; e que não trairá nem negará, a si mesma ou aos outros, a existência disto dentro dela. Existe nela uma alegria natural, uma euforia. (BOYESEN, 1982: 8)
Personalidade primária é a parte do ser humano que se deseja resgatar com o trabalho de Psicologia Biodinâmica. Podemos dizer que a personalidade primária de uma pessoa está ativa quando ela experimente plenitude e satisfação. As sensações de vibração e excitação interna fluem livremente, fazendo com que o indivíduo sinta-se vivo.
Definição que Gerda Boyesen deu à Personalidade Primária:
Enquanto que por um lado a Personalidade Primária é o Máximo Potencial Humano (de que temos conhecimento), por outro, toda pessoa tem em maior ou menor grau aspectos da Personalidade Primária presentes em sua vida cotidiana. Estes aspectos não são inatingíveis, eles estão aí. Desta forma, em nosso trabalho com as pessoas precisamos procurá-los, reconhecê-los e estabelecer contato com eles. Assim fazendo, estaremos auxiliando e estimulando não somente esses aspectos mas a pessoa como um todo. Isto dá-lhes força, coragem e a aceitação necessárias para olhar e trabalhar seus conteúdos mais neuróticos e o lado escuro do seu caráter (Personalidade Secundária). Podemos ajudá-las a perceber quais aspectos estão faltando ou foram transformados e as razões disto. Podemos ajudá-las a crescer e a liberar outros aspectos da Personalidade Primária que existem dentro delas; unificá-los de maneira que a pessoa possa se libertar de suas pressões e medos e caminhar construtivamente, passo a passo em direção a sua plenitude e satisfação. (BOYESEN, 1982: 8)
Com referência à Personalidade Secundária, Clover descreve:
Quando da infância em diante, o mundo pressiona demasiadamente e não nos aceita como realmente somos, desenvolvemos a Personalidade Secundária. Então, não apenas criamos modos para nos proteger dos ataques do mundo exterior, porque eles são muito ameaçadores para nós; bloqueamos esses movimentos da nossa força vital e dessa forma, limitamos a expansão de nosso verdadeiro potencial. (SOUTHWELL, 1986:7)
A criadora da Psicologia Biodinâmica Gerda nos adverte que a: “A personalidade secundária só possui a energia fisiológica, a bionergia foi encapsulada, a personalidade recalcada.” (BOYESEN, 1985: 69).
Uma frase que também define o que é personalidade secundária brilhantemente definida por Gerda: “A personalidade secundária é a expressão do choque na luta pela vida.” (BOYESEN, 1986: 68).
Portanto, o objetivo da Terapia Biodinâmica é reintegrar o fluxo da força vital de cada paciente utilizando-se de técnicas terapêuticas que respeitem cada ser como único e cada momento do paciente.
A psicoterapeuta biodinâmica Clover Southwell descreve que a Terapia Biodinâmica trabalha com a capacidade nata de cada indivíduo:
A Terapia Biodinâmica enfatiza o prazer corporal da existência, profundo e essencial: trabalha com o poder de cura intrínseco do prazer. Embora muitas de suas premissas sejam similares às da Orgonomia e Bioenergética, a teoria Biodinâmica focaliza especialmente a inter-relação dos processos vegetativos com os aspectos psicológicos, particularmente os emocionais do peristaltismo intestinal e os efeitos da pressão de líquidos sobre o humor nos tecidos corporais. (SOUTHWELL, 1986: 6)

3 RESISTÊNCIA

Para falar do conceito de “pouco é muito”, é preciso uma pequena explicação sobre resistência, pois no que o pouco poder ser muito?
Em seu artigo “A clínica pulsional de Wilhelm Reich: uma tentativa de atualização”, Doutor Ricardo Rego explica como acontece a pressão do conteúdo recalcado e o surgimento da resistência:
O material recalcado exerce pressão contínua em direção à consciência, e essa força tem de ser equilibrada por uma contrapressão também incessante. Decorre daí a questão da resistência, ou seja, as mesmas forças que agem para fazer com que certos conteúdos permaneçam inconscientes agirão sobre o tratamento analítico ou psicoterápico no sentido de sabotá-lo, retardá-lo ou atrapalhá-lo. Por outro lado, essa dinâmica entre o pólo pulsional e o pólo defensivo permite compreender porque o material aparece quando as resistências são eliminadas. O recalcado não seria como um peixe fugidio que precisa ser pescado com grande habilidade: na verdade, de acordo com a visão freudiana, ele “quer” pular para o barco (o consciente) e não consegue porque alguma barreira o impede. (REGO, 2003).
Desde o início, os estudos da mente humana e da psicanálise apresentados pelo pai da psicanálise, Freud já identificaram a existência de algo que impedia o terapeuta de atingir o cerne da questão em relação à resistência no processo terapêutico do paciente, como bem observou o ilustre Doutor Ricardo Rego:
Freud percebeu, já desde os primórdios da psicanálise, que o trabalho de conscientização do material recalcado encontrava obstáculos na prática clínica e assim chegou ao conceito de resistência. Segundo ele,
‘as recordações esquecidas não se haviam perdido. Jaziam em poder do doente e prontas a ressurgir em associação com os fatos ainda sabidos, mas alguma força as detinha, obrigando-as a permanecer inconscientes. A existência desta força pode ser seguramente admitida, pois sentia-se-lhe a potência quando, em oposição a ela, se intentava trazer à consciência do doente as lembranças inconscientes. A força que mantinha o estado mórbido fazia-se sentir como resistência do enfermo (…) Para o restabelecimento do doente mostrou-se indispensável suprimir estas resistências (Freud, 1910, p.25.)’
Deste modo, na prática clínica da psicanálise, a regra fundamental com freqüência não é obedecida, e faz parte essencial da técnica analítica ter recursos para lidar com as resistências que surgem no decorrer do tratamento. Qualquer objeção, recusa ou dificuldade de seguir o método de livre associação é considerada como uma forma de dissolvê-la ou superá-la para poder realizar seu trabalho.
Este é um fenômeno que não se manifesta apenas no âmbito da associação livre: ‘chama-se resistência a tudo o que nos atos e palavras do analisando, durante o tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente’(Laplanche & Pontalis, 1991, p.458). Isso inclui uma vasta gama de fenômenos, como os atrasos e faltas, a ocultação de informações, a desconfiança, o bloqueio de afetos ao expressar-se, a não colaboração com a técnica usada, etc. (REGO, 2014: 23-24).
A psicoterapeuta biodinâmica Clover coloca que se trata de um derretimento da resistência e não um combate:
Reconhecemos que naturalmente ocorrerá uma luta entre a força Primária em expansão – que leva a pessoa para a terapia – e todos os medos contratores e autorrestritivos de mudar. Enquanto por um lado, chamamos a Personalidade Primária para a superfície, estamos tentando, por outro, “derreter” quaisquer obstáculos desse caminho e, a ampla variedade de técnicas à nossa disposição significa que raramente chegamos a um impasse total. Podemos tentar derreter a resistência; não lutamos com ela. Ocasionalmente, na verdade, incentivamos a pessoa a explorar o lado de si mesma que silenciosamente está dizendo “Não”. Encontrar a força da pessoa que se opõe a alguém mais, pode ser o passo necessário antes de atingir o prazer de simplesmente existir em si mesmo, por sua própria conta. (SOUTHWELL, 1986: 22).
Profundo conhecedor dos conceitos psicanalíticos, Reich dedicou-se a pesquisar a forma ou maneira pela qual os pacientes habitualmente resistem ao trabalho analítico; indo além do que se enfatizava na época, de explorar principalmente o conteúdo das comunicações. Reich chama de caráter, as características assumidas como forma de defender o organismo da angústia que perturba o aparelho psíquico. Assumem-se modos formais de comportamento que funcionam como verdadeiros amortecedores, modos crônicos de pensar, sentir e agir que assim como defendem, também, aprisionam. Pode-se constatar que a mesma forma que defende um determinado indivíduo de sentir medo, raiva ou dor, também o impede de sentir prazer. Anos de experiência clínica com a análise do caráter conduziram Reich a uma de suas descobertas mais originais e extraordinárias: a couraça muscular. Esta descoberta mostra claramente que a dissolução de um espasmo muscular libera a energia vegetativa e reproduz a lembrança da situação da infância onde ocorreu a inibição do impulso. Isto desvenda o processo fisiológico do recalque, a rigidez muscular crônica, ou couraça muscular. Apresentou como a estrutura caracterial neurótica e as emoções reprimidas estão fisiologicamente enraizadas em espasmos musculares crônicos. A tristeza, por exemplo, é um sentimento que contém uma expressão física: o impulso de chorar, ao qual, corresponde um tipo de respiração, expressões faciais, vocalizações. Se o intento de chorar precisa por alguma razão ser suprimido, todos estes impulsos musculares espontâneos necessitarão de um esforço voluntário de contenção e tensão. Caso esta estratégia, de tensão e contenção torne-se habitual e repetitiva transforma-se em automática e inconsciente, não podendo mais ser relaxada voluntariamente. A supressão converteu-se em recalque, os sentimentos e outros elementos esquecidos permanecem adormecidos, sob a forma de tensões ou frouxidões de grupos musculares capazes de assim defender o organismo de estímulos externos e de impulsos internos. Como conclusão, constata-se que o tônus muscular de uma pessoa está intimamente ligado à forma como ela se defende psiquicamente. No intuito de restabelecer a saúde mental e a autor regulação em seus pacientes (que inclui a capacidade de pulsação, contrair e expandir livre de quaisquer inibições), Reich encontra um mecanismo que é utilizado na primeira infância, quando as crianças lutam contra os estados de angústia. Percebe que é através da inibição respiratória que isso se faz, sendo este um dos primeiros e mais importantes atos utilizados na supressão de sensações. Em suas palavras: Na respiração reduzida, absorve-se menos oxigênio; de fato apenas o suficiente para a preservação da vida. Com menos energia no organismo, as excitações vegetativas são menos intensas e pois, mais fáceis de controlar. Vista biologicamente a inibição da respiração nos neuróticos tem a função de reduzir a produção de energia no organismo e de reduzir assim a produção de angústia (REICH, 1975, p.262). Reich cria o conceito de Unidade Funcional, ou seja, a energia governa tanto a dinâmica psíquica quanto o funcionamento somático. Ambas partem da mesma fonte biológica. O pensamento reichiano mostra como a sexualidade na vida adulta tem uma função fundamental na manutenção da autorrregulação. Entretanto, o caráter e a couraça muscular impedem o equilíbrio entre o acúmulo e a descarga da energia vegetativa, criando um excesso de energia represada ou estase. Esta dinâmica constitui o alimento dos sintomas neuróticos.
Reich deu passos importantes e decisivos em direção a desvendar a dinâmica psíquica vinculada ao somático e passa a intervir nesta dinâmica através de trabalhos com a respiração e movimentos expressivos, com isto afasta-se definitivamente da psicanálise e cria o que hoje chamamos de psicoterapia corporal. Através do trabalho com a couraça de caráter e muscular, busca incentivar o organismo encouraçado a voltar a pulsar, a expressar-se, dando ênfase à vitalidade e à espontaneidade encerradas sob o encouraçamento. O referencial reichiano é utilizado como ponto de apoio para muitas formas de perceber e trabalhar com o ser humano. Gerda Boyesen foi uma das pessoas que desenvolveu e aprofundou os conceitos reichianos de uma maneira respeitosa e dinâmica, trazendo contribuições originais e fundamentais ao campo das psicoterapias corporais. Precursora do uso da massagem como forma de intervir sobre a couraça muscular, Gerda enfatiza o trabalho a partir do estímulo interno, ressaltando o papel das vísceras e propondo o uso de um estetoscópio sobre o abdômen durante a massagem com o qual utiliza-se dos ruídos peristálticos como guia no processo clínico. Fundadora da Psicologia Biodinâmica, Gerda propõe dissolver as inibições orgânicas indo além de intervir somente na couraça muscular e, segundo Rego e Albertini (2010), visando também a intervenção na couraça visceral (referente ao tubo gastrintestinal) e na couraça tissular (relativa ao tecido subcutâneo), convidando assim o organismo à pulsação natural. Inovadora no trabalho com a “amizade” com a resistência, afirma a importância de respeitar e acolher o tempo de cada paciente, sendo que quando este tempo não é respeitado teremos um terreno fértil para o surgimento da couraça secundária, que visa defender o indivíduo contra a nova invasão.)
A resistência não é só no inconsciente, ela, em muitos momentos, torna-se visível tanto ao terapeuta quanto ao paciente como descreve em sua obra Doutor Ricardo:
A resistência pode ser consciente ou inconsciente. Ou seja, o paciente pode perceber que existem forças dentro de si que se opõem ao tratamento, como preguiça, vergonha, desconfiança ou medo (da loucura, de sofrer), por exemplo. Mas é muito comum que essa resistência não seja percebida como tal pelo sujeito, sendo necessário um trabalho do analista no sentido de desvendá-la para que seja possível lidar com ela adequadamente. (REGO, 2014: 24).
Como bem observado no exemplo abaixo descrito, a resistência é um fenômeno que ocorre de caso a caso, de momento em momento de acordo com o processo terapêutico de cada paciente e cabe ao analista identificar e manejar a resistência que surgir:
O fenômeno da resistência é algo muito curioso e muito peculiar no campo da psicoterapia. Esse conceito descreve o fato de freqüentemente os pacientes dificultarem o trabalho do psicoterapeuta, opondo-se a ele de forma declarada ou dissimulada.
As pessoas resistem chegando atrasadas ou faltando às sessões, negando-se a falar dos assuntos que realmente importam, não revelando sentimentos negativos em relação ao psicoterapeuta.
É algo muito curioso, pois a pessoa está investindo tempo e dinheiro para se tratar (em geral um bom tanto de ambos), e não colabora, aumentando o custo e retardando a cura. É como se a pessoa fosse ao dentista e não abrisse a boca, o dentista tendo que dispender um grande esforço para fazer o paciente mostrar-lhe os dentes. Só para logo depois fechar a boca novamente, e assim sucessivamente ao longo do tratamento. De modo que o dentista só pudesse realmente tratar os dentes alguns poucos minutos em cada hora de trabalho. Isso quando não acontecesse de o paciente ficar o tempo todo de boca fechada. Mais estranho seria se o paciente mordesse o dedo do dentista ou ficasse chutando suas pernas enquanto ele tenta trabalhar. Em psicoterapia é muito comum que nossos pacientes não abram a boca (para dizer coisas importantes e significativas), e simbolicamente nos mordam ou chutem (a chamada transferência negativa que se manifesta como desconfiança, vergonha, desprezo, medo de ser manipulado, ou até mesmo por meio de ataques diretos ao analista).
Podemos imaginar igualmente alguém que vai ao arquiteto para fazer uma casa, e não lhe conta que tipo de casa quer e como é a topografia do terreno. Talvez por vergonha dos seus desejos, ou medo de descobrir algo sobre si mesmo nesse relato. As informações vão vindo aos poucos, de forma distorcida ou disfarçada, e o arquiteto, ao lado de ter que saber como desenhar uma casa apropriada, tem que desenvolver o talento de saber lidar com seu cliente para que ele revele o que tem de informar, e ainda aprender a decifrar as comunicações incompletas ou distorcidas que chegam a ele.
Ou poderia ser também o advogado que tem de defender seu cliente num processo, e este lhe sonega informações, não comparece às audiências, rasura e falsifica documentos. (REGO, 2003, 28-29)

4 AMIZADE COM A RESISTÊNCIA

Ao mesmo tempo em que queremos receber ajuda para nos curar, existe algo dentro de nós também que parece nos impedir de que isso aconteça com a idéia de nos proteger, já que em um determinado momento as experiências traumáticas e dolorosas realmente aconteceram.
Algumas linhas terapêuticas trabalham com a quebra desta resistência, expondo o paciente à sua fragilidade, acreditando que ele “dará conta” de enfrentar o conteúdo recalcado. Já a analise Biodinâmica aplica a técnica da chamada amizade com a resistência, isto é, o terapeuta biodinâmico deve primeiramente, fazer com que o paciente sinta-se acolhido e protegido, observando e tendo uma atitude de espera e não invasiva com o paciente, mas isto não quer dizer que o terapeuta esteja cedendo ou mesmo compartilhando com a resistência, e sim a respeitando, fazendo amizade com ela até o momento em que ocorra o gesto espontâneo, pois aí sabemos que esta é uma resposta interna do paciente, isto é, ele está pronto, seu ego está suficientemente maduro para que o conteúdo recalcado possa vir à superfície e ser trabalhado de forma a ser dissolvido, fazendo com que o paciente torne-se novamente capaz de fazer autorregulação.
[…] a proposta de fazer amizade com a resistência é uma decorrência inevitável de se adotar uma concepção psicodinâmica, e constitui um imperativo clínico necessário para se chegar a um bom resultado no processo psicoterápico ou analítico. Não fazemos amizade com a resistência porque somos “bonzinhos”, ou suaves, ou gentis. Fazemos amizade com a resistência porque sem isso correremos um risco sério de atrapalhar mais do que ajudar, de piorar e criar mais barreiras onde deveríamos dissolvê-las e suavizá-las. Acredito que esta inovação trazida por Gerda Boyesen é uma das mais importantes de suas contribuições teóricas e técnicas ao campo da psicoterapia. (REGO, 2003: 33).
O terapeuta não deve em caso algum tentar forçar a resistência, é conveniente, ao contrário, seduzir a resistência, respeitando-a. Ela na verdade instalou-se numa época em que tinha sua importância, tinha sua função. Quando se utiliza o toque leve, o paciente não está em guarda e pode se abandonar à emoção autêntica. (BOYESEN, 1986: 105).
O Doutor Ricardo Rego exemplifica:
Este princípio tem como base, por um lado, não ceder à resistência e não compactuar com ela. Por outro, não tentar removê-la de uma forma que exceda a capacidade de assimilação do paciente. Em uma analogia que pode ser útil, a resistência seria como uma muleta que permite à pessoa andar e que, em uma dada situação infantil, foi provavelmente a melhor solução possível, dentro dos recursos então existentes. Se tentarmos chutar essa muleta para longe, o paciente reagirá, agarrando-se a ela para não cair. Mas se lhe oferecemos um programa viável de tratamento que recupere as capacidades perdidas, ele provavelmente aderirá e logo abandonará por si mesmo a muleta. (REGO, 2003).
Assim, cada paciente está em um momento, em uma determinada situação corporal e emocional que lhe permite ou não entrar em contato com seus conteúdos, praticamente sem oferecer resistência, já outros possuem realmente barreiras que dificultam o trabalho do terapeuta e este, por sua vez não deve estar preso a sua vaidade, mas às necessidades de seu paciente:
O terapeuta deve estar separado de sua própria necessidade de estar ativo, de falar, etc; a fim de que possa estar passivo, paciente e que possa deixar desenvolver-se o processo dinâmico curativo. O terapeuta deve simplesmente oferecer uma aceitação e um amor total para que o ‘estímulo interior’ possa se desenvolver completamente e transformar o ser do paciente. (BOYESEN, 1986, 102).
A mãe da Psicologia Biodinâmica Gerda Boyesen chamou este método de deixar vir e trabalhar o que surgisse de método da parteira, porém percebeu que não era aplicável para todos os pacientes:
No entanto, alguns pacientes, quando eu lhes sugeria: ‘Sinta seu corpo…O que é que seu corpo tem vontade de fazer?…, respondiam simplesmente: ‘Eu não sinto nada, só sinto as tensões aqui e ali…’ Para estes pacientes, seu corpo estava ‘morto’. (…) Outros pacientes tinham sua energia ‘encapsulada’ de tal maneira que eu tinha de utilizar métodos mais poderosos do que a técnica do ‘estímulo interior’. Fiz uma distinção entre os pacientes que já tinham em si um processo dinâmico e aqueles que precisavam de uma intervenção de minha parte. (BOYESEN, 1986: 104).
Gerda e Reich encontram semelhanças sobre métodos de trabalhar com a resistência, pois para Reich:
Desse modo, no tratamento analítico, é preciso renunciar ao ordenamento habitual de pensamento do indivíduo requerido pelo seu dia a dia e permitir que o fluxo de idéias se manifeste livremente, sem seleção ou crítica. No decurso do trabalho analítico, vestígios de necessidades e experiências infantis recalcadas inconscientes se sobressaem cada vez mais claramente em meio ao material emergente e, com a ajuda do analista, têm de ser traduzidos na linguagem do consciente. A chamada regra básica da psicanálise, que requer a eliminação do censor e a entrada em cena da ‘livre associação de pensamentos’, é o processo mais rigoroso e indispensável da técnica analítica. Ela encontra poderoso apoio na força dos impulsos e desejos inconscientes que pressionam em direção à ação e à consciência. Entretanto, a isso se opõe uma outra força, também inconsciente, o ‘contra investimento’ do ego, que torna difícil e às vezes impossível ao paciente seguir esta regra básica e também alimenta a neurose por meios das instâncias morais. No tratamento analítico, essas forças apresentam-se como ‘resistências’ à eliminação do recalque. (REICH, 1998: 18).
Caso não haja resistência: “é o paciente quem dirige o processo terapêutico. Porém, se não há pressão dinâmica, isto indica que existe uma resistência a ser trabalhada, e o analista deve intervir.” (REGO, 2014: 47).
[…] não há, (ou não deveria haver) motivo para o analista pressionar no sentido de liberar o fluxo, como é tão comum. Ele pode aproveitar o fato de ter se evidenciado uma resistência para conhecê-la em seus detalhes, entender como ela funciona no psiquismo e no corpo, identificar seus componentes transferenciais, saber como e em que momento ela é utilizada pelo paciente, compreender a conexão dessa resistência com a história de vida da pessoa. Todos estes aspectos são muito férteis no sentido de produzir material analítico valioso. (REGO, 2014: 151).
Em sua obra “Deixa Vir… Elementos clínicos de Psicologia Biodinâmica”, Doutor Ricardo Rego em um trecho, de um de seus atendimentos, descreve o trabalho que fez com a técnica da amizade com a resistência:
Em termos biodinâmicos, busquei ir como o rio, que vai em busca do mar e, quando encontra uma montanha, contorna-a, seguindo seu caminho. Ele não tenta furar a montanha. A isso se chama fazer a amizade com a resistência. Eu não forço a barra, não tento romper a resistência e superá-la à força, não pressiono o paciente a ir em qualquer direção. Por outro lado, não aceito passivamente a resistência e nem me submeto a ela, não deixo simplesmente passar o tempo até que o paciente se digne de superá-la.
Sei que há um conflito entre pulsão e defesa, e que o predomínio momentâneo da resistência significa apenas que está existindo um beco sem saída no momento. Mas a força pulsional continua presente, e se eu e a paciente, em equipe, buscarmos uma alternativa, o fluxo automaticamente se restabelecerá e o trabalho terapêutico poderá continuar.
Muitas vezes o esgotamento de um recurso (conversa, imagem, massagem, exercício) não quer dizer que nada possa ser feito. Pode ser que a resistência tenha predominado naquele contexto, mas em outro poderá não impedir o processo. É como fazer um trato, um pacto, negociando com a paciente o que é viável para ela. Quase que sentimos a resistência dizendo: isso aqui eu não posso lhe dar, mas se você não fica me pressionando para isso, e não me quebrar, eu posso lhe dar outras coisas valiosas. (REGO, 2014: 152).
Na mesma obra do Doutor Ricardo Rego, “Deixa Vir… Elementos clínicos de Psicologia Biodinâmica” nos ensina de maneira clara e cristalina: “Na dúvida, o mais sensato é não invadir, esperar, ter paciência, respeitar os sinais de resistência que quase invariavelmente o paciente emite quando vamos além do assimilável.” (REGO, 2014: 159).
5 A COURAÇA SECUNDÁRIA

É um conceito criado por Gerda Boyesen para definir que, caso uma intervenção terapêutica ultrapasse a capacidade e tolerância suportável do paciente, este se vê obrigado a desenvolver uma nova defesa, para proteger-se da invasão do terapeuta e dos conteúdos recalcados que ainda não estão prontos para vir à consciência.
Como nos esclarece o professor Ricardo Rego, Freud já fazia menção à conseqüência da ativação do material recalcado:
Como Freud aponta, a ativação do material recalcado pode produzir material analítico em maior quantidade e de maior utilidade clínica. Mas aponta também para o fato de essa ativação do recalcado levar muitas vezes também a uma ativação compensatória do recalque. Em outras palavras, a conseqüência do fortalecimento da pulsão pode ser simplesmente uma ativação ainda maior da defesa.” (REGO, 2003: 31).
Para a professora e fundadora da Psicologia Biodinâmica, Gerda Boyesen, a couraça secundária é conseqüência de um trabalho psicoterapêutico invasivo: “E quando o terapeuta é um ser insensível e não percebe que o paciente está em movimento libidinal, ele cria novo reflexo de sobressalto e ajuda a ocasionar uma nova personalidade secundária e de solidificação. (BOYESEN, 1986: 138).
O psicoterapeuta corporal André Samson, em seu artigo “A couraça Secundária” define este conceito e mostra que a couraça secundária é uma defesa recém formada pelo paciente, fruto de uma invasão feita pelo terapeuta, que leva a criação da referida couraça secundária, com a finalidade de se proteger, mais uma vez, o conteúdo recalcado do paciente; só se aborda o conteúdo reprimido e recalcado quando este aparece e se manifesta, pois caso o paciente não possua estrutura para desenvolver uma couraça secundária, ele pode vir a surtar psicoticamente:
O conceito de couraça secundária, criado por Gerda Boyesen, surgiu como uma das formas de explicar efeitos colaterais consequentes de trabalho psicoterapêutico aplicado de forma invasiva. Gerda aponta para a importância de uma visão global da relação entre o sistema de defesa e o material inconsciente. O trabalho com exercícios mobilizadores utilizados por terapias reichianas e neo-reichianas que focaliza apenas na quebra do sistema de defesa é promovedor da formação de couraça secundária. Esta se define como uma defesa recém-formada, em consequência de uma invasão do sistema defensivo e exposição precoce do material inconsciente reprimido. Sendo precoce, a exposição provoca uma reação de contração posterior ao primeiro suspiro de alívio, levando à formação de uma nova defesa, mais complexa e menos aparente, que recebe o nome de secundária porque protege contra a mais recente ameaça à estabilidade do ego: a terapia. (SAMSON, 1994: 44).
Aos poucos foi tornando-se claro como a atuação sobre o sistema de defesa não deve ser feita sem levar em conta um complexo de fenômenos. Considerando a força do ego, a situação presente e a capacidade de assimilação intelectual, entre outros, Gerda destacou a existência da relação entre o sistema de defesa e o material defendido, apontando para a importância de se levar em conta que somente um ego maduro pode tornar desnecessária a defesa do material reprimido. Ela se aproxima de Freud quando determina que o trabalho corporal que mobiliza material inconsciente deve ser feito próximo ao ego, numa postura de “amizade” com a resistência. Acrescenta que a função do terapeuta é de acompanhar o paciente até o ponto de ansiedade onde o sistema de defesa é ativado, e neste ponto de passagem deverá permanecer continente e deixar que a opção seja do paciente. Mesmo estando o terapeuta em condições de julgar se o paciente está ou não pronto para entrar em contato com o material reprimido, o fechamento do ciclo orgástico não é necessariamente a meta a ser atingida no momento. O contato com o material inconsciente se dá num momento de ansiedade onde o ego irá procurar respaldo no sistema de defesa para se proteger. Se o sistema de defesa for retirado e o material reprimido tiver intensidade maior que a suportada pelo ego, haverá, na grande maioria dos casos, uma formação rápida de uma defesa mais complexa, ou seja, uma couraça secundária. Se o paciente não possuir base suficiente para a formação de uma defesa secundária ele corre o risco de um surto psicótico. A relação entre o sistema de defesa e o material inconsciente pode ser definida como sendo de maturidade: o sistema de defesa só deve ser aberto quando houver condição de sustentação do material reprimido pelo ego. Só assim poderá o paciente entrar em contato com o reprimido, por opção própria, proporcionando a formação de uma relação consciente-inconsciente pessoal e independente, e permitindo o desenvolvimento da auto-regulação.
Auto-regulação é meta terapêutica que tem prioridade sobre o fechamento da curva orgástica, embora a primeira dependa da segunda. O que determina a capacidade de auto-regular é antes de mais nada a capacidade de vivenciar a ansiedade gerada pelo momento em que o material inconsciente se torna consciência. É aí que entra o papel do terapeuta, que irá dar suporte e segurança para que o paciente realize esta passagem. Aqui a “amizade com a resistência” e o respeito ao tempo orgânico do paciente se tornam mais importantes. O terapeuta deverá servir de âncora e, ao mesmo tempo, fazer o papel de “parteira” para o paciente, prevenindo-o do contato prematuro com material reprimido. O terapeuta age como um “regulador externo” para o paciente até que este aprenda a se auto regular.
A flexibilidade do sistema de defesa será determinada pela maneira como o paciente lida com o ponto crítico de abertura deste sistema. Quanto mais invasivo for o material inconsciente, maior será a rigidez necessária para a proteção do ego. (SAMSON, 1994)
Mais uma vez, podemos perceber que a Terapia Biodinâmica tem seu embasamento no respeito pelo paciente e que jamais se deve trabalhar de forma forçada ou mesmo invasiva, pois isto acarreta em um mal maior. O psicoterapeuta corporal Stanley Keleman em “Padrões de Distresse: padrões emocionais e forma humana”, também aborda o fenômeno da couraça secundária denominando-a de agressão:
O terapeuta somático pode desorganizar temporariamente um bloqueio emocional e o paciente se sentir melhor ou sentir o impulso de se comportar de um modo diferente, mas sem saber como formar o comportamento correspondente. Essa falta de know-how orgânico pode se transformar em uma agressão secundária. O paciente acaba concluindo que é melhor se encolher, já que isso, pelo menos, é conhecido. Na medida em que não consegue sustentar o novo comportamento, ele evita a dor de ser liberado e volta ao encolhimento. (KELEMAN, 1992: 14-15).
Ainda na obra de Keleman, fica claro que as resistências são defesas que fazem parte do paciente como um todo, portanto a abordagem do terapeuta precisa ser respeitosa e cuidadosa, porque não se trata apenas de resistir, mas sobreviver:
As reações da pessoa buscam uma direção para sua forma. Os sonhos, os padrões de excitação, os impulsos, as lembranças e os gestos não buscam meramente articular emocional ou verbalmente uma dor profundamente enraizada, mas, na verdade, configurar uma forma, uma organização. Quando um terapeuta aborda tensões e contrações, ele penetra em uma organização que sustentou uma expressão de vida específica por um período contínuo de tempo. Essa organização de vida tem um conjunto único de regras. Uma postura é muito mais do que uma defesa ou uma resposta a uma agressão ocorrida na infância. Ela representa o conjunto de todas as experiências de vida da pessoa até aquele momento, organizadas em uma postura que reflete sua vivência. (KELEMAN, 1992: 75).
O professor Ricardo Rego também exemplifica a couraça secundária e ainda explica que este fenômeno não acontece só na psicoterapia corporal, mas também na análise e em muitas outras formas de terapia:
Um exemplo seria o de intervenções onde se provoca uma carga excessiva e acima do assimilável por meio de exercícios e técnicas de mobilização. Muitas vezes há a irrupção de material recalcado com forte carga emocional, mas o efeito posterior pode ser negativo, com elevação da ansiedade e sintomas mentais e psicossomáticos. Tipicamente isso se acompanha por um abandono da psicoterapia ou pela opção de continuar o trabalho psicoterápico a partir de uma posição mais defendida, onde os conteúdos recalcados estão mais protegidos e defendidos do psicoterapeuta e suas técnicas.
Isso não acontece apenas na psicoterapia corporal. Não raro acontece de eu receber pacientes que já tentaram fazer psicanálise, e ficaram hostis a ela devido ao contato com um setting excessivamente rígido e inadequado para o momento psíquico específico desses pacientes. Dizem em geral algo como: “Fui lá, e o cara me colocou deitada, olhando para o teto, sem falar nada. Eu não sabia o que dizer, perguntava e ele não respondia. Foi me vindo uma aflição, foi ficando incômodo, eu não sabia o que fazer. Deus me livre! Foi uma experiência muito ruim. Daí voltei noutra sessão e foi a mesma coisa, o cara disse que era assim mesmo, que mexia com a ansiedade e isso era bom. Sei lá, esses ‘psicólogos’ são todos loucos. Eu hein! Essa conversa não dá pra mim não. Eu fui umas vezes e parei, nunca mais volto num troço desses. Você não trabalha assim, né?”
Ou seja, a situação analítica possui um elemento ansiógeno, o mesmo valendo para qualquer outra forma de psicoterapia. Afinal, está mais ou menos claro que se irá voltar a atenção a temas dolorosos e conflitivos. Num certo grau essa ansiedade e outras formas de aumento da pressão pulsional podem ser úteis, mas além de um certo ponto podem ter efeito contrário, devido à ativação da defesa. Conforme Freud (1926) afirmou, o sinal de angústia teria como função mobilizar os mecanismos de defesa, e isto pode ter um efeito negativo para o processo analítico.
Lançaremos mão de uma nova analogia aqui. Imaginemos um sujeito que está preso em uma casa. Do lado de fora estão feras perigosas, mas também muitas coisas desejáveis. Essa pessoa me contrata para ajudá-lo a sair da prisão e conquistar as coisas desejáveis, mas de um modo que não seja ele devorado pelas feras.
Se eu for um terapeuta intempestivo, excitarei as feras de várias maneiras, e farei com que elas derrubem uma das paredes da casa. Estaria imaginando que o problema dele são as feras, e trazendo-as para dentro da casa ele poderá, com a minha ajuda, lidar com elas, eliminando-as ou domesticando-as. Assim estaria resolvido o problema. Pode acontecer que dê tudo certo, pois ele só precisava mesmo de um pequeno empurrão para tomar esta atitude. Porém o mais provável é que o indivíduo fique assustado, reconstruindo essa parede rapidamente, e fazendo ainda um reforço não só nessa parede como em todas as outras da casa. Se continuarmos nesse processo, não demorará para que a casa se torne uma fortaleza, um verdadeiro bunker. Isso se ele não me dispensar em algum momento.
Um psicoterapeuta biodinâmico, consciente da importância de fazer amizade com a resistência, poderia propor algo como fazer um pequeno buraco na parede, que seja pequeno o suficiente para não deixar as feras entrarem, mas que nos permita olhá-las. Podemos fazer vários desses buracos para ter uma visão de todos os ângulos. Observaremos as feras, estudaremos seus hábitos. Talvez descubramos que em uma certa hora, todos os dias, elas estão dormindo, ou saíram para caçar. Pensaremos aí em construir uma porta, algo que possa se abrir e se fechar segundo o comando do meu paciente. E quando as feras dormem, ele pode sair e pegar alguns tesouros e outras coisas desejáveis. Posteriormente, pode ser que vislumbremos a possibilidade de domesticar algumas das feras. Damos alimento a elas, vamos nos chegando, e… conseguimos! Essa fera não só não representará perigo, como nos fará companhia e nos ajudará na defesa contra as demais feras. Se tudo correr bem, ao final de um certo tempo ele poderá circular livremente pelo território e pegar o que quiser, as feras estarão domesticadas ou expulsas do lugar. Sua casa terá amplas portas e janelas e poderá defendê-lo do clima e de ataques sem constituir uma prisão. (REGO, 2003: 31-32).

6 O POUCO É MUITO

“O pouco é muito” é um conceito desenvolvido por Gerda Boyesen que promove o sucesso das intervenções terapêuticas, garantindo que o paciente não será invadido, desrespeitado ou mesmo agredido em seus conflitos, isto é, só será trabalhado o conteúdo que estiver maduro para se expressar. Na Analise Biodinâmica o respeito é sobre a fala, mas também aos gestos e expressões do paciente. É fundamental a importância e observação deste conceito, pois é preciso acolher toda e qualquer reação sem querer atingir as expectativas de quaisquer planos de tratamento ou mesmo pessoais do terapeuta para aquele paciente naquele momento. O trabalho de Terapeuta Biodinâmico é apenas de sustentação, isto é, ele deve estar em função do paciente. “Nas sessões, considero importante ajudar estes indivíduos a falar do que esteja mais próximo do eu, daquilo que é mais fácil de integrar para eles. […] Não se trata de compelir à descarga, é deixar aparecer e desdobrar-se o que está maduro.” (BOYESEN, 1986: 132).
Gerda Boyesen sempre insiste, em seus textos e cursos, no ensinamento de que ‘pouco é muito’ (a litle is a lot): […] Tudo depende do quanto o paciente é capaz de assimilar. Se o material trazido à consciência é suficiente para provocar um desafio, mas não chegou ao ponto de ultrapassar a capacidade de assimilação do ego, há um progresso. […] Deve-se lembrar que há uma grande diferença entre o estado defendido habitual (encouraçado, no linguajar reichiano) e aquele em que essas barreiras estão suspensas. Neste segundo estado, a pessoa está como que em ‘carne viva’, e mesmo coisas mínimas podem produzir grande impacto. (REGO, 2003: 33).
A analogia que o Doutor Ricardo faz com o freio de um carro:
Claro que um carro com o freio de mão puxado anda mais devagar e com mais dificuldade. Mas é melhor que não ter freio de modo algum, pois isso torna difícil a sua condução e há grande risco de atropelar alguém ou bater num poste. Do mesmo modo, um paciente com pouca ou nenhuma defesa (caso da psicose) terá uma vida conturbada e cheia de “desastres”. Já o neurótico cronicamente freado andará mais devagar, mas poderá proteger-se do desequilíbrio causado pelos estímulos da vida, incluindo uma psicoterapia inadequada, invasiva ou intempestiva demais. (REGO, 2003: 33).
“O pouco é muito”, é saber dosar:
Todo remédio acima de certa dose torna-se veneno e inversamente com o fato de que mesmo coisas ruins e dolorosas podem ser um motor para o crescimento pessoal; com isso vem a importância de ver caso a caso, a cada sessão, a dose exata de informação, de insight e de contato com o inconsciente que ajuda o processo e aquela dose que cria barreiras e atrapalha. (REGO, 2016).
Ao invés de uma grande explosão catártica, podemos dosar a vitalização de modo a que o paciente tenha seus conteúdos recalcados ativados, e com isso produza derivados em maior número, menos distorcidos, com maior carga emocional e mais próximos do conteúdo original. Sonhos mais ricos e mais facilmente decifráveis, comunicações mais carregadas emocionalmente, atos falhos que evidenciam pistas a seguir, uma certa ansiedade de base que faz o paciente apertar o passo e ter mais coragem de enfrentar certas questões. (REGO, 2003: 35).
A maneira de a Terapia Biodinâmica trabalhar é sempre respeitando e acolhendo de forma jamais invasiva o que se apresenta de conteúdo do paciente. Doutor Ricardo faz esta distinção de forma muito clara quando coloca:
De um lado está aquele psicoterapeuta ou analista que vai examinando e interpretando cuidadosamente cada comunicação do paciente, com paciência, constância e rigor, até chegar ao recalcado. De outro, o psicoterapeuta intempestivo que através de técnicas poderosas chega logo ao recalcado, porém causando enorme destruição no caminho. O terceiro, claro que é o psicoterapeuta biodinâmico. Usando os imãs da sensibilidade, da intuição, do manejo da relação terapêutica (transferência, setting, holding) e do uso adequando da presença terapêutica e das técnicas de mobilização e de acolhimento, ele poderá chegar ao recalcado de maneira suave, profunda e eficaz. (REGO, 2003: 36).
No tratamento da técnica de Massagem Biodinâmica este conceito também é fundamental. A própria Gerda descreve que a energia encapsulada pode derreter sem ser arrancada:
Já falei desta extraordinária pressão que ressentia em torno da boca. Agora a pressão estava fixada na garganta e ‘aquilo’ queria gritar. Ora, subitamente, um dia em que estava estendida, esta pressão começou a se dissolver e eu me senti invadida por um estado de doçura e de maravilhosa paz interior: era o movimento da libido suave. Entendi que era assim que a tensão nervosa ‘derretia’. Primeiro a energia subia ao longo do canal emocional, depois ela descia de novo. Esta energia podia provocar o grito e a descarga, ou podia inverter-se num movimento descendente, harmonizante. Foi assim que descobri o que chamo daqui para a frente de “derretimento”. O momento em que a energia ascendente se transforma em energia descendente era extraordinário. Compreendi que não seria mais vítima destes movimentos energéticos em mim. Este acontecimento foi determinante: eu havia tomado contato com este movimento de ‘derretimento’ de minha energia e não tinha mais de sujeitar-me a esta força que compelia minha língua a sair. Compreendi que as pulsões profundas recalcadas tinham enfim chegado até o Eu. foi assim que descobri a ‘circulação libidinal’.
Continuei a trabalhar com massagem em meus pacientes agindo unicamente sobre as membranas carregadas de fluído energético. Reduzindo a pressão deste fluido peristáltico, eu escutava os gorgolejos peristálticos. Assisti ao desaparecimento progressivo de todos os sintomas de meus pacientes. […] E vi que não é necessário ao organismo passar pela diarréia para eliminar suas tensões nervosas, pois ele tem seu próprio mecanismo de regulação e eliminação da tensão nervosa: o psicoperistaltismo. O canal instintual, emocional, o canal do ‘isto’ é também a via da dissolução, do ‘derretimento’ da energia emocional. Esta descoberta facilitou consideravelmente o trabalho com meus pacientes: eu podia regular a massagem a fim de que fosse dinâmica ou ‘mais tranquila’ segundo o que desejasse. Minha massagem tornou-se muito precisa, eu podia levar à consciência às zonas mais profundas, ou simplesmente dissolver as camadas que estivessem ‘maduras’. (BOYESEN, 1986: 80).
Lembrando que Gerda Boyesen já havia refletido sobre o que Freud falara sobre o trabalho do inconsciente no Eu: […] “Convém trabalhar sobre a parte do inconsciente que se encontra mais próxima do Eu.” (BOYESEN, 1986: 76).
[…] Compreendi que enfim tinha descoberto a parte do inconsciente corporal mais próxima do Eu. De fato, minhas massagens se haviam tornado a síntese das práticas de Aadel Bülow-Hansen, de John Olesen, de Reich e do método de massagem do tecido conjuntivo. Assim, no final de uma massagem, um paciente começava a falar de lembranças recalcadas que lhe haviam voltado à memória durante o tratamento. (BOYESEN, 1986: 77).
Gerda Boyesen apresenta um caso clínico onde o pouco foi muito:
O que mais me espantava era ver tudo que podia acontecer com o paciente enquanto eu não fazia absolutamente nada. Lembro-me de um homem que fora particularmente muito maltratado na escola inglesa. Ele havia sido o saco de pancadas durante anos (calouro). Vivia com a avó, e para ele tudo era muito pequeno: o espaço em que vivia, seu quarto, o uniforme da escola. Com o método do ‘estímulo interior’, aconteceram sessões incríveis, em que eu só ficava sentada na cadeira, permissiva, aberta a todas as suas descargas, a todas as suas respirações, a todos os seus vômitos e seus gritos para se desembaraçar da neurose. As forças curativas interiores rejeitavam e descarregavam tudo que o impedia de viver e lhe traziam a felicidade interior. (BOYESEN, 1986: 103-104).
No relaxamento dinâmico, que vai além de relaxar a musculatura, ou seja, em um ambiente seguro e protegido, é permitido ao paciente apenas com o estiramento do corpo com proposta de repouso, este, o corpo, pode alcançar um relaxamento maior que permitirá muito além de um afrouxamento das tensões musculares onde a proposta do terapeuta é permitir que o paciente sinta o corpo e deixe que ele aja espontaneamente e então acontece de alguma forma, a abertura da peristalse sem a ocorrência, necessariamente, de sintomas, deixando o paciente livre para a associação de idéias, lembranças e movimentos corporais, também observamos que “o pouco é muito” no relaxamento dinâmico como apresenta Gerda no texto:
Eu utilizava também um método que havia chamado, num artigo que publiquei na Inglaterra, de relaxamento dinâmico. O que acontece quando relaxamos? Em primeiro lugar, um bem estar: as tensões são menos sentidas e afrouxam um pouco. Mas, quando se vai um pouco mais longe no relaxamento profundo, as contrações musculares começam a se dissolver e o processo dinâmico supera as resistências. Aí está realmente o segredo da terapia biodinâmica: deixar o processo biodinâmico emergir das profundezas do corpo; as emoções surgem por si e se descarregam, com as ab-reações vegetativas apropriadas. A transformação então é autêntica. O relaxamento dinâmico pode ser induzido pelas massagens, pela psicoterapia, ou simplesmente pelo permanecer estendido. O princípio do relaxamento dinâmico é este: o paciente se sente em tal segurança, que ele não tem mais necessidade de suas defesas. Estas se dissolvem então e as emoções recalcadas retornam à consciência e podem ser ab-reagidas. (BOYESEN, 1986: 105).
A psicoterapeuta Gerda Boyesen também adaptou as técnicas de análise bioenergética de Alexander Lowen, utilizando os exercícios dele dentro do conceito do “pouco é muito”:
Eu continuava a usar o método suave do ‘estímulo interior’ dizendo ao paciente: ‘Deixe falar seu corpo, deixe fazer seu corpo, deixe este expressar a emoção com um dos exercícios de Lowen. Por exemplo, este modo de expressão como sendo uma maneira de expressar a descarga. Isto se tornou um método poderoso, novo e biodinâmico, quer dizer, integrado ao movimento do processo do paciente. (BOYESEN, 1986: 107).
Em seus manejos, Gerda Boyesen avaliava sempre o momentum de cada paciente e o que era melhor para ele observando atentamente o momento de ‘desenraizar’ ou ‘enraizar’ de forma biodinâmica:
É muito importante saber quando convém ‘desenraizar’ um paciente a fim de remover suas defesas neuróticas. Mas é da maior importância saber quando um paciente tem necessidade de ser enraizado e estar por mais tempo em contato com aquilo que chamo seu eu-motor, sua força e sua regulação emocional. Enraizar ou desenraizar depende das condições e da fase da terapia.
Nenhum terapeuta deveria ‘trabalhar’ sobre um paciente de maneira que ele regressasse fora das sessões: isto é muito ‘desenraizante’. O importante é regular a terapia de tal maneira que o paciente possa encarar seus problemas e que ele possa até mesmo viver melhor sua vida cotidiana. Quando a terapia está mal-regulada, o paciente termina por viver apenas nas horas das sessões e a terapia domina sua existência. Isto ocorre quando um paciente é levado por um terapeuta a encarar estruturas conflituais muito profundas: o paciente então se torna compulsivo, ele quer ‘passar através’ ou ‘botar tudo para fora’. (BOYESEN, 1986: 128).
“O pouco é muito” e a segurança interior de cada paciente para Gerda:
Não nos interessamos em fazer com que o paciente descubra sua vitalidade em primeiro lugar. Primeiro, quereremos a ab-reação. Ajudamos o paciente a colocar em dia tudo aquilo que está encerrado em seu inconsciente e em seu corpo, utilizando a regressão profunda. Durante o tempo que o paciente sinta novamente uma pressão psicodinâmica e a biodinâmica em si, há alguma coisa a deixar sair, a ab-reagir. Enquanto deixamos o paciente deitado de costas e deixamos seu diafragma distender-se, continuamos a deixar o processo de purificação se desenvolver pelo nosso método de terapia profunda. Em nossa prática terapêutica, só ajudamos o paciente a descobrir seu nível vital quando ele já não tem mais nada que o atemorize. Parece-nos que um paciente estará bem mais forte em suas situações exteriores quando ele não tiver mais nada a temer de seu próprio mundo interior. Quando um paciente redescobriu seu bem estar na independência, em sua onda oceânica, sua segurança interior, nenhum perigo poderá sobrepor-se aos estímulos interiores. (BOYESEN, 1986: 130).
“O pouco é muito” acompanhando o fluxo libidinal:
O terapeuta necessariamente deve acompanhar o fluxo. Atualmente utilizamos em nossa terapia todos os métodos possíveis da nova corrente psicoterapêutica, mas usamos de maneira biodinâmica, ou seja, o terapeuta deve ser muito puro e não impor nenhum de seus conceitos e nenhum de seus julgamentos. Por esta razão, cada um dos estudantes terapeutas em formação deve passar por um processo biodinâmico muito poderoso e profundo. O terapeuta biodinâmico deve atingir o ponto em que não tem mais necessidade de agir seguindo sua ambição ou tentar exercer seu poder, ele não é senão amor. O terapeuta biodinâmico sabe reconhecer o fluxo libidinal e sabe como não destruí-lo. Quando o paciente, que se escondeu por trás de inúmeras máscaras ao longo de toda sua existência, se abre completamente de repente, é preciso protegê-lo inteiramente, e jamais atacá-lo. Para que o fluxo do isto possa verdadeiramente investir os níveis do eu, convém que o terapeuta suporte, sustente o paciente em todas as suas tentativas, até que ele descubra sua própria segurança interior. Quando o paciente atinge este nível, seu isto e seu eu se unificam de tal maneira que ele não teme mais nada. (BOYESEN, 1986: 138).
O escritor e psicoterapeuta corporal Stanley Keleman, em seu trabalho psicoterápico, também reconhece, respeita e trabalha com o conceito de “pouco é muito”: “Eu parto de uma premissa básica: pouco é muito. Quando há indicações claras de que a experiência foi assimilada, chegou o momento de dar o passo seguinte.” (KELEMAN, 1992: 79).
Trabalhar com o processo formativo de um paciente é algo análogo a ser uma figura parental. Um bom pai ou uma boa mãe representa um sistema nervoso mais maduro do que o da criança, portanto, funciona como um limite, até o momento em que o sistema da própria criança se desenvolve. Eles sabem a hora certa de colocar a criança na cama, antes que ela comece a cabecear de sono. O terapeuta somático funciona do mesmo modo com o paciente. Frequentemente, ele fica sentado e não faz nada mais do que agir como limite. […] O inconsciente pessoal do paciente, sob a forma de memória motora, coloca-se em primeiro plano, encontrando assim um modo de colocar em jogo as introjeções verbais e imagéticas dadas pela sociedade sob forma de linguagem. O terapeuta somático ajuda o paciente a formar uma nova relação com suas experiências precoces de agressão, criando uma dimensão humana para que ele fale de sua dor e da incapacidade de organizar uma resposta a essa dor. […] Trabalho de modo a compreender onde a pessoa está, em termos de organização ou situação. Qual é a situação? Qual é a desorganização que está em andamento? Que reorganização está em curso? Quais são as discrepâncias entre o que precisa ser organizado e o que tem de ser desorganizado? Começo a identificar as principais áreas de sub ou superorganização. À medida que o paciente aprende a organizar sua experiência, ele pode então prestar atenção a como esse aprendizado o conduz para uma outra forma e desorganizar sua forma atual. (KELEMAN, 1992: 79-80).
Longe de acabar ou mesmo encerrar o tema, mas apenas na tentativa de resumir o que seria tema de muitas pesquisas, indagações, constatações e etc. Doutor Ricardo escreve de forma consistente uma explicação teórica apresentada em “A clínica pulsional de Wilhelm Reich: uma tentativa de atualização”, onde fica clara que a observação do “pouco é muito” é um cuidado imprescindível para qualquer terapeuta que deseja ser respeitoso e assertivo com seu paciente:
Como há um equilíbrio dinâmico entre pulsão e defesa, o trabalho analítico (pela ativação do material recalcado ou pela diminuição da defesa) favorece o aparecimento do material recalcado na consciência. Mas isso leva muitas vezes a uma ativação compensatória do recalque. Em outras palavras, a conseqüência do fortalecimento da pulsão pode ser simplesmente uma ativação ainda maior da defesa, e isto pode ter um efeito negativo para o processo analítico, se a dinâmica do conflito entre pulsão e defesa não for bem manejada pelo analista. […] Isso indicaria a necessidade de uma postura mais prudente por parte do analista, no sentido de que tanto a ativação da pulsão quanto a eliminação das resistências deveriam ser feitas gradualmente, sem afobações, dentro do que é assimilável pelo paciente. Nesses casos, como diz G. Boyesen, (1986), o pouco é muito (a litle is a lot). (REGO, 2003).
7 CONCLUSÃO

Compreender que existe uma metodologia de abordagem terapêutica que, além de trabalhar ativamente para a real melhora do paciente em suas queixas, problemas, desequilíbrios e desarranjos de toda ordem, preserva quase que totalmente os limites do assimilável pelo paciente respeitando o seu momento, sem agressão, invasão, ou qualquer forma de atitude que provoque dano ao paciente, é um grande avanço para a clínica terapêutica e uma oportunidade de tornar tanto terapeutas quanto pacientes, ou seja, nós, seres humanos, mais funcionais e leves na vida.
A pesquisa bibliográfica possibilitou a validação deste conceito, provando por diversas teorias e relatos, porém longe de esgotar o assunto, que “o pouco é muito” se faz singular para a preservação do paciente e seu processo terapêutico. A amizade com a resistência e a observação do cuidado para não criar uma couraça secundária no paciente assistido é um caminho de sucesso para o tratamento como um todo. Fica claro que não é negligenciar o paciente e conduzir o tratamento de forma leviana ou mesmo ineficaz, mas respeitar e ajudar o paciente a atingir níveis suportáveis e confortáveis de trabalho e evolução consigo, para que, com muita satisfação e coragem, consiga alçar vôo em direção à sua personalidade primária merecida e possível.
Penso ser uma realidade urgente das graduações, pós graduações e demais formas de especializações na área da psicoterapia em geral, o conhecimento e o ensinamento desta metodologia do “o pouco é muito”. Quanto mais terapeutas aptos e conscientizados, mais qualidade nos trabalhos e mais riqueza nos resultados.
O Doutor Ricardo Rego coloca de forma brilhante:
[…] lembrar que o equilíbrio neurótico foi um jeito encontrado pelo paciente para sobreviver num ambiente psicológico hostil. É como uma muleta que lhe permite andar e que, numa dada situação infantil, foi provavelmente a melhor solução possível, dentro dos recursos existentes então. Como houve uma fixação, o paciente inconscientemente reage como se a análise ameaçasse jogá-lo de volta ao conflito original, sem perceber que agora a situação é outra, onde seu poder e seu conhecimento são infinitamente superiores. Por isso, é preciso entender a resistência como se ela procurasse proteger a pessoa do “mal”, fazer amizade com essa resistência, não tentando destruí-la ou quebrá-la e sim dissolvendo-a aos poucos. Sempre dentro de um ritmo e uma intensidade que sejam assimiláveis e nunca chegando ao ponto do que é excessivo. O risco aqui é a formação de uma defesa secundária que impedirá o progresso desejado. Na analogia com a muleta, qualquer aleijado reagirá raivosamente se quisermos roubar-lhe o apoio sem o qual cairá no chão. Mas se o convencermos de que a vida pode ser melhor sem muletas, e lhe oferecermos um programa de fisioterapia convincente que fortaleça suas pernas gradualmente, ele será o primeiro a colaborar com o processo e estará ansiando pelo momento em que poderá abandonar suas muletas. (REGO, 2003: 65).

Na obra “Entre psique e soma: introdução à psicologia biodinâmica”, Gerda finaliza tecendo comentário sobre a importância do processo terapêutico não ser apressado, invasivo ou agressivo, para que seja proporcionado ao paciente a possibilidade de resgatar a sua capacidade de autorregular respeitando, sempre, a máxima do “pouco é muito”: […] “Toda a terapia se faz de maneira suave e gradual: o corpo aprende a se tornar consciente de si mesmo e descobre sempre que o terapeuta o apóia e o encoraja a funcionar com sua própria auto-regulação.
A terapia é só uma maneira de ajudar o organismo a se ajudar.” (BOYESEN, 1986: 170).
O analista biodinâmico, portanto deve ser o indivíduo que com o seu conhecimento, sabedoria, capacidade, respeito e principalmente amor ao seu trabalho e ao próximo, possa atuar de forma a facilitar positivamente os processos de melhora e porque não de cura de seus pacientes, promovendo o máximo que for possível do resgate de sua personalidade primária com a técnica do “o pouco e muito”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOYESEN, G. Entre Psiquê e Soma: Introdução à Psicologia Biodinâmica. Tradução Beatriz Sidou. São Paulo: Summus, 1986.

BOYESEN, G. A personalidade primária. In: Cadernos de psicologia biodinâmica v.3. Tradução George Schlesinger, Ibanez de Carvalho Filho e Maria Silvia Souza Camargo. São Paulo: Summus, 1983.

KELEMAN, S. Padrões de distresse. Agressões emocionais e forma humana. Tradução de Myrthes Suplicy Vieira. São Paulo, Summus, 1992.

REGO, R. A. Deixa Vir…: elementos clínicos de psicologia biodinâmica. São Paulo: Axis Mundi Editora, 2014.

REGO, R. A. A clínica pulsional de Wilhelm Reich: uma tentativa de atualização. Disponível em: http//www.scielo.br/scielo.php/?script=sci_arttext&pid=S0103-65642003000200005&lng=en&nrm=iso&tlng=PT. Acesso em 04 jan.2018.

REGO. R.A. Psicobiodinâmica do Recalque. Disponível em: http//ibpb.com.br/?pag_id=136 Acesso em 04 jan.2018.

REGO, R.A. Monografia [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por ricardo@ibpb.com.br em 23 jun. 2016.

REICH, W. Análise do caráter. Tradução Ricardo Amaral do Rego. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

SAMSON, A. A Couraça Secundária. Disponível em: http//ibpb.com.br/?pag_id=130 Acesso realizado em 04 jan.2018.

SOUTHWELL, C. Teoria e métodos de Gerda Boyesen. Disponível em www.ibpb.com.br/2013/metodos_biodinamica_clover.doc Acesso em 04 jan.2018.

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