Estudo de caso: Um olhar biodinâmico em um atendimento infantil.

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Estudo de caso: “Um olhar biodinâmico na construção do vínculo em um atendimento infantil.”

Terapeuta Biodinâmica Este trabalho trata de um caso clínico infantil no qual venho a demonstrar a importância da postura biodinâmica voltada para a construção do vínculo, dando ênfase no acolhimento e na amizade com a resistência. Para tal, iniciei o meu trabalho com o olhar voltado principalmente para a mãe, ponto este que foi essencial para o andamento do processo psicoterápico com a criança, pois apesar da mãe buscar o processo para o filho, ficou evidenciado que se o vinculo inicial não fosse feito com a mesma, que se encontrava naquele momento em total desamparo, num processo interior de culpa, fragilizada e muito insegura, o trabalho com a criança não aconteceria. Após a alta da criança, a mãe se tornou minha paciente e em uma das sessões me relatou o quanto o seu filho tinha se tornado um referencial de saúde para ela e a família, devido ao seu comportamento emocional saudável. Assim, achei por bem explanar sobre este caso a fim de demonstrar e confirmar na prática clínica aquilo que a Biodinâmica ressalta em suas idéias sobre a importância da postura terapêutica, o estar presente no olhar, o manejo, a amizade com a resistência, o setting acolhedor e confiável para aqueles que nos procuram, e, principalmente, no caso de um atendimento infantil, a atenção para os cuidadores. Apresento a seguir o relato da história de Paulo e o funcionamento da dinâmica familiar para que possamos compreender a trajetória realizada durante o seu processo psicoterapêutico e como os mesmos se encontravam ao chegar para o inicio deste trabalho. O paciente Paulo de 4 anos chegou para o tratamento psicológico através da procura da mãe Gilda, 30 anos,que estava sentindo muita dificuldade de lidar com o filho após o nascimento do irmão.( 9 meses). A queixa da mãe era que sentia-se muito ansiosa e perdida em, principalmente, dividir a atenção entre os dois filhos, não conseguindo realizar os cuidados maternos necessários, como realizar as tarefas diárias, colocar limites sem deixar de atender às necessidades dos mesmos e,devido a esse momento de confusão, o paciente estava apresentando alguns comportamentos que geravam mais conflitos entre eles. A criança mostrava-se bastante arredia, explicitava grande raiva do irmão e da mãe, machucava o irmão, dizia não gostar do irmão, chorava a noite para não dormir sozinho, tinha pesadelos, fazia xixi na cama todas as noites, evidenciava grande ansiedade, roendo a unha e chegando a ficar até com febre antes de algo muito esperado. Apresentava baixa tolerância à frustração, querendo tudo do jeito dele. Brigava muito e não se relacionava com as pessoas, estava sempre muito bravo, reclamando e insatisfeito com tudo. Os pais sentiam muita vergonha e constrangimento diante desses comportamentos, pois ele não queria falar com ninguém e ficava muito emburrado, e isso para os pais era “falta de educação”, ou seja, eles não sabiam educar. Minha primeira sensação foi de estar frente a uma criança que apresentava um padrão reativo ao mundo, que suas atitudes sempre eram reações aos estímulos externos. Isso supostamente poderia estar vinculado a um ambiente que não ofereceu acolhimento e segurança adequados às necessidades do bebê ao longo do seu primeiro ano. E, também, estes comportamentos evidenciavam uma criança que não havia elaborado de maneira adequada a etapa do amadurecimento emocional, segundo Winnicott, do Concernimento. Nas sessões de anamnese, a mãe foi relatando suas reais dificuldades nos cuidados diários com o bebê. Devido a sua ansiedade realizava sua rotina com muita irritação. Muito preocupada com sua performance, suas atitudes eram mecânicas e sem carinho, tinha momentos de desequilíbrio nos quais chegava a bater e gritava muito com a criança. Assim, ficava inviável oferecer um ambiente estável e confiável, não conseguindo adaptar-se às necessidades do filho. Gilda conta que a gravidez de Paulo foi calma e desejada, já estava casada há 1 ano e meio. Aos 6 meses de gravidez teve descolamento de placenta e teve que abandonar suas atividades profissionais para fazer repouso, fato que a deixou muito ansiosa e preocupada para receber esse filho. O momento do nascimento foi muito conturbado e Paulo acabou nascendo um pouco antes da hora, nasceu de 8 meses. Nesse período de gestação a mãe teve um abalo emocional muito forte, ficou muito nervosa e nesse momento entrou em trabalho de parto. A barriga começou a doer, só tinha contração, tomou medicação para interromper o processo mas não adiantou, então Paulo nasceu e logo já teve uma parada respiratória que foi sanada. Esse momento já revelava um ambiente instável com procedimentos hospitalares invasivos ao bebê, demonstrando que desde o primeiro momento no mundo essa criança já teve que reagir aos estímulos externos e não esperar seu próprio tempo. No inicio, após o seu nascimento, tudo ia bem com os pais, mas com muitas preocupações nos cuidados com o filho.A mãe não conseguiu amamentar no início, não tinha leite. Só após 8 dias desceu o leite mas continuou tudo muito difícil, paraelaeste foi o pior momento da sua vida. Sentia muita dor, não tinha bico e por isso o ato de amamentar a machucava muito, chegando a sangrar bastante. Devido a essa dificuldade sentia muita culpa em não conseguir amamentá-lo, tentou amamentar até 1 mês e 10 dias e depois começou a dar a mamadeira, mas sempre no conflito e na culpa. Nessa época houve um evento muito significativo, Gilda não estava conseguindo dar o peito para o filho mamar e começou, então, a dar a mamadeira. Mas estava junto com a sua mãe, que sempre estava presente dizendo o que ela deveria fazer, avaliando e dificultando o momento. A avó materna mostrava-se completamente contra a atitude da mãe, para a avó dar a mamadeira significava que o bebe não pegaria mais o peito. Assim, Gilda deixou seu filho chorando de fome um dia inteiro e quando não aguentou mais, deu a mamadeira e ele mamou muito, até vomitar. Pude perceber o quanto essa mãe teve muita dificuldade na sutileza do entendimento das necessidades do filho, não conseguiu entrar em comunicação com ele, até mesmo pela influência de sua mãe e o quanto ela estava perdida em seus sentimentos, necessitando de cuidado e orientação para cuidar do filho. Ao mesmo tempo, o bebê realmente não pôde sentir-se seguro e visto por esta mãe, não podendo experienciar a necessidade de ser, de criar e buscar o que necessitava, pois a mãe não estava pronta para atendê-lo. Toda emoção, choque e frustração tem uma consequência fisiológica direta no individuo, assim como psicológica, principalmente nos primeiros anos de vida. Portanto, podemos supor que Paulo vivenciou repetidamente situações nas quais suas emoções não puderam ser expressas e suas necessidades não atendidas, o que provavelmente explica o desajuste emocional e comportamental que estava evidenciando nas suas atitudes quando fui procurada. Esse é o contexto em que se encontrava o paciente no inicio do processo psicoterapêutico. Diante de tanta dificuldade, principalmente da mãe, meu primeiro passo foi estabelecer um vinculo com essa mãe, pois se ela não confiasse em mim e no tratamento, eu não iria conseguir ajudar nem o filho e nem a ela. Nós na biodinâmica seguimos uma técnica e uma postura frente ao paciente bastante diferenciada, valorizando muito a singularidade de cada pessoa, mantendo sempre um ambiente acolhedor, atuando de acordo com a necessidade de cada paciente no momento e não batendo de frente com as dificuldades do mesmo. Isso é o que chamamos de fazer amizade com a resistência.

“(…)fazer amizade com essa resistência, não tentando destruí-la ou quebrá-la e sim dissolvendo-a aos poucos. Sempre dentro de um ritmo e uma intensidade que sejam assimiláveis e nunca chegando ao ponto do que é excessivo. O risco aqui é a formação de uma defesa secundária que impedirá o progresso desejado. Na analogia com a muleta, qualquer aleijado reagirá raivosamente se quisermos roubar-lhe o apoio sem o qual cairá no chão. Mas se o convencermos de que a vida pode ser melhor sem muletas, e lhe oferecermos um programa de fisioterapia convincente que fortaleça suas pernas gradualmente, ele será o primeiro a colaborar com o processo e estará ansiando pelo momento em que poderá abandonar suas muletas.”(REGO,2003.p65)

Nesse caso, essa postura foi muito importante devido ao fato de esta mãe ter chegado para o processo acuada, com medo e muito reativa. Rego 2003 (p.61) nos propõe uma reflexão a respeito da postura do analista frente á resistência do paciente, que nos diz:

“(…)uma postura geral que deverá levar em conta, para sua aplicação, uma leitura atenta da especificidade de cada pessoa e de cada momento do processo analítico. É o que eu costumo chamar de postura do alfaiate: em vez de usar a mesma roupa pronta para todos, busca-se criar uma que se adapte às medidas específicas daquele que é atendido. Dá mais trabalho, mas evita-se o risco de ter algo como uma calça que se ajusta bem na cintura mas não no comprimento, ou vice-versa. Na medida em que as pessoas são muito diferentes umas das outras, toda regra geral acaba sendo burra. Pode-se dizer que este é o primeiro princípio proposto: cada um é um.”

A menor atitude minha poderia ser vista como invasão e severa avaliação em relação a ela, era assim que ela via o mundo, e provavelmente,o processo iria se romper. Nesse ponto, pude perceber o quanto o pouco é muito, não dava para começar a construção do vínculo cheia de interpretações e teorias mostrando o quanto eu era boa psicóloga. O que essa mãe precisava era de um ambiente tranqüilo, sem imposições e não invasivo, pois assim, como o seu filho,ela também tinha vivenciado relações impositivas que não respeitavam o seu próprio tempo.Ela teve que crescer muito rápido e perfeita.

“ (…) a valorização da passividade do analista, conceituada sob a denominação de técnica da parteira, onde o terapeuta atua dando espaço para um processo espontâneo que brota do paciente e onde o papel da intervenção diretiva adquire um valor relativo. Como já mencionado (ver p. 32), contra o excesso de intervenções afirma-se que “pouco é muito” (a littleis a lot), deixando claro que as manifestações do paciente têm prioridade sobre a ação do terapeuta.”(REGO,2003.p59)

Primeiramente a escutei, com uma atitude mais passiva, sem direcionamento, respeitando sua dor e seu tempo. Aos poucos fui dizendo a ela o quanto o que estava acontecendo era muito difícil, mas foi o melhor que ela poderia ter oferecido para seu filho até o momento. Não sabia fazer diferente, não havia vivenciado nada diferente na sua infância, não tinha orientação de ninguém e era, o tempo todo, avaliada por todos. Deixei bem claro que ali, no nosso setting, eu não estava para julgá-la, para dizer se ela era boa mãe ou não. Eu estava pronta para ajudá-la a seguir um caminho diferente do que ela conhecia, um caminho mais tolerante, que não retaliava, aceitava os erros buscando consertá-los.

“O setting é construído de forma a facilitar, aumentar e acolher as manifestações do inconsciente do paciente, agora não só em termos verbais, mas também abrangendo expressões corporais e movimentos que surjam na sessão.” ((REGO.2003.p59)

Nesse momento, percebi o quanto minha fala aliviou um pouco sua culpa e ela pode aproximar-se um pouco mais de mim. Ela disse o quanto era bom poder dizer coisas e não ter palpites e nem julgamentos. Também achei importante, para fazer amizade com a resistência, ressaltar e elogiar sua atitude de buscar ajuda. Nas suas relações e convívio social, ninguém pede ajuda, todos são muito perfeitos e ela foi muito julgada por procurar terapia. Disse a ela o quanto a sua atitude tinha sido corajosa, buscar um tratamento psicoterápico para o filho não é fácil, pois de alguma forma ela teve que assumir dentro dela que algo não estava legal. Mediante a aceitação de não ser perfeita, ela podia mudar, podia buscar aproximar-se mais do seu filho e resignificar a relação deles. Percebi o quanto isso foi significativo para ela, eu era uma pessoa que estava oferecendo ajuda, mas aceitando-a como ela era. Esse foi um grande passo para a construção do vinculo com essa mãe. Depois, em outras sessões fui sentindo que ela se abria mais, estava se sentindo cuidada também e não tinha mais medo de revelar o que fazia e os seus sentimentos em relação ao filho. Depois do provável vinculo já estabelecido com a mãe, percebi que o caminho estava aberto para a construção do vinculo com a criança, a mãe já tinha permitido que isso acontecesse. Ao chegar para a primeira sessão, o paciente ficou um pouco tímido, no primeiro momento. Só aceitou ficar na sessão junto com a mãe e aos poucos foi se soltando e eu pedi para mãe sair. Então, ele aceitou ficar sozinho comigo. Era essencial não ser impositiva com ele, não poderia repetir o papel da mãe obrigando-o de cara a ficar sozinho na sessão.Fui respeitando o seu tempo, pela primeira vez na vida dele. Fui com calma e com amorosidade, conquistando sua confiança aos poucos. A mãe ficou muito surpreendida, esperava que ele agisse da mesma forma que em outros ambientes, com comportamento arredio e agressivo, o que não aconteceu. Essa surpresa da mãe foi trabalhada numa sessão com ela. Perguntei a ela como tinha sido deixar o seu filho com alguém que ele tinha acabado de conhecer e ele tinha agido de forma completamente diferente do que ela esperava. Ela me respondeu que tinha ficado surpresa mas feliz, que de alguma forma ele demonstrou que poderia mudar. Eu como terapeuta, achei importante pontuar para Gilda que Paulo só ficou e aceitou a minha companhia, devido ao meu manejo com ele, sem imposições, para assim, ela poder refletir e perceber o quanto é importante respeitar a singularidade do filho e o seu tempo para as situação.Também, era de suma importância explicitar e confirmar o comportamento da mãe de aceitação e confiança no processo psicoterápico, por isso ressaltei a ela que esse comportamento do filho estava expressando a percepção dele de que a mãe já confiava naquele ambiente e em mim. Foi explicado para o paciente o que era a terapia, que ele estava ali para cuidar de algumas coisas que aconteciam no coraçãozinho dele e que ele não entendia. Por ele não entender, muitas vezes ficava bravo, triste, brigava com as pessoas, chorava e não sabia o que era, então eu estava ali para ajudá-lo nisso. Ele entendeu muito bem e identificou esses sentimentos confusos que sentia logo de primeira, reconheceu que ficava bravo com seu irmãozinho, brigava com a mãe, assumindo que sentia dificuldades em suas relações. Aos poucos fui acolhendo essas dificuldades, mostrando para ele que o entendia e não estava ali para deixá-lo de castigo ou xingá-lo. Isso foi extremamente novo para ele, e assim fui fazendo amizade com a resistência, sem bater de frente com ele. As intervenções nas sessões de psicoterapia foram sendo realizadas através de brincadeiras (lúdico) e jogos. Na fala, explicitando o que ele estava sentindo com palavras, dando nome para o que sentia. No corpo fiz massagens de contorno com cócegas, toques para reconhecimento de cada parte do corpo, contato corporal com abraços e colo. Também realizei sessões de orientação com os pais, sempre escutando-os, acolhendo-os e orientando-os para que eles também mudassem alguns comportamentos. Paulo era uma criança que não demonstrava carinho, com pouco contato físico, era sempre muito fechado e rígido. Parecia que precisava manter a “fama de mal”, estereótipo que lhe foi dado e ele tinha que cumprir seu papel para ter e manter seu espaço na família e na vida. Não gostava de dar beijo, não aceitava toque de nenhuma forma, o que eu respeitei, mas fui buscando algumas maneiras de chegar nele e conseguir ajudá-lo a descongelar seus sentimentos sem brigar ou obrigá-lo a nada. Percebia que ele rejeitava o que mais precisava. Era o filho mais velho, estava com grande dificuldade de aceitar a perda da exclusividade e dividir o espaço com o irmão que era o contrário dele (afetuoso, carinhoso, simpático com as pessoas). No entanto, na terapia ele estava experimentando um ambiente que não o julgava, que por algum momento ele era exclusivo, com uma pessoa que o enxergava e o aceitava amorosamente. A mãe também tinha muita dificuldade para lidar com o xixi e com o cocô dele, tinha nojo e limpava tudo muito rápido, com certa raiva e brutalidade, ficando claro a dificuldade de lidar com as produções do filho e por isso ele não gostava de produzir nada. Por várias sessões foi pedido para ele fazer algum desenho e sempre negava, e quando aceitava fazer algo, fazia com muito medo e insegurança, chegando a dizer que não fazia porque tinha medo de eu achá-lo louco. Mais uma vez esperava uma atitude minha de acordo com o que ele vivenciava em casa, transferia constantemente a figura materna em sessão. Aos poucos fui sentindo que Paulo foi ficando mais próximo, já me abraçava, me permitia pegá-lo no colo e a receber algumas coceguinhas, que eram uma forma de contato. Mais do que tocá-lo, eu o tocava com qualidade e com a intenção de me aproximar com carinho e respeito. Fui percebendo o quanto tocá-lo foi ajudando no meu vínculo com ele. Estava, agora, confiando e recebendo a maternagem que não havia recebido, e eu, como terapeuta, estava podendo transpor para ele o paradigma winnicottiano da mãe suficientemente boa que acreditamos usar na biodinâmica, que refere-se a adaptação da mãe às necessidades do bebê, podendo oferecer, assim, um ambiente seguro e confiável com atitudes que visam acolher e atender as reais necessidades do bebê. Na relação terapêutica, foi esse ponto que me pautou o tempo inteiro: estar identificada com as necessidades de Paulo e poder atendê-las, permitindo-lhe vivenciar aquilo que faltou na sua relação com a mãe, principalmente no contato físico. Com o contato físico, ele pôde reviver uma fase mais antiga de sua história emocional, a fase em que era bebê e não pôde ter a mãe com disponibilidade para oferecer o toque no manejo do trocar as fraldas, do amamentar, do banho. Tudo era realizado com muito medo e mecanicamente, sem prazer no contato.

“O contato corporal, seja ele de qualquer forma, para nós homens e a maioria dos mamíferos é mais que essencial. “No caso do bebê, ele precisa especialmente do contato com a mãe. A saúde física e emocional do bebê depende da quantidade e qualidade deste contato, e quanto mais novinho o bichinho, mais falta de contato pode prejudicá-lo, chegando até a morte.”(AZEVEDO,2000.p34)

Através de um toque, podemos nos tranqüilizar, nos acalmar, nos sentir amados, ter mais percepção do nosso corpo e de quem somos estabelecendo limites entre eu e o mundo. Também, é uma forma de comunicar os sentimentos e ativar fisicamente muitas reações químicas no corpo. Segundo Montagu (1988, p38) nos mamíferos, as carícias dispendidas pela mãe, caracterizadas pelo manuseio e o lamber, são fundamentais nas diferenças apresentadas no comportamento dos filhotes. Há uma significativa relevância entre a vida e a morte, como também na evidência de comportamentos mais suaves e tranqüilos; os animais que foram privados dessas carícias resultaram em animais temerosos e agitados.

“É evidente que para os mamíferos a estimulação cutânea geral é importante em todos os estágios do desenvolvimento, mas, em particular, é crucial durante os primeiros dias de vida do recém-nascido, durante a gestação, durante o trabalho de parto, o parto propriamente dito e durante o período de aleitamento.”(MONTAGU,1988. p43)

Depois de algumas sessões ele próprio já mantinha o contato corporal comigo e no final das sessões (até o último dia de terapia) ele vinha correndo,pulava no meu colo e me abraçava forte, ficando claro para mim que ele se entregava cada vez mais ao processo. Paulo apresentava um tônus muscular hipertônico, estava sempre em alerta. Com o toque oferecido nas sessões de psicoterapia, através das coceguinhas e comas risadas dispendidas, percebi que ele ativava seu sistema parassimpático e relaxava, ao passo que podia sentir e identificar melhor as partes do seu corpo, modificando um pouco o padrão rígido que apresentava. Nesse caso, as cócegas utilizadas como a massagem biodinâmica, foi o instrumento que pôde restabelecer o equilíbrio do paciente, ou seja, ajudá-lo nos seus comportamentos de inquietude e agitação, harmonizando sua energia, levando ao equilíbrio de suas questões emocionais e físicas, o que chamamos na biodinâmica de auto-regulação. Após as cócegas ficava calmo, meio que em um estado de êxtase, diminuindo muito seu estado de ansiedade e irritação. Foi a única maneira que consegui para alcançar esse estado, pois ainda era muito difícil realizar alguma manobra de massagem como em adulto. A partir disso, fui notando que ele estava conseguindo manter-se mais tranquilo, já podia brincar sem estar preocupado com o ambiente, se entregava mais a brincadeira, tendo várias sessões que ele gostava de ficar brincando sozinho, falava para eu ficar só olhando, e ficava muito bem assim. Paulo já podia confiar em mim, sentia-se seguro em realizar o que necessitava no momento, sem querer me agradar, ficando claro que já estava consolidado o vínculo terapêutico. Concomitantemente eram realizadas sessões de orientação com os pais, e principalmente com a mãe, buscando dar suporte para ela, fortalecendo-a e reforçando a sua grande capacidade para cuidar do filho. As primeiras orientações foram bem objetivas como, não colocar fralda nele para dormir, evitar tomar banho junto, não levá-lo para dormir no quarto do casal e sim ficar com ele no quarto dele, revezando entre os dois, pois a cama de casal é dos pais, ao lado da mãe o lugar é do pai. Devido a sua idade e também pelos comportamentos apresentados, também foi orientado aos pais oferecerem maior acolhimento para o filho, pois ele se encontrava numa fase que estava experimentando muita agressividade, destruição e aprendendo a lidar com o que produz e com as conseqüências dos seus atos, a fase do Concernimento. Essa fase , dentro da teoria do amadurecimento de Winnicott, é o momento em que a criança começa a entrar em contato com a própria agressividade instintual e, ao mesmo tempo, começa a ter consciência do que ela pode causar no outro e no mundo. Se os pais puderem oferecer um ambiente seguro com limites, mas que a acolha sem retaliação, a criança começa a ter a consciência da culpa e da reparação, aprendendo a lidar com as conseqüências dos seus atos.

“ …o estágio do concernimento está inserido no período da dependência relativa, e é a fase intermediária entre o bebê dependente da adaptação da mãe e a criança que já começou a caminhar, que começa a reconhecer os aspectos instintivos e que ruma para as relações interpessoais. Entende-se por concernimento a incipiente culpa surgida pós-integração do bebê em uma unidade e que se confirma como uma conquista quando o círculo benigno é estabelecido e mantido sem quebras. Quando isso acontece, o concernimento será experienciado na posição do Eu Sou, fase em que a criança será capaz de avançar em seu amadurecimento, usando com autonomia todo o seu potencial instintivo e agressivo, pois já se reconhece responsável pelas suas ações e pensamentos, assumindo-se capaz de reparação.” (ENGELBERGDEMORAES,2010.p235)

O paciente demonstrava comportamentos de uma criança que não havia elaborado de maneira adequada o Concernimento, tinha muita dificuldade em perder no jogo, com reações agressivas como de jogar coisas e querer quebrar algo quando perdia. Ficava bravo comigo, dizia que não ia mais jogar, jogava peças do jogo no chão, mas eu me mantinha inteira e não me afetava com o seu comportamento, colocava limites mas sem retaliá-lo….quando passava o evento voltava a ser amorosa, aceitando-o. Percebia que ele sempre esperava uma reação agressiva da minha parte, encolhia-se e colocava-se em posição defensiva. Como eu não reagia da forma que ele estava acostumado (sua mãe chegava a bater, gritava muito e passava horas castigando-o pelo ocorrido), ele mudava rapidamente sua postura, aos poucos se acalmava e reconhecia o seu erro, pedia desculpas e recomeçávamos o jogo. Se não tomasse essa atitude, não jogaríamos mais, assim ele poderia escolher o que gostaria de fazer e assumir as conseqüências disto. Apresentava muita dificuldade em produzir algo, não experimentava, não conseguia desenhar, pintar, sempre se cobrando demais, pois achava que o seu era feio e não sabia fazer. Foi conversado o quanto ele tinha medo de fazer alguma coisa, pois ele sempre tinha que ser o melhor e achava que não ia conseguir, e por isso brigava e fazia coisas que não deveria fazer, que ele era forte e poderia machucar as pessoas. E essa fala fazia muito sentido para ele e respondia que era isso mesmo. Ele necessitava testar as pessoas e o ambiente o tempo todo, precisava saber se o mundo o agüentava; machucava o outro para se sentir vivo e ter seu espaço, para confirmar se as pessoas se importam com ele. Para melhor lidar com todos esses comportamentos, foi orientado para a mãe buscar ser mais terna, carinhosa e exigir menos dele, ele tinha que ser ele e não o que ela queria que ele fosse, também para ela deixar mais para o pai por os limites, o que não acontecia. Era muito importante a mãe validar os sentimentos desta criança, aceitar a sua agressividade mas sem esquecer de dar os limites. Ele poderia ficar com raiva mas não poderia fazer o que bem entendesse, tinha limites. Em relação ao pai foi orientado para ficar mais do lado da mãe, concordar com o que a mãe dizia, mostrar para o filho que eles estavam juntos. Também, convidá-lo para fazer programas só com ele, sair para fazer “coisas de homem”, coisas que um bebe não pode fazer, mostrando que é bom ser grande também. E ao longo de 2 anos de processo, foi sendo observado o quanto o paciente estava vinculado a mim e à psicoterapia, não gostava de faltar, expressava incomodo no período de férias, e demonstrava grande apreço em estar nas sessões. Eu, como terapeuta, fui reconhecendo os sinais que essa criança apresentava, esse grande pedido de ajuda e necessidade de cuidado que se evidenciava nos seus comportamentos de destrutividade, agressividade excessiva, xixi na cama. Aceitei seu pedido, com amorosidade e limite, sem me assustar, com disponibilidade para satisfazer a sua necessidade de poder ser ele. O paciente foi apresentando melhoras visíveis, ficando mais sociável, conversava com as pessoas sem agressividade intensa, foi aceitando melhor a presença do irmão, conversava e aceitava melhor perder no jogo, estava mais calmo e carinhoso, o xixi na cama diminuía. Também foi sendo trabalhado com a mãe o quanto ela não conseguia passar o amor que ela sentia, pois era muito exigente com ela e com a família. Fui mostrando que ela não precisava ser perfeita, tentando resgatar a mãe suficientemente boa que existia nela. Era importante ela orientar o filho, principalmente nas tarefas escolares, mas prestando atenção na forma que ela falava, fazendo junto com ele e permitindo ele ser ele e não ter que ser perfeito. O quanto ela se identificava com o filho e queria mudar nele algo que era dela, pois ela também apresentava comportamentos de agressividade, era arredia, exigente, sentia necessidade de agradar, manipular, era insegura, etc. Ela foi também orientada no sentido de buscar terapia, o que era muito difícil para ela e não o fez durante o processo do filho. No inicio do terceiro ano de processo, o paciente já apresentava grande melhora das queixas apresentadas no inicio do tratamento. Havia cessado o xixi na cama e seu comportamento já estava mais saudável, já conseguia expressar em palavras o que queria e sentia, já se sentia mais seguro e aceito em casa e na escola, relacionava-se com mais paciência e menos agressividade com o irmão e coleguinhas. Havia assimilado que poderia sentir raiva, tristeza, porém não podia bater, nem desrespeitar ninguém, nem quebrar nada. Não precisava esconder o que sentia. A família começou a aceitar melhor o seu temperamento sem querer que ele fosse bonzinho e simpático com todos. Apareceram algumas falas e comportamentos do paciente na relação familiar que foram evidenciando que ele já estava pronto para ir se desvinculando da terapia. Iniciamos o processo de alta. Primeiramente foi conversado com o paciente que tudo tinha começo, meio e fim, e estava chegando o momento do fim do nosso processo psicoterapêutico, sendo mencionado o quanto ele já tinha melhorado. Foram citados os exemplos acima e ele, muito satisfeito concordou com tudo e aceitou o término com muita tranquilidade. Durante dois meses foram feitas sessões de 15 em 15 dias, depois uma sessão para finalizar. Nessas sessões fomos construindo um objeto com sucatas que o paciente poderia levá-lo consigo para sempre lembrar da nossa relação. Foi muito prazeroso e divertida essa construção e o paciente aderiu com muito vigor a tudo isso, sem maiores problemas nessa separação. A dificuldade maior foi encontrada na mãe, pois se sentia muito insegura se o filho não estivesse em processo psicoterapêutico, tinha medo de voltar tudo como era antes e ela não saber como agir. Quando esse medo apareceu, foi sendo trabalhado o quanto ela também tinha responsabilidade nessa mudança, o quanto ela confiou no tratamento e sempre buscou seguir as orientações dadas, e que se não tivesse transformado algo na relação familiar, principalmente nela, a transformação do filho seria muito mais difícil. E assim foi sendo mostrado o quanto era o momento dela se cuidar, pois ela estava se segurando emocionalmente na terapia do filho e ela precisava se apropriar mais das suas potencialidades, da sua capacidade como mãe e mulher, para assim conseguir fazer a manutenção da saúde emocional do filho. E com o término do processo de P., a mãe demonstrou grande desejo de iniciar um processo comigo também, mas ela não conseguia pedir isso a mim. Quando percebi essa situação, ofereci o espaço terapêutico agora para ela e isso fez muito sentido, era o que ela desejava, pois havia vinculado comigo e sentia grande dificuldade de buscar novo vinculo terapêutico. Hoje a mãe encontra-se em processo terapêutico comigo.

Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Maria Melo. Massagem. In: Vassimon, Maria Alice. Caderno [Em Mãos]. São Paulo: Ed. Do Autor, 2000, p.33-54.
BOYESEN, Gerda. Entre Psiquê e Soma: introdução à Psicologia Biodinâmica. São Paulo: Summus, 1985.
DIAS, Elza Oliveira. A teoria do Amadurecimento de D.W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
ENGELBERG DE MORAIS, Ariadne Alvarenga de Rezende. Caso B: a experiência da perda do concernimento e a importância da analise. Natureza Humana. São Paulo, v. 12, n.1, 2010. Disponivel neste link acesso em07 de jan. 2012.
MONTAGU, Ashley. Tocar: o Significado humano da Pele.São Paulo: Summus, 1988.
REGO, Ricardo Amaral. Psicodinâmica do Recalque. 2003. Trabalho de Conclusão da Disciplina Psicanálise e Desenvolvimento Humano na Perspectiva da Leitura Freudiana da Angústia (Pós Graduação). Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, SP, 2003
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