Encontrando o self através do vinculo terapêutico

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INTRODUÇÃO

A psicologia objetal, nos mostra a importância dos estágios iniciais para a constituição do eu. Quando o ambiente fornece um contexto para que a constituição da criança comece a se manifestar, e comece a experimentar sua espontaneidade e se apropriar destas sensações, esta etapa pode ser de fundamental importância até a formação do ego. A teoria de Winnicott deu uma contribuição mais completa do verdadeiro e do falso self. Ele considera que o verdadeiro self seria o que resulta da mãe ter aceitado os gestos espontâneos da criança. Nos casos em que a mãe não tem capacidade para entender e satisfazer as necessidades do filho, ela coloca seu próprio gesto, assim submetendo a criança a ela, o que começa a gerar um falso self. “O ego do lactente está criando força, e como consequência está a caminho de um estado em que as exigências do id serão sentidas como parte do Self, não como ambientais.” Winnicott (1960).

Quando este desenvolvimento ocorre, de forma onde a mãe ou o ambiente pode possibilitar este lugar suficientemente bom, para satisfazer as necessidades do bebê, ocorre a satisfação do id, que é um importante fortificante do ego ou do Self verdadeiro. Mas também ao contrário podem ser recebidas de forma traumática, e prejudicial o excesso de frustrações. Winnicott retrata que o falso self, especialmente quando se encontra nos extremos mais patológicos da escala, é acompanhado por uma sensação subjetiva de vazio, de futilidade e de irrealidade. O núcleo autêntico do self, obriga este a renunciar às suas pulsões (que constituem sua essência) em favor de uma adaptação “bem-sucedida”. Talvez o grau mais extremado de um falso self seja o da figura impostora que impõe aos outros uma personalidade totalmente falsa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1.1 O AMADURECIMENTO DO EU Segundo Winnicott, todo ser humano é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento. Este processo inicia-se após a concepção e continua ao longo da vida do indivíduo. Estas etapas ou estágios são enumerados resumidamente por Elsa Dias pág. 97: “Estágios Primitivos-Dependência absoluta: 1-A solidão essencial, a experiência do nascimento, a primeira mamada teórica. Estágios Iniciais- Dependência relativa: 2-Estágio de Desilusão e início dos processos mentais, 3-O estágio da transicionalidade, 04- o uso de objetos, 05- O EU SOU, 06- o estágio do Concernimento. Independência Relativa: 07-Estágio edípico, 08- de latência, 09-Adolescência, 10- o início da idade adulta, 12- A velhice e a morte.” Durante este processo de amadurecimento Winnicott afirma a importância da etapa mais primitiva da vida, a fase de dependência absoluta, onde o bebê pode adquirir bases para a constituição de sua personalidade e de sua saúde psíquica. Este momento para ser bem sucedido, necessita passar por três tarefas fundamentais para constituição de sua integridade: A integração no tempo e no espaço, o alojamento gradual da psique no corpo, e o início da relações objetais o contato com a realidade. O conjunto destas tarefas juntamente com a repetição pode trazer o sentido da existência. Nos estágios iniciais de dependência absoluta, o bebê necessita da dependência absoluta da mãe, onde é afetado pelo cuidado que recebe. Neste momento a importância da mãe conseguir atender as necessidade do bebê e não as suas necessidades. Em virtude deste estado ocorre um regressão parcial da mãe com o objetivo de poder identificar-se com estas necessidades do bebê. “Ela consegue esperar que o gesto espontâneo surja porque sabe muitas coisas sutis, como por exemplo, que, para ser trasladado de um lugar para outro, um bebê precisa ser preparado e o movimento total requer tempo; ela sabe também que é mais importante respeitar a recusa do bebê de mamar do que força-lo, por disciplina ou por temor da desnutrição, porque em termos do amadurecimento, o não alimentar constitui a base do alimentar”( Winnicott 1968 p.55). E com o tempo a mãe suficientemente boa torna a adaptação cada vez menor, permitindo que o bebê gradativamente caminhe para a independência. 1.2 PARTICIPAÇÃO DA MÃE A mãe suficientemente boa neste contexto,é aquela que durante este período desenvolve uma devoção total ao lactente, que de forma muito identificada com as sensações e necessidades da criança, consegue proporcionar uma adaptação suficientemente boa nesta fase. E esta adaptação possibilita alimentar a onipotência do bebê. “Um Self verdadeiro começa a ter vida, através da força dada ao fraco ego do lactante pela complementação, pela mãe das expressões da onipotência do bebê” Winnicot (1960.) Ao contrário, as falhas da mãe repetidas vezes, coloca o lactente de forma a se adaptar as imposições da mãe, gerando uma submissão, onde se dá o início do falso Self. Segundo Winnicott o verdadeiro Self, não se torna uma realidade viva exceto como o resultado do êxito repetido da mãe em responder ao gesto espontâneo ou alucinação sensorial do lactente. Desta forma a realidade externa é permitida viver como uma ilusão, uma mágica criada pelo lactente, e gradualmente pode ir abrindo mão da onipotência na medida que o amadurecimento vai acontecendo. “Entre o lactente e o objeto existe algo, ou alguma atividade ou sensação. A medida que isto une o lactente ao objeto(como objeto parcial materno), se torna a base para formação de símbolos.”(Winnicott 1960) Quando o processo de levar o bebê a onipotência falha, o processo de formação de símbolos não se inicia ou fica fragmentado.O bebê sobrevive a uma adaptação ao ambiente gerando um falso Self. Winnicott refere-se ainda, a alguns casos extremos em que não haja mais do que coleções de reações as falhas de adaptação no estágio crítico da saída do estágio de identificação primária. O falso eu pode alcançar uma integridade ilusória e falsa, ou seja, uma falsa força egóica, conseguida a partir de padrões do ambiente. “Nos casos mais favoráveis o falso eu desenvolve uma atitude materna fixa em relação ao Eu Verdadeiro, permanentemente segurando-o como a mãe segura um bebê no início da fase de diferenciação e de saída da identificação primária”. (Winnicott 1958 p 395). 1.3 PSICOLOGIA BIODINÂMICA A psicologia Biodinâmica faz diálogo com a psicanálise Winnicotiana. Gerda Boyesen traz o conceito de personalidade primária, referindo-se aquela parte que está saudável no indivíduo. Fazemos uma comparação ao conceito de Winnicott de verdadeiro Self. Gerda diz que quando a personalidade primária da pessoa é impedida de se manifestar, de se auto-realizar, surge a personalidade secundária para ajustar seu ambiente e para proteger-se de ameaças externas de sobreviver. “A Personalidade Primária é curiosa; não tem medo do novo. É também flexível e pode lidar com o inesperado; não fica na defensiva, mas é capaz de se proteger. Existe nela segurança básica, estabilidade e integridade. Esta pessoa pode dar e receber abertamente. Ele, ou ela, tem boa vontade para consigo mesmo, é capaz de atrair e ar de si aos outros. [..] Existe prazer no trabalho e no lazer, uma tranquila euforia e suave embriagamento pelo prazer de viver.” (Gerda Boyesen – Caderno 3 de Biodinâmica pag. 08 e 09) No trabalho psicoterapêutico Biodinâmico existe a possibilidade de construirmos um lugar emocionalmente favorável, que impulsiona os pacientes a entrar em contato com sua essência o que denominamos verdadeiro Self , também chamado de personalidade primária, assim fazendo, estaremos auxiliando e estimulando não somente esses aspectos, mas a pessoa como um todo. Isto, dá-lhes força, coragem e a aceitação necessárias para olhar e trabalhar seus conteúdos mais neuróticos e o lado escuro do seu caráter (Personalidade Secundária). Gerda chama a personalidade primária de bem estar independente, contrariamente a personalidade secundária que é mais neurótica e depende dos outros para obter satisfação e gratificação. 1.4 ENCONTRANDO O VERDADEIRO SELF NO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO Tanto o trabalho clínico de Winnicott quanto a psicoterapia biodinâmica permitem a regressão a dependência no processo da transferência com o psicoterapeuta. Através deste processo de vínculo transferencial ,busca-se reparar aspectos da personalidade primária, e as falhas ocorridas em fases bastante precoces do seu desenvolvimento emocional. Na relação terapeuta paciente, vai sendo construindo um lugar do vínculo terapêutico aonde existe a possibilidade de cura e reparação de experiências vividas anteriormente. Winnicott diz que o analista vai adotar princípios básicos da psicanálise, em que o inconsciente do paciente é quem lidera o processo. Gerda Boyesen trabalha com o estímulo interno, e espontâneo do paciente. Respeitando sua individualidade e fazendo amizade com a resistência. Nestes processos o contexto torna-se mais importante que a interpretação. O termo regressão é utilizado por Winnicott como uma possibilidade de reparação da falha original. “É como se houvesse uma expectativa de que surjam condições novas, justificando a regressão e oferecendo uma nova chance para que o desenvolvimento ocorra, esse mesmo desenvolvimento que havia sido inviabilizado ou dificultando inicialmente pela falha do ambiente.” Winnicott 1960 A partir da possibilidade de regressão a dependência, o Terapeuta se coloca no lugar da mãe reparadora, das falhas ocorridas nas fase iniciais. Gerda Boysen procurou mostrar que o terapeuta deve proporcionar um lugar seguro, não invasivo de atuação suave, de forma que possa permitir a personalidade primária emergir. O trabalho do terapeuta é promover segurança antes, durante e depois da exposição de material reprimido. “O terapeuta não deve em caso algum tentar forçar a resistência, é conveniente, ao contrário seduzir a resistência, respeitando-a”. ( Gerda Boyesen 1986). Gerda Boyesen tem a massagem como forma de trabalho psicoterapêutico e a mesma possibilita o resgate da auto-regulação e da circulação libidinal. A circulação libidinal pode ter sido interrompida diversas vezes, e em períodos muito precoce. “A perda da circulação libidinal e do sentimento de bem-estar na independência pode ter lugar muito cedo. Ela se deve ás interrupções” Gerda Boysen pág. 123. 1.5 A MASSAGEM BIODINÂMICA COMO INSTRUMENTO A massagem é um poderoso instrumento terapêutico que permite ao paciente experienciar diversas sensações- ser ninado, embalado,contido, acolhido e vinculado, construindo margem para o paciente ser o que é. Possibilita a auto-regulação natural do organismo, e pode trazer a sensação de integração com o corpo e o contato com o Self verdadeiro. O trabalho com o toque e a massagem reaproxima o paciente do self, sua essência e natureza mais profunda, possibilitando uma conexão consigo. Quando se permite entregar-se ao toque, e a sensação que ele produz, permite-se viver a experiência e os conteúdos das camadas mais internas, e deixar o inconsciente profundo emergir. Este processo configura simbólica e fisiologicamente uma mudança no ritmo de funcionamento corporal e psíquico. O terapeuta por sua vez observa o paciente conecta-se então sua energia presença e intenção, deixando que as impressões deste contato indiquem o caminho a seguir. O toque favorece o vínculo, a imersão de imagens e a consciência corpórea. Segundo Gerda Boyesen este encontro com a personalidade primária ou verdadeiro Self pode ser descrito como energia vital de circulação no corpo que nos dizem que estamos vivos, processo que normalmente ocorre na infância,existe nela uma alegria natural ,uma euforia ,que também é prática. A analogia que fazemos do Terapeuta Suficientemente Bom refere-se a forma do mesmo poder adaptar-se as necessidades do paciente, de forma que o passado torne-se presente. Winnicott retrata este momento de adaptação bem sucedida como o ponto principal de mudança do eu falso para o eu verdadeiro. Afirma que neste momento pela primeira vez o ego pode viver impulsos do e sentir-se real e descansar dessas experiências. O autor descreve: “Pela primeira vez na vida do paciente,há agora a possibilidade de desenvolvimento egóico, da sua consolidação como ego corporal, e também do repúdio ao ambiente externo dando início as relações objetais.” Segundo Winnicott esta mudança se processa quando o paciente desenvolve a capacidade de usar o limitado êxito do terapeuta em adaptar-se, de modo que o ego do paciente possa rememorar as falhas originais. Estas falhas tiveram em sua época o efeito de provocar ruptura. Quando ocorre do terapeuta falhar, ou não se adaptar a necessidade do paciente, permite o mesmo perceber ,e a experiência de ruptura se torna a experiência de raiva.Esta raiva quando utilizada de forma reparadora pelo terapeuta, permite a liberação de Verdadeiro Self. Gerda Boysen diz que nosso trabalho com as pessoas, visa reconhecer aspectos delas impedidos de manifestar-se ou que se tornaram profundamente arraigados e ajudá-las a liberá-los de maneira que um novo potencial possa emergir. O Terapeuta bem adaptado também reconhece o que não está presente, o que está faltando; entende como a pessoa compensa a falta, e ajuda o elemento perdido a emergir através das defesas que impediram a atualização até o momento. Para tanto, devemos estar familiarizados e focados nos aspectos da personalidade primária. Se pudermos demonstrar este reconhecimento e encorajamento,o processo terapêutico será imensamente facilitado e surgirão cada vez mais elementos. 1.6 O TERAPEUTA E SUA ADAPTAÇÃO SUFICIENTEMENTE BOA: • Percebe se as falhas estão relacionadas a falta de contato, manejo e holding,ou estão relacionadas a invasão. •Proporcionar um ambiente de confiabilidade, para que o paciente possa trazer o material reprimido. • Confia na força que pressiona o organismo para auto- Cura. • Mantem-se previsível e estável. • Sobrevive a raiva do paciente. • Mantem-se presente. • Maneja a resistência.  

Conclusão

Conclui-se que o trabalho psicoterapêutico proporciona um vínculo Entre o terapeuta bem adaptado e o paciente, possibilitando a reparação de falhas na constituição do eu, que pode ser geradora de um Falso Self. A partir do processo de regressão que o contexto terapêutico traz, o verdadeiro Self pode emergir. Tanto a psicanálise das relações objetais, quanto a Psicologia Biodinâmica fundamentam este processo transferencial.

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