Thelma Zaidan Pieratti Bueno thelmapbueno@gmail.com
Existem variados estudos sobre Trauma, alguns compartilham dos mesmos pressupostos e outros apresentam idéias e explicações diversas sobre este tema, mas em um apecto eles convergem: o de que a pessoa traumatizada sofre pelos efeitos deste choque. Os sinais e sintomas aliados ao sofrimento citado, podem ser observados sob o aspecto psico-emocional ou pelo aspecto corporal, conforme o modelo conceitual usado nesta observação. Assim, a ciência médica e afins estaria mais voltada às pesquisas envolvendo a fisiologia diante dos efeitos e respostas ao trauma, enquanto as ciências psicológicas dariam ênfase aos danos emocionais provocados pela situação traumática. Esta separação se fez presente até alguns anos atrás, mas a aproximação entre as Ciências, a expansão do conhecimento das Neurociências, Neuropsicologia, Neuropsicoimunolgia e outras, prepara uma mudança na compreensão do Trauma e seus efeitos na vida humana. Com a decadência do modelo dicotômico Mente – Corpo e aceitação do Organismo Humano como uma unidade multifuncional, os estudos sobre Trauma avançam e este evento que atravessa a existência humana ganha espaço, respeito e importância em todas as abordagens que tratam do sofrimento do Homem. A palavra Trauma origina-se do Idioma grego, “Trávma”que significa ferida e Travmatismo, a ação de ferir. Na área médica este termo é usado para designar injurias no corpo enquanto no campo psíquico refere-se a situações nas quais o indivíduo perde a sua capacidade de defesa. O Trauma psicológico ganha destaque quando Freud relaciona os sintomas da Histeria à situações traumáticas vivenciadas anteriormente por suas pacientes. Segundo Freud, o trauma acontece quando diante de um aumento na corrente de excitações o indivíduo vivencia sentimentos avassaladores de impotência que produz um registro, uma cicatriz no aparelho psíquico. Encontra-se no Dicionário Enciclopédico de Psicanálise – O Legado de Freud e Lacan, a observação de que Freud enfatiza a relação entre trauma e os estados de impotência ou desamparo do organismo e que o fator individual subjetivo seria o responsável pela diferença de reação dos sujeitos diante de uma mesma situação catastrófica. Assim, o evento real passa a ser entendido simplesmente como o gatilho que desencadeia o desequilíbrio do organismo e o trauma como o efeito produzido por esta ocorrência ( evento) no domínio psíquico do sujeito.
O Trauma ocupa um lugar historicamente fundamental em Psicanálise…estão ligadas ao trauma as noções capitais da amnésia e do recalcamento…do latente e do manifesto. A ênfase é posta sobre o aspecto energético econômico do processo: as experiências traumáticas devem sua força patogênica ao fato de produzirem quantidades de excitação grande demais para serem processadas pelo aparelho psíquico (Kaufmann- 1996 – p. 558)
A Hipnose como método cartártico foi a primeira terapêutica utilizada com o propósito de fazer lembrar e reviver a cena traumática. Mas os resultados logo mostraram-se falhos e insuficientes, pois os sintomas decorrentes do trauma voltavam a incomodar. O tema Trauma atraiu a atenção de muitos autores além de Freud, dentro da história da psicanálise cujos estudos sugerem diferentes abordagens e visões. Podemos citar duas grandes tendências: ” Por um lado a atenção conferida ao evento traumático, à sua realidade e a seu reconhecimento pelo terapeuta; por outro, a preferencia dada à atividade fantasística, na ordem da realidade psíquica, em torno do evento em questão.” (Kaufmann,1996, p. 559). O Trauma em seu aspecto psíquico gera fixações que persistem e levam à repetição, reenviam o sujeito ao evento traumático, provocam sintomas e prejudicam o seu desenvolvimento. Ciente disto, Freud em ” Recordar, repetir, elaborar”, conclui que atrair para a consciência a lembrança da situação catastrófica, reviver repetidamente a emoção provocada, não garante a cura do trauma. É preciso elaborar a lembrança reconstituída. (Freud, 1914, p.146) A Psicanálise passa a influenciar o enfoque e a terapêutica para lidar com sobreviventes de grandes tragédias como as geradas pela segunda guerra mundial, incluindo os traumas ligados ao desenvolvimento humano, como a separação da mãe – trauma ” arquioriginário” sugerido por Ferenczi, recebem a atenção desta Escola. No panorama do pós-guerra novas abordagens de psicoterapia começam a surgir, dentre elas as psicoterapias corporais de herança reichiana. A introdução do corpo na compreensão e intervenção das questões psico-emocionais oferece renovados recursos ao estudo das patologias decorrentes do trauma em humanos. Peter Levine, idealizador da Somatic Experiencing -SE uma abordagem naturalista para estudo do trauma, afirma:
…o trauma não é, não será, e nunca pode ser plenamente curado até que nós abordemos o papel essencial representado pelo corpo. Temos que entender como o corpo é afetado pelo trauma e sua posição central na cura de suas conseqüências. Sem essa base, nossas tentativas de dominar o trauma serão limitadas e unilaterais. (Levine, 1999, p.15)
Somatic Experiencing O trauma no cenário do corpo
A Somatic Experiencingéfruto de mais de trinta anos de estudos sobre estresse e trauma, desenvolvidos pelo Dr Peter A. Levine Ph.D em física médica e biológica e doutor em psicologia. Neste percurso em que busca desvendar os mistérios do trauma, Levine envereda seus estudos pelos campos da fisiologia, ciência neurológica, etologia, matemática, filosofia, psicologia e outros. Assim constitui-se o método e modelo da Somatic Experiencing, abordagem corporal que lida com os efeitos do trauma em seres humanos. “Por que os animais não se traumatizam?”Esta questão parece ter aberto um caminho novo que traz `a cena do trauma nossa biologia, nossa fisiologia, nossa semelhança com os animais de quatro patas, como veremos mais adiante. Na apostila do curso de SE para iniciantes em 2012, Levine define trauma como um acontecimento em que o organismo éforçado acima da sua capacidade adaptativa de regulação dos estados de ativação do sistema nervoso. Ocorre uma desorganização do sistema nervoso que falha, não consegue recuperar completamente seu equilíbrio. Disto resulta um estado de fixação global que leva àperda da capacidade rítmica de auto-regulação e dificuldade para orientar-se no presente, bem como redução na capacidade desfrutar a vida com fluidez As vítimas de um evento traumático convivem com um constante estado de medo, sentimento de impotência, perda de controle, ameaça de aniquilamento.Sua capacidade de adaptação `a vida torna-se limitada e os sintomas físicos e emocionais a mantém aprisionada em um ir e vir de acontecimentos que se repetem e constroem as grades desta prisão. O choque traumático ocorre quando uma pessoa passa por experiências que potencialmente colocam a vida em risco e superam a sua capacidade de responder de forma eficaz ao evento. Portanto, o que mais importa nesta visão não éo evento em si, não éa catástrofe, mas o efeito, o registro arquivado no sistema nervoso de quem sofreu o trauma. Segundo Peter Levine “O trauma éum fato da vida, mas não precisa ser uma condenação perpetua”. (Levine, 1999, p.15) O Trauma nos rodeia rotineiramente por vivermos sob um sistema que exige de nós: perfeição, alta performance, pede que sejamos frios nas decisões e éimplacável com nossas falhas. Soma-se a isto o efeito da violência que nos invade através das noticias e dos acontecimentos graves e próximos a nós, ou aproximados pela mídia. Os eventos traumáticos mais comuns são os acidentes, doenças graves, cirurgias, procedimentos médicos e dentários invasivos, assaltos, experimentar ou testemunhar violência, guerras, desastres naturais, etc. Eles podem acontecer durante o período de vida adulta ou mesmo na infância, interferindo no desenvolvimento. Neste caso, são chamados, por esta abordagem, traumas de desenvolvimento. Os traumas de desenvolvimento em geral decorrem de negligência ou inadequação dos cuidados ou orientação dada àcriança, e deixam marcas psicológicas que interferem negativamente no desenvolvimento do ser adulto. Traumas de choque são os que superam a capacidade que o organismo tem naquele momento de dar resposta adequada àsituação. Parece que a saída para este mundo traumatizado éencarar a força destrutiva do trauma, liberando o potencial inato para cura que éo caminho natural do corpo e pode ser observado nos animais selvagens. Diz Peter Levine:
…existe um organismo que tem sensações e sentimentos, que conhece e vive… Este corpo vivo, uma condição que compartilhamos com todos os seres sencientes, nos informa de nossa capacidade inata para nos curar dos efeitos do trauma…aprender a utilizar e transformar as energias surpreendentes, primordiais e inteligentes do corpo…(Levine, 1999, p.16)
O que nos impede então de acessar esta força natural? Por que sofremos com o estresse pós traumático? O que faz com que nossa capacidade de auto-regulação fique prejudicada? Gerda Boyesen, criadora da abordagem corporal que leva o nome de Psicologia Biodinâmica, parece ter sido tocada por estes mesmos questionamentos. Ela estrutura sua teoria sobre ciclo vaso-motor, circulação emocional percebida ao nível do sangue, a partir das ideías de Freud e Reich: