O tratamento da síndrome do pânico através da psicoterapia corporal

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Por: Glória Cintra

Devido ao estilo de vida moderno, houve um grande aumento do número de pessoas diagnosticadas com síndrome do pânico. O principal desequilíbrio nesta síndrome é a desorganização do sistema nervoso autônomo, deixando cicatrizes no sistema límbico. Os pacientes reagem a pequenos estímulos de forma bastante intensa, com fortes descargas vegetativas. Em conseqüência disso, perpetua-se um quadro de a “stress”, ansiedade, depressão e medo do colapso. Nestes casos, a abordagem terapêutica através de interpretações verbais tem se mostrado pouco eficiente. Segundo Winnicott, o medo do colapso ocorre na fase do desenvolvimento emocional primitivo em que a linguagem verbal ainda não está estabelecida. As intervenções da psicoterapia corporal têm se mostrado bastante eficientes nestes casos. Nesta apresentação farei um relato de casos de pacientes com síndrome do pânico que se beneficiaram de técnicas da psicoterapia corporal, como: a massagem biodinâmica de Gerda Boyesen, a biossíntese de David Boadella e a coerência cardíaca de David Servan-Schreiber. A Psicologia Biodinâmica propõe-se a ser uma visão de mundo em que corpo e mente são elementos de um mesmo organismo, na qual o ser humano é visto como vivendo em função de dois movimentos: a homeostase, ou seja, a busca do equilíbrio e da auto-regulação; e a evolução pela mudança e pelo movimento. Tem como princípio o respeito à singularidade de cada ser humano, buscando incentivar sua criatividade, potência e espontaneidade de forma afetiva, tolerante e não-invasiva. Enfatiza o amor, o prazer, o conhecimento, o trabalho e a espiritualidade como fundamentos de uma existência plena. Dentro da Psicologia Biodinâmica, uma das principais ferramentas é o uso da massagem, com grande variedade de técnicas como: Massagem Colônica, Orgonômica, hipotônica, Sintomática, Lifting, de Contorno, de Distribuição, Escoamento e outras. Essas técnicas têm como objetivo restabelecer a pulsação natural do organismo, os ritmos orgânicos, favorecendo a circulação da energia libidinal e o reequilíbrio do sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático. Dissolve o reflexo de sobressalto, diminui os estados de stress e vitaliza os estados depressivos dos pacientes. Em minha experiência profissional essa ferramenta tem se mostrado de valor inestimável, pois a terapia corporal restabelece as funções vegetativas, tranqüiliza os estados de pânico para que a análise verbal dos conteúdos perturbadores possa ser realizada. Em Biossíntese, David Boadella se utiliza do modelo embriológico. Este modelo embriológico refere-se ao processo formativo, que precisa de um campo organizacional para se desenvolver. Tal processo formativo tem a ver com auto-organização e auto-regulação. David Boadella define auto-organização como “capacidade endógena de se movimentar do menos para o mais desenvolvido, o impulso evolutivo em direção à plenitude e à auto-regulação como a capacidade natural de se equilibrar onde quer que se esteja”. Se o campo organizacional estiver em ressonância com as necessidades de crescimento da pessoa, o crescimento expressará a essência. De outro modo, há uma deformação em que a essência e a existência estarão cindidas. Esta cisão ocorre com os pacientes diagnosticados com Síndrome do Pânico. No desenvolvimento do feto dentro do útero, a embriogênese é o processo formativo do corpo, e o útero é o campo organizacional para o desenvolvimento embriológico. Na terapia há a tendência de o paciente curar-se a si mesmo, descobrir suas necessidades emergentes e equilibrar suas energias. Este é o processo formativo. O contato com o terapeuta com sua habilidade para entrar em ressonância com as necessidades do paciente respeitando sua essência, é o campo organizacional. O ser humano, quando aberto às oportunidades da vida, está em contato com as suas intenções essenciais. Estas conduzem à realização do seu verdadeiro self em relação à programação cósmica, por meio da qual o crescimento de uma pessoa segue leis exteriores e interiores, tendendo à auto-organização e auto-regulação, como supramencionado.

“A função da terapia é religar as pessoas à sua profundeza interior, à sua intenção essencial” – Frank Lake, 1992.

O terapeuta, em Biossíntese, propicia aos pacientes com Síndrome do Pânico um espaço vital onde a essência do ser possa desabrochar e as correntes vitais de pensamento, ação e sentimento estejam integradas, formando um ser único na sua individualidade espiritual. Os pacientes com Síndrome do Pânico podem ser beneficiados pelo Método de Coerência Cardíaca, de David Servan-Schreiber, descrito em seu livro Curar. Este método foi descrito pela primeira vez pelo médico Dan Winter em 1992. A prática da Coerência Cardíaca traz para si muito da sabedoria milenar, das técnicas tradicionais usadas em ioga: atenção, meditação e relaxamento. O primeiro estágio consiste em voltar sua atenção para o interior. O paciente deve por de lado suas preocupações, estar disposto a se manter à margem delas para poder dar ao seu coração e ao seu cérebro um tempo para recuperar o equilíbrio e a intimidade. No segundo estágio o paciente se imagina respirando através do coração (ou do centro do peito).Enquanto continua respirando lenta e profundamente visualiza e realmente sente cada inspiração e expiração. O paciente deve imaginar que cada tomada de oxigênio nutre seu corpo e cada expiração o livra dos resíduos de que ele não precisa mais. O terceiro estágio consiste em tomar consciência da sensação de calor e expansão que está se desenvolvendo em seu peito, em cuidar dela e encorajá-la com seus pensamentos e sua respiração. O coração é particularmente sensível à gratidão, a quaisquer sentimentos de amor, quer sejam por outro ser humano, um objeto ou mesmo pela idéia de um universo benevolente. Em um estudo publicado pelo American Journal fo Cardiolgy, o dr. Watkins e pesquisadores do Instituto HeartMath já demonstraram que o simples ato de recordar uma emoção positiva ou imaginar uma cena agradável rapidamente provoca uma mudança na variabilidade do batimento cardíaco para uma fase de coerência. A coerência no ritmo cardíaco afeta o cérebro emocional, assegurando estabilidade e sinalizando que tudo está funcionado bem fisiologicamente. O cérebro emocional reage a essa mensagem reforçando a coerência cardíaca. A influência recíproca cria um círculo “virtuoso” que, com pouca prática, pode levar a um estado de coerência máxima. A coerência entre o coração e o cérebro emocional estabiliza o sistema nervoso autônomo, tanto o simpático com o parassimpático. Tendo alcançado um estado de equilíbrio, estamos prontos para enfrentar todas as contingências da vida. Simultaneamente temos acesso à sabedoria do cérebro emocional – sua “intuição” – e às faculdades de reflexão, raciocínio abstrato e planejamento do cérebro cognitivo. No modelo relacional de Winnicott a ênfase da relação terapêutica é colocada na qualidade do vínculo. Para Winnicott, a mãe suficientemente boa é aquela que é previsível e adapta-se ativamente às necessidades e ritmos do bebê, permitindo o desenvolvimento de seu potencial. O terapeuta propicia ao paciente a construção de experiências positivas, abrindo espaço para o seu crescimento e para o desenvolvimento do seu potencial criativo. Este modelo é particularmente interessante quando se trabalha questões pré-edípicas em pacientes com Síndrome do Pânico. Cada vez mais tem sido reconhecida a importância de se reparentar o paciente. O terapeuta ocupa o lugar da figura parental, de um modo muito diferente da dos pais originais, para poder reparar a dor da criança ferida. A criança ferida do paciente é aquela cujos direitos básicos foram violados: de existir (ser e ver), de estar seguro, nutrido (ter e provar), de ser autônomo (livre e independente), de ter amor, dar e receber (querer). Quando esses direitos são violados, a criança desenvolve defesas de caráter para se proteger do stress proveniente do mundo. Aos direitos básicos violados correlacionam-se as seguintes defesas: esquizo-histérica, oral-paranóica, masoquista-psicopata e passiva-fálica, segundo a descrição de polaridades dinâmicas da defesa de caráter feita por David Boadella (1974) no artigo “Stress e Estrutura de Caráter”. Para Winnicott o bebê que não teve mãe suficientemente boa passa a sofrer de angústias impensáveis, medo: de se despedaçar, de cair para sempre e do colapso. O ambiente e a mãe-ambiente não foram capazes de suprir as necessidades básicas dele que está num estado de dependência absoluta, isto é, o ambiente não foi confiável e o desenvolvimento emocional é perturbado. Na Síndrome do Pânico, o paciente sofre do medo do colapso, pois seu ambiente corporal interno não é mais confiável, uma vez que os ritmos orgânicos estão desorganizados. Ele sente o mundo interno e externo como ameaçador. Qualquer pequeno estímulo pode desencadear fortes reações psicossomáticas. O terapeuta nesta abordagem permite que o paciente faça uma regressão à dependência e deve propiciar um ambiente físico (consultório) e humano (na pessoa do terapeuta) estáveis e confiáveis, para que a saúde psicossomática seja restabelecida. Bibliografia: BOADELLA, David , “Fluxos da forma e posturas da alma”, artigo baseado em palestra feita durante o 12o. Congresso Mundial de Medicina Psicossomática Universidade de Basiléia, setembro 1993, traduzida por Karim Sachs e adaptada por Rubens Kignel para o Congresso de Wilhelm Reich em São Paulo, 1997, no site http:/www.ax.apc.org/-jgco/orgoniza/artigos/9campos.htm. BOADELLA, David, Correntes da vida, São Paulo, Editora Summus, 1985. BOADELLA, David & Smith, D.L. Maps of character, London, Abbotsbury Publications BCM – Chesil, 1974. 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WINNICOTT, D. W _, O ambiente e os processos de maturação, Porto Alegre, Editora Artes Médicas, 3ª ed., 1979. www.ibpb.com.br – site do Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica Mini curriculum do(s) autor(es) -Psicóloga clínica no Dep. de Neuropsiquiatria da Fac. de Medicina de Botucatu, de 1981 a 1987. – Professora no Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica. -Psicoterapeuta corporal com formação em: Reich, Biossíntese e Biodinâmica, com enfoque winnicottiano.   e-mail: gloriacintra@hotmail.com

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