Fundamentos Reichianos Da Massagem Biodinâmica

0

Wilhelm Reich interessou-se pela psicanálise freudiana, que apresentava uma nova teoria da sexualidade infantil[1], ancorada no princípio de que não é apenas a consciência que determina nossas ações. Existiria uma instância psíquica, que Freud chamou de inconsciente, capaz de manter vivas memórias muito antigas que atuam em nosso comportamento sem que estejam representadas conscientemente. Profundo conhecedor dos conceitos psicanalíticos, Reich dedicou-se a pesquisar a forma ou maneira pela qual os pacientes habitualmente resistem ao trabalho analítico; indo além do que se enfatizava na época, de explorar principalmente o conteúdo das comunicações. Reich chama de caráter, as características assumidas como forma de defender o organismo da angústia que perturba o aparelho psíquico. Assumem-se modos formais de comportamento que funcionam como verdadeiros amortecedores, modos crônicos de pensar, sentir e agir que assim como defendem, também, aprisionam. Pode-se constatar que a mesma forma que defende um determinado indivíduo de sentir medo, raiva ou dor, também o impede de sentir prazer. Anos de experiência clínica com a análise do caráter conduziram Reich a uma de suas descobertas mais originais e extraordinárias: a couraça muscular. Esta descoberta mostra claramente que a dissolução de um espasmo muscular libera a energia vegetativa e reproduz a lembrança da situação da infância onde ocorreu a inibição do impulso. Isto desvenda o processo fisiológico do recalque, a rigidez muscular crônica, ou couraça muscular. Apresentou como a estrutura caracterial neurótica e as emoções reprimidas estão fisiologicamente enraizadas em espasmos musculares crônicos. A tristeza, por exemplo, é um sentimento que contém uma expressão física: o impulso de chorar, ao qual, corresponde um tipo de respiração, expressões faciais, vocalizações. Se o intento de chorar precisa por alguma razão ser suprimido, todos estes impulsos musculares espontâneos necessitarão de um esforço voluntário de contenção e tensão. Caso esta estratégia, de tensão e contenção torne-se habitual e repetitiva transforma-se em automática e inconsciente, não podendo mais ser relaxada voluntariamente. A supressão converteu-se em recalque, os sentimentos e outros elementos esquecidos permanecem adormecidos, sob a forma de tensões ou frouxidões de grupos musculares capazes de assim defender o organismo de estímulos externos e de impulsos internos. Como conclusão, constata-se que o tônus muscular de uma pessoa está intimamente ligado à forma como ela se defende psiquicamente. No intuito de restabelecer a saúde mental e a autorregulação em seus pacientes (que inclui a capacidade de pulsação, contrair e expandir livre de quaisquer inibições), Reich encontra um mecanismo que é utilizado na primeira infância, quando as crianças lutam contra os estados de angústia. Percebe que é através da inibição respiratória que isso se faz, sendo este um dos primeiros e mais importantes atos utilizados na supressão de sensações. Em suas palavras: Na respiração reduzida, absorve-se menos oxigênio; de fato apenas o suficiente para a preservação da vida. Com menos energia no organismo, as excitações vegetativas são menos intensas e pois, mais fáceis de controlar. Vista biologicamente a inibição da respiração nos neuróticos tem a função de

reduzir a produção de energia no organismo e de reduzir assim a produção de angústia (REICH, 1975, p.262).

Reich cria o conceito de Unidade Funcional, ou seja, a energia governa tanto a dinâmica psíquica quanto o funcionamento somático. Ambas partem da mesma fonte biológica. O pensamento reichiano mostra como a sexualidade na vida adulta tem uma função fundamental na manutenção da autorregulação. Entretanto, o caráter e a couraça muscular impedem o equilíbrio entre o acúmulo e a descarga da energia vegetativa, criando um excesso de energia represada ou estase. Esta dinâmica constitui o alimento dos sintomas neuróticos. Diagrama de demonstrativo da curva orgástica T= tensão C= carga = possibilidade de movimentos livres e involuntários do corpo O= orgasmo D= descarga R= relaxamento = equilíbrio entre o acúmulo e a descarga 2) Com acúmulo de energia entre a carga e a descarga Esta curva orgástica pode ser vista tanto em relação à sexualidade quanto em relação a qualquer emoção vivida, ou seja, sempre deveria existir a possibilidade expressiva total sem resíduo entre os movimentos de carga e descarga. Este resíduo decorre de inibições psíquicas e somáticas e constitui o que chamamos de estase. Como vimos, Reich deu passos importantes e decisivos em direção a desvendar a dinâmica psíquica vinculada ao somático e passa a intervir nesta dinâmica através de trabalhos com a respiração e movimentos expressivos, com isto afasta-se definitivamente da psicanálise e cria o que hoje chamamos de psicoterapia corporal. Através do trabalho com a couraça de caráter e muscular, busca incentivar o organismo encouraçado a voltar a pulsar, a expressar-se, dando ênfase à vitalidade e à espontaneidade encerradas sob o encouraçamento. O referencial reichiano é utilizado como ponto de apoio para muitas formas de perceber e trabalhar com o ser humano. Gerda Boyesen foi uma das pessoas que desenvolveu e aprofundou os conceitos reichianos de uma maneira respeitosa e dinâmica, trazendo contribuições originais e fundamentais ao campo das psicoterapias corporais. Precursora do uso da massagem como forma de intervir sobre a couraça muscular, Gerda enfatiza o trabalho a partir do estímulo interno, ressaltando o papel das vísceras e propondo o uso de um estetoscópio sobre o abdômen durante a massagem com o qual utiliza-se dos ruídos peristálticos como guia no processo clínico. Fundadora da Psicologia Biodinâmica, Gerda propõe dissolver as inibições orgânicas indo além de intervir somente na couraça muscular e, segundo Rego e Albertini (2010), visando também a intervenção na couraça visceral (referente ao tubo gastrointestinal) e na couraça tissular (relativa ao tecido subcutâneo), convidando assim o organismo à pulsação natural. Inovadora no trabalho com a “amizade” com a resistência, afirma a importância de respeitar e acolher o tempo de cada paciente, sendo que quando este tempo não é respeitado teremos um terreno fértil para o surgimento da couraça secundária, que visa defender o indivíduo contra a nova invasão. REFERÊNCIAS FREUD, S. (1905). Três ensaios para uma teoria sexual. Trad. Sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 1977. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.7). REICH, W. (1975). O reflexo do orgasmo e a técnica da vegetoterapia de análise do caráter.. In: A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense. p. 262. BOYESEN, G. (1986). Entre psique e soma: introdução à psicologia biodinâmica. São Paulo: Summus Editorial. REGO, R. ; ALBERTINI, P. Psicoterapias Corporais. Revista Mente e Cérebro: Edição Especial Psicoterapias. São Paulo, volume, nº1, p.99, 2010.

Acúmulo ou estase responsável pela manutenção dos sintomas neuróticos.


[1] Um dos principais elementos da teoria de Freud. Ao teorizar sobre a sexualidade infantil, Freud, modifica a tradicional definição de sexualidade, introduzindo o conceito de pulsão. Ver Obras Completas, Três ensaios para uma teoria sexual, 1905.

Compartilhar.

Sobre o autor

Deixe uma resposta