Fluxo da forma e postura da alma

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A forma externa da pessoa reflete sua disposição interna. Esta é a constatação mais simples que se encontra no coração da psicologia somática: ela foi formulada por Charles Darwin há mais de cem anos atrás. Algumas terapias somáticas, como Rolfing, tentam mudar o corpo esticando-o em um novo formato. O terapeuta trabalha de fora, re-esculpindo a anatomia em linha com sua visão do corpo ideal, alinhado com a gravidade, em um estado de desbalanceamento mínimo. Ginástica e curso de modelação dos músculos oferecem séries de exercícios pelos quais a pessoa pode procurar forçar seu corpo para atingir uma aparência que expresse melhor a maneira de como ela quer que ele seja. No ballet clássico, o dançarino pode aprender a estressar seu corpo em posições exigidas pelo coreógrafo: seu fluxo de movimento é restrito aos requeridos no roteiro da dança. Alguns padrões de trabalho ou esporte deformam o corpo quando repetidos por um período de anos: por ex. o cotovelo congelado do tenista e no joelho da dona de casa, a cãibra nos dedos de um escritor ou a figura curvada de um fazendeiro de arroz . Forma-se então uma anatomia emocional em resposta aos diferentes insultos à forma, ou os roteiros de formação do caráter: mantenha-se ereto, seja homem, dê o melhor de si, não chore , não adianta, desista, desamparo traz simpatia, se você se mostrar fraco de joelhos, ninguém irá derrubá-lo. Em contraste a estes movimentos e posturas dirigidos pelo mundo exterior, existe uma relação um tanto diferente a ser formada quando o movimento flui a partir do desejo interno. Estes movimentos estão associados à espontaneidade, brincadeira, improvisação, criatividade, dança não coreografada ou a graciosidade do esportista ou atleta que esteja perfeitamente sintonizado tanto com seu corpo quanto com o desafio externo. Está presente no ritmo do trabalho prazeroso, onde a compulsão ao aborrecimento com o trabalho rotineiro não forçou o corpo a um formato restrito. Dois impulsos nervosos padronizam nossos movimentos: o primeiro deles origina-se no córtex cerebral dirigindo-se para baixo, sendo conhecido como nervo alfa, que fornece sinais diretos aos músculos voluntários para agir. Podemos falar do sistema alfa como sendo o sistema de ação. O segundo impulso nervoso origina-se na base do cérebro dirige-se para baixo e é conhecido como nervo gama: através das fibras celulares ele dá sinais ao músculo para que se coloque no tônus apropriado: podemos chamar este segundo sistema de sistema de prontidão. O sistema de prontidão está intimamente relacionado ao humor e à intenção. Sem nos comprometermos com a ação voluntária, a nossa postura pode se comunicar com nossa atitude interna e sentimento sobre uma situação. Podemos separar a atitude da tendência do movimento. Na atitude vemos uma forma um tanto imóvel, que reflete um movimento inibido. Os ombros são mantidos elevados, a pélvis retraída é mantida para trás, impossibilitada de balançar. A cabeça empinada para um lado pode eternamente evitar um golpe. Por outro lado, na tendência do movimento, podemos ver o início de uma ação padronizada: os ombros sugerem uma insinuação de “dar de ombros”, a pélvis começa a flertar, a cabeça move-se para frente como um orador prestes a abrir a boca e anunciar sua presença para um grupo de pessoas. O movimento condicionado sobrepõe-se ao movimento involuntário, expontâneo, da mesma forma que a mente consciente sobrepõe-se à inconsciente. Trabalhar com impulsos de movimentos e permitindo mudanças expontâneas de forma é, consequentemente, uma maneira de contatar o inconsciente sem usar as palavras como um primeiro instrumento. Na Biossíntese o terapeuta está interessado em seguir e a apoiar os movimentos expontâneos, a induzir e permitir uma parte do corpo a seguir uma certa direção, para onde é convidado, não exigido, a seguir. Assim, o terapeuta procura falar e escutar o seu estado de prontidão, tom gama do músculo. Ele procura fazer contato com a alma do músculo. A alma do músculo está relacionada anatomicamente ao feixe muscular, o qual determina seu estado de tônus interno. O feixe recebe fibras do sistema nervoso vegetativo, que regula o fluxo das energias emocionais no corpo. Assim sendo, o feixe muscular anatomicamente, reflete diretamente o humor de uma pessoa. Ao tentar formular os modelos de fluxo da forma experienciados no trabalho postural somático da Biossíntese, desenvolvemos o conceito de campos motores, os quais são descritos abaixo. O conceito é elaborado sobre antigos conceitos de campos de tônus e campos de ação, desenvolvidos a partir de pesquisas no esquema corporal e no conceito de esquemas senso-motores de Piaget. Campos Motores ou esquemas afeto-motores. O embriologista alemão Erich Blechschmidt desenvolveu o conceito de campos embrio-dinâmicos para descrever os diferentes campos de força que agem no tecido embrionário quando o corpo está se formando durante a morfogênese. Blechschmidt descreveu 8 destes tipos de campos de força. No processo de desenvolvimento os principais campos motores, sozinhos ou combinados, estão envolvidos em todos os passos do desenvolvimento, do livre boiar dentro do útero, através do nascimento e amamentação, ao engatinhar, ficar de pé, pegar coisas e todas as habilidades posteriores. Por formação, eu [neste texto, “eu” refere-se ao Boadella]quero dizer que, os mesmos campos motores são necessários para rebalancear nosso tônus muscular sempre que estivermos emocionalmente estressados: o corpo tem profunda sabedoria interna, sabendo como desfazer suas tensões. Moshe Feldenkreis, o qual foi fortemente influenciado pelo professor de movimento inglês, Mathias Alexander, chamou seu método de “integração funcional”. Embora ele tenha trabalhado originalmente sem acessar emoções profundas, algumas das maneiras do praticante de Feldenkreis induzir o movimento têm uma semelhança ao modo de trabalhar de um terapeuta na Biossíntese. Feldenkreis influenciou Stanley Keleman fortemente, devido em seus ensinamentos sobre a sutileza de ler e interpretar os leves gestos e impulsos do sistema de prontidão no músculo. Oito dos campos motores são emparelhados em quatro grupos de dois. O nono campo motor não é agrupado por razões que serão esclarecidas mais tarde. Ao descrever cada campo eu tentarei dar uma idéia de sua importância e desenvolvimento sinergético, sua relação com a expressão emocional, sua ênfase excessiva ou insuficiente em certos tipos de condicionamento de caráter e sua eficácia no trabalho de terapia. Leia mais…

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