Estudo de Caso Integração com Musicoterapia Parte 3

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Em 2007 quando retomou os atendimentos, após o período de férias do setor de reabilitação, estava novamente com as pontas dos dedos comidas e com micose e utilizando canudo e chicletes para mastigar para diminuir tensão na mandíbula. A ansiedade e a raiva contida estavam explícitas. O que levou aos atendimentos com massagem mais freqüentes junto com a escuta musical, ora para reduzir o estresse, a tensão, induzindo um relaxamento corporal, bem como reduzir a ansiedade, escoando-as e se auto-regulando; ora mobilizando conteúdos para expressar verbalmente sensações, percepções, pensamentos e imagens – associação livre. E após alguns atendimentos L.H. relatava estar mais próximo dos amigos, não só jogando xadrez, mas até participando de campeonato, ensinando um vizinho a tocar violão (ele explica o que e como deve fazer), com um teclado em casa para retomar readaptando sua habilidade musical, e ganhou um computador o que também lhe ajudará no estímulo para voltar a estudar. Num atendimento, após a escuta da canção que solicitou “Meu filho não temas” – do grupo Diante do Trono (Composição: Ana Paula Valadão), em que a letra diz: Quando estou pronto a desistir, Pensando que cheguei ao fim. A Tua Mão me sustenta, A Tua Voz me orienta. Dizendo: “Não temas, Meu filho não temas”; (2x) “Eu te levanto, Eu te ajudo”; “Eu te fortaleço, Meu filho não temas…”. Levanta-me Senhor, (3x) Senhor e Usa-me… Ajuda-me Senhor, (3x) e Usa-me… Fortalece-me Senhor, (3x) e Usa-me… Ao mesmo tempo que recebe massagem na região da nuca, pescoço e mandíbula, para aliviar a tensão, relaxar e flexibilizar a couraça, reflete: Cura? Para mim… Cego é aquele que não vê o filho que está ali na sua frente, surdo aquele que o filho diz que lhe ama e não ouve e a cura por mais que tenha vontade de voltar a andar, e acredito que para Deus nada seja impossível, mas ele precisa querer… é viver até que está possibilidade chegue. LH tem fé, acredita, se fortalece em sua fé, mas não está paralisado esperando que aconteça um milagre, ao ponto de dizer que sua cura é viver enquanto tem esperança, e o que seríamos sem ela? Aos poucos participava de atividades sociais tanto na instituição como na igreja que freqüenta. Utilizando o computador em casa para digitar letras de músicas que gosta, sonhos, ver clips do Diante do Trono que gosta e lhe dá prazer. A relação com a sua irmã está mais tranqüila, mais madura, mas sente que ela tem ressentimentos pelas surras que ele dava nela quando menores. Surgiu a proposta de participar de aulas de formação de uma banda na instituição o que aconteceu por pouco tempo, mas que também o animou. Novas possibilidades, LH voltava a viver a vida. Em atendimento posterior L.H. pela primeira vez resgata parte da história de seu acidente (fatos que ocorreram e que evitava relembrar), e sua fala é tranqüila, apesar de se questionar por quê (?): “Era véspera de voltar das férias para Sua cidade. Fui socorrido por amigos. Perdi a consciência por 5 horas. Depois fiquei internado uns 8 meses, com intervalos pequenos em casa, devido a infecções urinárias.” Tive escaras grandes, na época emagreci10 Kg, me recuperei tomando sustagem. Sente-se que está mais fortalecido para trazer tais lembranças. Acredito que estas memórias foram evocadas pela intervenção das massagens, do toque, que derretendo as tensões musculares que encapsulam os conteúdos e a energia emocional, enfraqueceram a couraça muscular o que possibilitou o surgimento do material reprimido. Relata também que está sem as dores na barriga – gastrite, menos ansioso. Orientado para se auto-perceber enquanto é massageado seu pescoço e feito pequenos movimentos circulares, intensionando mobilizá-lo emocionalmente enquanto canta, orienta-se enfatizar o movimento da mandíbula para articular as palavras, uma vez que normalmente sua fala é quase sem articular – tensa. E canta Asa Branca (Dominguinhos) Letra: Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João, Eu perguntei, A Deus do céu, ai, Porque tamanha judiação […] . Novamente expressa sua dor-sofrimento diante de sua situação de vida numa música que fala de perda e sofrimento mas que não acessa a tristeza. Podendo-se pensar em uma ambivalência de sentimentos, num mascarar sua dor, sua realidade ou numa dissociação da mesma? No final do atendimento LH diz que as dores na mandíbula diminuíram e que… “Hoje foi diferente”. O atendimento seguinte aconteceu com um mês de intervalo e neste L.H. traz novamente lembranças, agora da “história de sua adoção” e ao finalizar relata que tem se sentido menos irritado e mal humorado. Em outro momento traz lembranças de antes do acidente (como diz de quando era bom). Apesar das boas lembranças quer esquecê-las. Aparecendo novamente a resistência frente o passado. L.H. estava aprendendo a lidar, a digerir seus próprios sentimentos de raiva pelo abandono tanto da mãe biológica, como dos pais adotivos com a separação e pela sua situação de vida com o acidente, a não aceitação (que aparecia nos porquês de ter acontecido o acidente) e a medida que se sentia mais fortalecido (ego), as resistências baixavam e as lembranças “esquecidas” vinham a tona, o que também o deprimiu nesta fase. Quinze dias depois reclama de dores nas costas e nos ombros e pede para relaxar ouvindo música e recebendo massagem. “É muito bom os dois, diz”. Tem dormido, mas não descansado há 3 noites, sem rotina de atividades diárias, fica deitado muito tempo, o que o deixa desanimado se descreve. Pede para ouvir as músicas do Grupo Diante do Trono, sem selecionar uma específica, quer apenas que toquem; enquanto massageio sua cabeça, couro cabeludo bem solto, os sons peristálticos estão abertos (sons como de uma bexiga esvaziando, longos e agudos), quando chego no pescoço os sons silenciam e ao voltar para cabeça retornam, fomos interrompidos pela chegada do transporte. A insônia apareceu novamente devido a situação que aconteceu com pai de amigo que morreu por uma “bala perdida”, trazendo o tema da morte e pede para cantar “É preciso saber viver”, pois sabe que a vida não é feita de ilusões, que é preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer, que é preciso saber viver e com isso que dizer continuar a viver, a ter sonhos, a não desistir, pois está vivo. E estes foram nossos últimos encontros antes das férias de dezembro. Os atendimentos foram retomados em fevereiro de 2008. Musicoterapeuta observou que seus olhos estavam muito vermelhos e L.H. disse que era em função de estar com a pressão muito baixa, o que não fazia muito sentido. Sua úlcera nervosa voltou, dizendo que o que o está corroendo era a situação de mudança de casa da mãe. Isto significava a possibilidade de L.H. ir morar só com ela e os irmãos, em um bairro distante da sua cidade, longe do pai e da tia que o cuida, voltaria para sua cidade. Mudanças, sente-se ansioso, com medo, será que ela vai cuidá-lo, como irá para os atendimentos, inseguro e cheio de incertezas sobre a acessibilidade, transporte. Perdas, pois ali estão seus amigos também e que são importantes na sua reabilitação. Ainda alimenta a esperança que os pais voltem, não quer ficar longe do irmão (pois eles se mudarão antes). Apesar de sentir paralisado frente a situação, sem ação, esperando o que pode fazer, traz também possibilidades como, o receber sua aposentadoria, comprar uma cadeira motorizada, andar de ônibus e ficar mais independente. Em trabalho de massagem com projeção de imagens induzidas, expressa como se vê hoje: Como uma árvore grande e verde, florida, em mudança de estação, que não dá frutos, é um enfeite e sombra para os outros. Mas gostaria de ser um pinheiro, este dá frutos, diz, é forte e não cai só se cortarem – Mt sente que se refere ao que aconteceu com ele, talvez se visse antes como um pinheiro que foi cortado. Enquanto recebe uma massagem de Distribuição de Energia, trabalhando região ocular (olhos), cabeça e membros superiores. L.H. respira profundamente e diz perceber que estava tenso. Sua mandíbula estava apertada, dedos roídos. Musicoterapeuta estimula-o verbalmente a sonhar, planejar para ação, a dar frutos, pois pela sua imagem apesar de se ver podendo dar frutos, sendo forte, pode ser cortado por outro (sua mãe? A situação? Deus?). No atendimento seguinte é trabalhado a auto-percepção durante a massagem utilizando a técnica Crânio-sacro, com audição de músicas de Roberto Carlos, que LH também gosta. Diz estar lidando melhor com situação da mudança porque sua mãe deixou para o ano que vem, o que lhe dá tempo para se organizar internametnte. LH descreve sensação de formigamento na barriga e pernas e sente-se mais consciente de si. No atendimento seguinte utiliza-se novamente algumas manobras da técnica de massagem crânio – sacral (CV4, abertura das meninges, polarizações e descompressão atlas), com audição de Hinos e cantos de pássaros (instrumental). L.H. canta alguns hinos que reconhece e relata após ter sentido pressão e agulhada nas costas (coluna) e novamente formigamento nos membros inferiores. Estas respostas corporais se repetiram quando utilizada a técnica Crânio-sacral o que lhe trouxe mais contato corporal e maior auto-percepção, voltando a sentir partes de seu corpo que não sentia desde antes do acidente, o que despertava sensações e sentimentos. Percebe-se uma reintegração com o seu corpo e um reapropriar-se de si. E relata sonho com o irmão menor onde vê este se afogando,reflete que sente que era a sua criança que morreu afogada, lá no dia do acidente, e percebe o quanto amadureceu pela situação do acidente, hoje não é mais um adolescente mas um jovem adulto. Em abril a mãe se mudou, mas os irmãos e ele ainda ficaram com o pai e a tia. Relaxou tanto no atendimento (Massagem com audição musical “Hinos e cantos dos pássaros), diz que parecia sonhar, estava pescando, o que adorava…, foi quando disse que seu primeiro objetivo naquele momento era voltar a estudar, depois tocar, e que participou de um dia do retiro da igreja e de um jeito diferente onde foi ajudar amigos saírem das drogas. Em vários atendimentos durante e após a massagem LH experimenta um estado de bem estar, de integração e tranquilidade o qual segundo Winnicott (in Rego, s/d) pode possibilitar um momento de fortalecimento temporário do ego, o que pode ser observado em suas falas após receber a massagem. Após período sem atendimento diz que se sentiu desanimado e associa este também a dificuldade de conseguir transporte para estudar. Afina novamente o violão com a Musicoterapeuta e retomam o hino “Deus é fiel”. Diante do Trono Composição: Ana Paula Valadão “Nem olhos viram nem ouvidos ouviram/O que Deus preparou para nós/Um futuro certo, cheio de esperança e paz, muita paz/Quero viver Teus sonhos Teus planos/Tudo o que por mim conquistaste na cruz/A Tua vontade é o meu prazer/Sem Ti nada posso/Opera em mim o Teu poder/Vê o fruto do Teu penoso trabalho/Alegra-te sobre mim (2x)/É tão bom sonhar Teus sonhos/É tão bom viver Teus planos/E conhecer a graça de pertencer a Ti/Deus fiel/É tão bom fechar meus olhos/E contemplar com minha fé/Todas as Tuas palavras/Tuas promessas pra mim/Deus fiel”. Fala do quanto gosta de ensinar a tocar os hinos e tem os usado para falar da importância de se ter fé (com referência da importância desta em sua vida). No último atendimento antes das férias de julho L.H. diz que está com dor nas costas, que anda preocupado pensando na mudança da mãe, e que tem dormido a tarde e a noite vai dormir tarde. Novamente usei manobras da massagem crânio sacral, de distribuição e contorno. L.H. relata que já faz um tempo que não rói as unhas (dedos realmente estão sem machucados), repete que por ser dia de atendimento e com massagem vai dormir bem, seu estômago não doe, até parece que não tem mais úlcera. Após descreve que as mãos formigam pela primeira vez, assim como uma dor no dedinho mínimo da mão esquerda, que não é desconfortável, e diz que faz muito tempo, desde o acidente que não sentia, as pernas formigam novamente e tem um suor nas costas que relaciona ao inchaço dos pés. Novas sensações e percepções ampliam suas possibilidades e o despertam para a vida. Alguns sintomas ainda reaparecem mesmo que de forma mais branda, assim como intercorrências de saúde como pneumonia, resfriados e infecções urinárias, o que demonstra ainda sua fragilidade, instabilidade física e emocional e o quanto as relações o afetam. LH cresceu e amadureceu ao longo de seu processo de reabilitação, está mais conectado as suas emoções, mas ainda agarrado a valores religiosos e familiares fortes com os quais tenta reerguer-se e superar seus limites. Com a proposta dos atendimentos, tento respeitá-lo e flexibilizá-lo para que se auto-regule e prossiga sua vida de forma mais saudável e integra para que possa “caminhar em direção a um maior grau de liberdade e a tornar-se sujeito de sua própria história” (Cintra, 2001) Refletindo a história de vida de LH seu processo onde integrou-se a massagem biodinâmica nos atendimentos de Musicoterapia acredito que “dentro de uma intervenção mais ambiciosa onde, veiculado pela transferência, o contato prolongado com um psicoterapeuta [musicoterapeuta pôde]proporcionar o suporte (holding), um substituto da mãe suficientemente boa que faltou.” Esse trabalho ainda não se finalizou, L.H. continua sendo acompanhado em atendimentos quinzenais quando possível. Ficando ainda em aberto questões como: A lesão reforça a personalidade secundária – couraça de caráter ou quebra o padrão? Deixe sua opinião fazendo um comentário sobre este Caso.

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