Couraças reais num mundo virtual

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Só se pode resgatar o que foi perdido ou aquilo que está encoberto, escondido. Será que o amor foi perdido ou está encoberto pela correria do cotidiano? Por tantos afazeres a serem cumpridos que mal conseguimos olhar para as pessoas ao nosso lado, nos relacionarmos com profundidade, trocarmos afeto às vezes com um simples gesto de se importar se o outro está bem? A falta de cuidado com o outro muitas vezes se perpetua na falta de cuidado consigo próprio. A correria, mais uma vez é o ator principal e o fazer milhares de coisas nos retira a possibilidade de sentir. Torna-se mais importante fazer do que sentir, produzir do que desfrutar do que se produz, destacar-se na multidão parecendo único, mas na realidade reproduzindo o que a multidão espera. A produção é necessária, mas a forma como lidamos com ela é a questão abordada; modo este que nos retira do contato afetivo com o outro e consigo próprio. Então, para que e por que nos desconectamos de nossos afetos? É possível fazer um caminho distinto? A sociedade atual, denominada por Guy Debord (1931-1994) de “sociedade do espetáculo”, é a base de tudo que descrevemos anteriormente. As relações sociais entre as pessoas são o grande espetáculo, os modos de ser e viver são expostos em uma grande vitrine. Pensemos no Facebook. O que garante o seu sucesso senão a necessidade instalada de comunicar, a partir de imagens, o que se vive, experimenta no dia a dia? As imagens falam mais do que mil palavras… e assim nos relacionamos, como em um palco de imagens que parecem a realidade vivida, mas que, ao mesmo tempo, não é. As relações são expostas em fragmentos de imagens e, ao mesmo tempo, nada sabemos sobre tais pessoas. O que sentem? O que realmente vivenciaram? Nas pequenas pílulas do dia a dia, postadas no twitter, milhares de seguidores têm acesso a informações, mas não ao modo de ser dos informantes. Não destituo tais instrumentos de seu lado positivo, mas tampouco deixo de perceber o quanto eles são vias de materialização de um afastamento entre as pessoas que já existia anteriormente. Se Wilhelm Reich fosse vivo, talvez dissesse que esta seria a nova couraça do ser humano: estar aparentemente tão exposto e tão protegido pela superficialidade… tão perto na tela do computador e tão distante no mundo real…tão aparentemente despido de defesas e ao mesmo tempo na redoma de sua casa. Couraças reais num mundo virtual. Defesas corporificadas, sim, mas escondidas por uma aparente exposição virtual. E como parece real! Mas, não é. E as relações de amor, muitas se constroem neste mundo virtual, aparentemente real, que garante uma pseudo-segurança. Nada é seguro no mundo real, mas aparece como se fosse. O virtual completa a rapidez que a sociedade demanda. Relações “flash”, descartáveis; se não for bom, é só apagar o perfil… Tudo muito rápido, sem envolvimentos. E então, retomamos o título de nosso artigo: o resgate do amor…Como resgatar algo que desconhecemos? Se necessitamos tanto do espetáculo, ficamos inebriados com a imagem e nos afastamos da vida real, como construir algo real? A realidade passa por sensações corporais, sentimentos, vida, troca afetiva, transformações, nem sempre agradáveis, mas que nos permitem viver. O mundo do espetáculo nos garante uma redoma, mas também uma falta de pulsação, de energia de vida, pois ali tudo é aparente. Para resgatar o amor, é preciso relacionar-se consigo, reconhecendo aquilo de que gostamos e também a nossa “sombra”, percebendo que temos nossos limites, defesas, mas que também podemos trabalhá-las de forma a nos tornarmos mais flexíveis e vivermos mais intensamente a vida. Para amar é preciso se permitir viver; é necessário descer do palco, retirar as máscaras, e olhar para o outro com suas dificuldades e facilidades, reconhecendo que todos nós somos humanos. O processo de psicoterapia possibilita reconhecer a si próprio: tanto as dificuldades quanto as potencialidades, integrando-as a fim de construir autonomamente as vias de acesso a um viver pleno. Nossa abordagem é psico-corporal, baseada na escuta analítica e na percepção do corpo. Autora: ADRIANA MARQUES DOS SANTOS – Psicóloga (CRP:05/21755) Especialista em Análise e Condução de Grupos pela Universidad de Barcelona, Gestalt-terapeuta, Psicoterapeuta Corporal, Pós-graduada em Psicossomática e Cuidados Transdisciplinares com o Corpo (UFF), Mestranda em Ciências do Cuidado em Saúde (UFF), especializando-se em Psicologia Biodinâmica e Massagem Biodinâmica pelo Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica (SP). SITE: www.adrianamarques.psc.br Contatos: (21) 9762-8832 / 8853-7389

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