Surto psicótico e vida social Psicoterapeuta biodinâmica

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Paciente cuja queixa é não ter vida social após surto psicótico

O caso que ora apresento refere-se ao atendimento ocorrido em clínica institucional entre 1995 e 1996, dentro da formação em psicoterapia reichiana, no Instituto Sedes Sapientiae. Foram 47 sessões supervisionadas por professores daquela instituição, com orientação reichiana (bioenergética, de Alexander Lowen e biodinâmica, de Gerda Boyesen) e após a formação, em supervisões mensais particular na mesma abordagem. A., sexo feminino, solteira, 38 anos, 1º grau incompleto, arrumadeira (doméstica), chega à clínica por recomendação do médico psiquiatra após crise de surto psicótico ocorrido há 3 anos (mar/92). É seu primeiro contato com psicoterapia. Sua queixa é de que se sente muito sozinha e apresenta dificuldade em estabelecer novos relacionamentos. “… quero melhorar, fazer amigos, não consigo me aproximar das pessoas….” Diz sentir falta do tipo de vida que levava antes da crise. Na ocasião, ficou internada por 3 semanas no HC-SP e desde então toma medicamentos diariamente – Aldol e Neuleptil – e tem acompanhamento psiquiátrico periódico. Apresenta preservados suas funções psíquicas e contato afetivo. É a 3ª filha do casamento dos pais (tem uma irmã por parte de pai, anterior ao casamento destes), são 9 com ela. Além disso, possui mais 7 irmãos do 2º casamento do pai e mais 3 irmãos do 3º casamento, totalizando 20 irmãos. Traz um pai ausente, com o qual teve uma relação afetiva precária, este privilegiava os filhos homens. A mãe era bem próxima e carinhosa. O relacionamento com os irmãos era bom, porém um tanto maternal, uma vez que desde cedo ajudou na educação destes. Não traz conflitos e problemas específicos na infância, apenas uma dinâmica complexa de uma família numerosa, com dificuldades financeiras – tiveram uma vida difícil, de trabalhos braçais. Na adolescência o marco foi a perda da mãe, contava na época com 17 anos. Sentiu profundamente a perda desta e, o relacionamento com o pai que já era precário, piorou. Despreza-o desde então, taxando-o de “safado” e “sem-vergonha”, pois após 3 semanas do ocorrido, uniu-se a outra mulher. Na fase adulta não teve muitos relacionamentos amorosos. Sua primeira experiência sexual foi aos 28 anos com um rapaz por quem nutria grande paixão, mas que não a satisfazia sexualmente de forma plena. Namora há 4 anos com outro rapaz, com o qual mantém um elacionamento “morno”. Não se sente plena com este também, mas lhe tem muito respeito e consideração, porque lhe deu muito apoio na ocasião da crise. Com esse já fez 2 abortos, o primeiro espontâneo e o segundo provocado, não se sente segura em ter filhos com este, porque é separado e tem filhos da outra família, além de achar que pode prejudicar o bebê os fortes remédios que toma. Não tem vida social e essa é uma das suas queixas principais – o resgate da vida que levava antes – Ter amigos, sair. Profissionalmente sente-se insatisfeita, não gosta do que faz atualmente – antes trabalha como caixa em supermercados, alimenta o sonho de voltar a fazer o que gosta e não mais trabalhar por obrigação. A. apresenta um bloqueio ocular e oral acentuados. O primeiro expressa-se através do “vê mas não olha”, fica como que ausente, por vezes fica com o olhar fixo, no início pensei ser controle, mas aos poucos entendi que os olhos estão pregados, colados em mim, mas não estão mais em contato; o oral verifico através de uma trava na boca, ora muito fechada, apertada, ora como um sorriso de palhaço, congelado. Observo também um bloqueio respiratório na altura do diafragma, que impede que a respiração flua para o peito. Além disso, A. possui pouco contato com o chão, os pés não se apoiam inteiramente no solo, ou estão dispostos de forma a colocar só as bordas laterais no chão ou os apoia plantando-os no chão, deixando os dedos levantados. Movimenta-se de forma lenta e pesada, a parte superior do corpo apresenta-se bastante enrijecida, da cintura para baixo tem mais mobilidade, mas mesmo assim, observo um peso ao caminhar. A propósito disso, Stanley Keleman em seu trabalho “Realidade Somática” diz que “o modo como escolhemos deixar nossa excitação se expanda e cresça, como decidimos expressá-la ou não, nos revela. Muitas vezes nos amortecemos para não mostrar excitação, por desilusões passadas ou receio de parecer ingênuos. Podemos reconhecer as variedades de excitação que as pessoas vivem pela forma que seus corpos assumem, os gestos que desenham…” A. no início do tratamento não entra em contato com seus sentimentos mais profundos, fica muito na superfície. Traz relatos do cotidiano, do quanto é explorada e discriminada. Fala do quanto nada sente, do quão “sem graça” e desinteressante está sua vida. Não traz imagens, simbolizações e sonhos “….Tá tudo ruim, não gosto do meu emprego, ganho mal…..” Levanto a hipótese de que A. defende-se do mundo através do isolamento, como uma forma de proteger-se dos ataques internos e externos. Fica claro, pois Segundo Sérgio Paulo Rouanet no trabalho “A Razão Cativa” neste mecanismo de defesa o “Ego segrega um pensamento ou uma ação, de tal forma que as conexões com o restante da vida mental são rompidas. Seu efeito é tornar incompreensível a representação, impedindo sua relação associativa com outros complexos ideacionais…….privada de sua carga afetiva e incapaz de associar-se a outras idéias” mais adiante coloca que “…..é a supressão da possibilidade de contato; ao isolar, assim, uma impressão ou atividade, o neurótico quer fazer-nos compreender, simbolicamente, que não deseja que os pensamentos que a elas se referem se toquem associativamente uns com os outros”. A. tem muita resistência em trazer a situação da crise que sofreu, no início das sessões diz não se lembrar de nada, e constantemente desvia para outros assuntos mais “seguros”, como o relato sistemático do cotidiano. W. Reich, em “Análise do Caráter” diria que “…Raramente nossos pacientes se deixam analisar desde o começo. Muitos poucos estão preparados para seguir a regra básica e abrir-se completamente ao analista. Antes de mais nada não é fácil para eles confiar imediatamente no analista…..as más experiências com especialistas da mente, em suma, toda a fragmentação secundária do ego, criaram uma situação adversa para a análise…” Meu plano terapêutico foi o de trabalhar o fortalecimento do ego, tão fragilizado. Dar suporte conduzi-la de forma a propiciar um contato consigo mesma e adquirir uma reinsersão profissional, afetiva e social com uma melhor qualidade. A partir disso, retomar as questões mais regredidas, trazer à tona a relação com os pais e verificar de forma sistemática e respeitosa sua história, identificando e trabalhando as resistências – mas tudo isso de forma cuidadosa, respeitando seu tempo e ritmo, em outras palavras ter uma atitude biodinâmica, como diria Gerda Boyesen. Quanto às técnicas não tinha nada pronto, iria lançar mão delas na medida da necessidade e “solicitação” da própria paciente. Acreditava que precisava de muito grounding, mas fundamentalmente de ser ouvida e respeitada no seu mundo tão isolado e protegido. No decurso do trabalho percebo crescer a resistência de A. em entrar em contato com seu mundo interno, por vezes cala-se e isola-se. Pontuo isso, que ali seria um espaço para aproveitar, que ali era como se tivesse indo ao dentista, se não abrisse a boca, colaborasse, não conseguiria ajudá-la, (utilizei uma imagem sugerida em uma sessão de supervisão) com certa relutância, diz não ter nada de muito interessante para falar e continua no nhém-nhém-nhém. Em meio a alguns atrasos, faltas e o constante discurso de que “não sinto nada……não há nada interessante para falar”, surge um dado novo: “sabe, pareço uma pedra, estou insensível à dor, à alegria, aos sentimentos…..” e acrescenta dizendo: “- acho que fiquei assim depois da doença” Neste momento, peço que vire e converse com a parede de concreto (a parede da sala era de concreto, rústico) A. fica muito incomodada, deprime um pouco e pergunta se pode se voltar para mim, pois estava se sentindo muito mal falando dessa forma. Proponho que levante e faça um grounding (já havia feito anteriormente, mas nada relatou sentir), coloco minhas mãos na barriga e lombar como apoio e pela primeira vez A. sente uma vibração, que sustenta – discutimos um pouco este sentir. Na sessão seguinte quando falo das minhas férias, que seria dali há 3 semanas, já havia comentado antes e A. recomeça dizendo: “não estou nada bem” Traz uma situação prática do aumento do aluguel da casa que divide com a irmã, que mora na Espanha. Traz a questão do abuso que sofre da família, fala de outra irmã que sempre pede dinheiro para ela. Fala ainda da cozinheira, colega de trabalho, dizendo que se “vingou”, pois a mesma estaria com câncer e necessitando ausentar-se do trabalho também para se tratar. Que não ficou com dó “…é bem feito, quem manda falar bobagem..” (a cozinheira teria falado mal dela por conta das ausências para se tratar). “…..as pessoas não entendiam que precisava fazer tratamento, por isso não falo com ninguém sobre isso – invento outras coisas para pensarem que está tudo bem…” Peço que deite e faço uma observação da sua respiração, está alterada, pergunto como está e A. diz estar se sentindo esquisita, o que gostaria de fazer? “- não sei”, peço que veja se tem algum movimento que queira fazer e só observo. Começa a se mexer e parece querer mexer as pernas, incentivo este movimento e A. começa a bater as pernas, meio desordenadamente, sem coordenação e aos poucos a oriento a imprimir um ritmo, faz, mas sem muita energia, e acaba por desistir na 2ª vez. Questiono-a sobre essa resignação e digo ser um espaço para reclamar também, que não precisa fazer algo que não quer. E nesse momento, remeto-me à teoria biodinâmica que propõe que o paciente seja o condutor do processo, que o terapeuta sendo passivo o paciente será ativo no processo e penso em rever algumas questões por conta da minha ansiedade de “fazer” algo, em propor trabalhos corporais para “preencher as lacunas”, os espaços vazios da terapia, por conta de uma ansiedade minha. Deparo-me neste momento então com a questão transferencial que está clara em forma de desconfiança – penso que por conta de tantos abusos e invasões sofridos. W. Reich em seu trabalho “Análise do Caráter” ”vai falar das forma das reações do ego, que difere de um caráter para outro mesmo quando os conteúdos das experiências são semelhantes, pode ser remontada às experiências infantis, da mesma maneira que o conteúdo dos sintomas e fantasias” Inicialmente surge uma transferência positiva clássica, onde A. sempre cordata, diz estar tudo bem, que acredita que poderia ajudála e assente com uma certa apatia às propostas de trabalho corporal – parecia estar contribuindo, mas havia um certo incômodo e enfado, por detrás, pois não avançava. David Boadella em “Transferência, Ressonância e Interferência” coloca que “A Transferência Positiva no cliente é uma reação que Reich considera como sendo essencial importância transpor. Escondida atrás da transferência positiva está a transferência negativa” e isso fica claro quando aparece a desconfiança. A. começa a apresentar-se resistente a entrega e depois de observado isso, fiquei atenta e procurei aplicar o que Gerda postulou num dos seus “5 Princípios Éticos” Faça amizade com a resistência…como alguém que ajuda, preste atenção à resistência no seu cliente, respeite suas manifestações contra a entrega. Saiba que se você tiver um procedimento gentil, a resistência poderá se dissolver em suas mãos – se você penetrar estupidamente, ela apenas aumentará… e você olha, você escuta, você sente, você respira, você sente……” Acredito ter podido respeitar o ritmo de A., não foi uma tarefa sempre fácil, tranqüila, dada a minha ânsia em ajudá-la, mas procurei não acelerar o processo e deixei-me conduzir, ou seja, contra-transferencialmente procurei ficar atenta aos elementos que emergiam e os trabalhei, na época, em terapia e em supervisão, elemento importante para a formação do vínculo terapêutico e desenvolvimento da psicoterapia. André Samson no seu texto “A Couraça Secundária” elucida bem este aspecto “Gerda,entre outros terapeutas e analistas, enfatizam a importância do trabalho pessoal doterapeuta em sua formação profissional…..É fazendo auto-regulação que o terapeutapromove a auto-regulação de seu paciente….. facilitar o processo de conscientização,de forma que seja feito sem que ocorram invasões e se formem novas defesas”, o que chamou de couraça secundária. A dinâmica, a ótica das sessões gira em torno do queixume, dos problemas práticos: do aluguel, da irmã que liga para pedir dinheiro – trabalho a questão dos limites, do quão difícil era para ela colocar que não pode, que não tem condições de ajudá-los e o faz, estourando-se toda. No colchão trabalho novamente a questão da raiva, batendo as pernas e vieram espontaneamente as frases: “- não enche o saco!, – não agüento mais!” Observação: espontânea também foi o bater as pernas, procurei não induzi-la a isso, como anteriormente, achei que criei uma resistência maior. Ao final desta, relata sentir-se um pouco melhor, com mais disposição. Parece que sai um pouco da paralisia, da apatia. O processo terapêutico evolui, no texto “A essência da Terapia”, Ebah Boysen elucida isso “Gradualmente, à medida que a consciência de uma pessoa ascende isso se transforma num processo de auto-regulação. Há uma limpeza constante de toxinas e compromissos que controlam e dificultam a verdade do corpo de cada indivíduo e do seu self. Cada vez mais se permite que a luz entre para alimentar a chama interna da pessoa…” A. começa a apresentar-se mais vibrante, mais cônscia dos seus sofrimentos, sentimentos e emoções. Aos poucos A. começa a falar mais sobre seu pai e surpreende-se descobrindo parecer-se muito com ele “ele era sisudo, quando fala franze aqui (aponta a testa)” Há dureza do rosto e quando proponho que intensifique essa sisudez do rosto, vem uma tristeza. Nesse momento aplico-lhe uma massagem com toque básico, com o intuito de trazer-lhe consciência corporal. Nessa, investigo os sentimentos, bloqueios, sensações, e, ao final, dou-lhe um contorno, um limite corporal. Nas próximas sessões fala bastante da relação com o pai – da raiva que sentia deste por não ter lhe dado muita atenção e do desentendimento com este após o falecimento da mãe e o posterior casamento com outra mulher. Nas próximas, retoma o assunto do abuso sofrido e a desconfiança nas pessoas. Tento aproximar-me fisicamente e a mesma afasta-se contra a parede, colocando as duas mãos sobre o abdómen. Retorno à minha posição original e sem perceber A. também, relaxa e assume a posição anterior. Em pé, fazemos o exercício da confiança – apoiadas com o corpo pendido para os lados, suportado pelos braços, soltando-se mutuamente, sem envolver forças mas para ganhar sustentação, possibilitando a entrega, confiança. A. dispara num riso, incentivo-o e ela o intensifica. “Fala da decepção, quando alguém a decepciona, põe uma pedra em cima “.. “dou risada, mas por dentro sofro…”, pergunto como é confiar estas coisas comigo, diz que ser tranqüilo, que em mim confia. Faço uma viagem neste momento que ainda não confia em mim, mas como o paciente sempre tem razão, acredito no que ela traz, por que não crer? E pela primeira vez traz a situação da crise “…..se me deixassem sentada num lugar de manhã, à noite estaria no mesmo lugar…” diz ser difícil se lembrar, mas que naquele momento veio tudo à cabeça como um filme. Nesta, ao final, faço uma observação de que era curioso trazer tanta coisa dolorosa, difícil sem sentimento, era como se relatasse algo sem importância. Fica calada. Na sessão seguinte A. começa dizendo que pensou muito no que falei na última e que chegara a conclusão de era isso mesmo ..depois disso (da crise) não conseguia sentir as coisas – nem boas, nem ruins..” Lembra da “crentaiada” que até bateu nela para exorcizar o demônio que acreditavam possuía no corpo (a irmã que a acolheu na crise era evangélica). Mas que “..engraçado, não consigo sentir ódio destes, sinto triste, mas não com raiva…” Curiosamente fala em seguida: “… agora tem uma pessoa que sinto ódio” – neste momento fica encolerizada. Diz sentir muita raiva de um primo que teria ido até a Bahia difamá-la. O tom de voz dela, a expressão facial, mostra muito ódio. Era como se ela me dissesse, e disse: olha, observe como posso sentir ódio sim. Neste momento tenho uma dor lancinante na barriga, respirei bastante a fim de abrandá-la. Sessão densa, e ao final pergunto como está e traz tristeza e culpa, esta pela dispensa da cozinheira, mas que falando comigo fica melhor. A. falta 2 sessões consecutivas devido ao fato da patroa ter precisado dela, uma vez que a cozinheira teria sido dispensada. Retomo com ela sua participação nisso, e conclui que colaborou, mas a decisão foi da patroa, após ter verificado que a cozinheira não trabalhava direito, além de maltratar uma das filhas. Em seguida, conta que vai separar-se do namorado, com quem já estava morando há agora, que estamos juntos tem se mostrado diferente” Diz que a tem hamado de “louca” e até de “puta”, que não admitiria isso, era um abuso. Já estava tudo resolvido, só iria falar com ele no final de semana, quando aponto isso, que a parte envolvida não sabia, acrescenta dizendo que nem desconfiava. Coloco a importância de verificar as questões legais, uma vez que o ap. estava no nome dos dois, por conta de juntar as rendas. A. tem trazido movimentos que apontam para um progresso afetivo, tem conseguido estabelecer vínculos, isso se evidencia quando em algumas sessões depois traz a resolução do problema com o namorado, dizendo “.. a gente se acertou, conversamos e resolvemos ficar junto…até que eu gosto do Neguinho, a gente conversou muito …” Fala também da relação com o pai, A. teria ido a sua cidade natal recentemente e relatou que foi muito bom rever o pai, os irmãos e que não tinha sido tão ruim, conseguiu conversar com o pai e não teve tanta dificuldade nisso. Tem ido regularmente ao médico psiquiatra que teria retirado uma medicação, só estariatomando Neuleptil. Tudo isso emergiu após uma grande lacuna na sessão, onde novamente nada tinha de interessante para falar, em face de isso, propus um exercício com as articulações: movimentação passiva dos braços e pernas, rotação, a fim de circular a energia estagnada. Algumas sessões depois A. diz: “… ah, queria te perguntar uma coisa: – Você acha que melhorei neste tempo que faço terapia?” Devolvi a pergunta a ela. Demora um pouco e após diz que sim, que em algumas coisas mudou, que consegue ver melhor, outras não. Mas que estava bem melhor “….estou com saúde” Questiono a que saúde se refere e diz ser saúde mental (não com estas palavras), fala da “doença” Que depois que começou fazer terapia não tem sentido muito doente “… não tenho tido pensamentos ruins…” Afora isso, diz que tem coisas que estão diferentes, “… estou brigando muito…tem um casal de velhos onde trabalho que pede umas coisas…não sou paga para isso, acho um abuso…não me tem respeito” Em uma sessão de supervisão, quase no início do atendimento, o supervisor orienta-me para eu identificar as resistências e trabalhá-las. Sugeriu-me conversar com o psiquiatra e/ou acompanhar de perto o tratamento da paciente: a medicação e as idas periódicas ao médico. Também sobre a questão de A. não colaborar, fazer uma analogia de psicoterapia e tratamento dentário, precisa colaborar em ambos, se não abrisse a boca, se não falasse, ficaria difícil ajudá-la. Além disso, sugere que eu convide a paciente, a traga para a terapia, pedindo para ela tirar a “máscara”, por exemplo – foi quando me ocorreu o exercício da conversa com a parede de concreto, pegando um gancho na própria fala da paciente de sentir-se como uma pedra. Na sessão seguinte pede para sair 10 min mais cedo se pode – digo que sim, que o horário é dela se acha importante sair, tudo bem. Dá um sorriso e diz que quer ver o jogo do Brasil. Diz não ter muita coisa importante para falar, mas que é diferente dessa vez, que é para eu não ficar chateada, mas que cansou de vir a terapia – tudo bem, falaremos sobre isso melhor eu digo. Acredito ser um bom momento para pensar numa alta, uma vez que quando A. procurou a terapia trazia a seguinte queixa: sentia-se muito sozinha e apresentava dificuldade em estabelecer novos relacionamentos, queria melhorar, fazer amigos. Não conseguia se aproximar das pessoas e dizia sentir falta do tipo de vida que levava antes da crise. Agora trabalhada algumas questões das expectativas dela observo um sensível progresso de vários aspectos que a própria paciente identificou ao longo deste processo. Trabalhamos 2 sessões sobre o encerramento do processo e conclui com um sentimento de que A. estava bem mais fortalecida, caminhava para um momento bom de vida, já ao final trazia um movimento de expansão maior, quando considerava a possibilidade de voltar a procurar emprego em “firma” “… vou fazer algumas fichas em supermercado que soube que estão pegando como caixa”. Chegou a pedir-me indicações de livros para ler, que teria lido um emprestado na casa onde trabalha e gostou, isso denota elaboração mental e simbolizações em crescimento. Relata ainda que tenha tido mais vontade de ficar em casa vendo TV com o Neguinho – antes não saía de casa por medo, se via TV, não se concentrava, nada a alegrava. Face ao exposto, propus alta, coloquei-me a disposição e disse que caso sentisse necessidade era só procurar-me. Em suma, percebi que A. aprendera a se auto-regular, a propósito disso no livro “Cem Flores para Reich”, o autor coloca que Reich retoma o princípio de auto-regulação como presença concreta, original, eficaz: Quando consegue prescindir em certa medida das resistências e inibições neuróticas, das pesadas sublimações morais, da angústia sexual, descobre no indivíduo uma capacidade maior para autonomia, para a realização de equilíbrios dinâmicos, flexíveis, uma melhor regulação – auto-regulação – de sua existência – no trabalho, no amor, nas suas relações com os outros.

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