AGRESSIVIDADE INFANTIL

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Projeto de massagem no Abrigo – Meu corpo é minha casa A psicoterapia corporal biodinâmica considera que nosso corpo é nossa casa, assim desenvolvemos um projeto para fazer massagem em crianças abandonadas pelos pais e que desenvolveram comportamentos agressivos para se defender das pessoas no mundo. A massagem pode produzir vários efeitos benéficos como: alivio de dores físicas e emocionais, maior integração psicossomática melhoria na autoestima e o restabelecimento de vínculos confiáveis entre seres humanos. Esse projeto foi realizado por alunos de Psicologia Biodinâmica e devidamente supervisionado. Relatamos aqui 2 casos: Marco e Bela. Local: Lar Escola, ligado a uma instituição Espírita, que existe desde 1963. A casa tem 22 funcionários, dentre eles, uma psicóloga e uma assistente social. A Diretora é psicóloga e desenvolve trabalhos interessantes, além de ter uma relação com as crianças muito afetiva, sem deixar de colocar os limites. Atualmente, a casa conta com 14 abrigados entre crianças e adolescentes. Demanda da massagem: As crianças quando contrariadas, ficam extremamente agressivas e têm destruído a casa. São crianças que foram retiradas de suas casas por inadequações dos pais, falta de cuidado, ou foram abandonadas porque são doentes. Algumas já foram adotadas e devolvidas. I – Caso Marco Histórico do paciente: O paciente será chamado de Marco. Ele tem 13 anos, faz psicoterapia e acompanhamento com psiquiatra. Toma Leptil há 4 meses, para controlar a agressividade, agitação e irritabilidade. Ele tem 2 irmãos. O mais velho tem 15 anos, um comportamento mais tranquilo e não está no abrigo. O mais novo tem 12 anos, está no abrigo e hoje aceita mais carinho, pois no começo era mais arredio aos abraços. O pai dos garotos é drogadito, a mãe foi assassinada quando eles eram bem pequenos, pois ambos tinham envolvimento com o tráfico de drogas. As crianças foram logo cedo para abrigos. O anterior a este fechou. Lá eles tomavam Ritalina. Eles estão atrasados na escola. Marco no abrigo já quebrou todas as fechaduras, interruptores e fez buracos grandes nas paredes da casa. Por conta do seu mau comportamento, não participava dos passeios nos finais de semana. Data: 15/08/14 Cheguei ao local, e precisei me identificar como a voluntária da massagem. A cuidadora G. abriu a porta e me disse que havia chegado na hora da troca do turno. Ela me perguntou em quem eu iria fazer, eu disse que o combinado com a diretora do abrigo seria o Marco. No mesmo instante ela fez uma expressão de dificuldade e disse que ele teve um dia difícil na escola, que havia tomado remédio e estava dormindo. A outra cuidadora V. que estava próxima, disse para acordá-lo, eu perguntei desde que horas ele estava dormindo ela me disse que desde às 16h. A cuidadora G. me disse que eu poderia fazer em outra criança e na semana que vem faria em Marco. Respondi que não poderia, porque teria que ser a mesma criança todas as semanas. Ela então, me deixou e foi acordar o Marco. Fui atrás e ela o acordou me apresentando como a ‘Tia Ananda’ que iria fazer massagem nele e se ele queria. Prontamente disse sim e se levantou. Disse olá e perguntei se ele gostaria de conhecer esse trabalho, respondeu que sim. Perguntei a cuidadora onde ficava a sala e ela me disse que era no andar de cima. Pediu para o Marco me mostrar o local. Ele saiu da sala e subiu para o andar de cima rapidamente. Perguntei se a sala estava aberta, a cuidadora foi procurar a chave, depois de um tempo ela conseguiu e me acompanhou até a sala.. Ao chegar lá, Marco já estava na porta. A outra cuidadora pediu para ele buscar o colchonete que estava em outro lugar. Pedi a cuidadora G., papel sulfite. Ela procurou comigo na sala e encontrou apenas um pouco de papel pardo. Neste momento, Marco chegou com o colchonete e começou a desembrulhá-lo do plástico. Eu pedi para ele deixar porque iríamos neste primeiro momento nos conhecer, conversar um pouco. Ele parou e pedi para ele se sentar comigo. Ele não me olhava nos olhos, bocejava muito. Apresentei-me, falei que meu nome era Ananda e que era voluntária para ajudá-lo a se conhecer e que iríamos fazer alguns exercícios e atividades para que ele pudesse perceber melhor seu corpo. Perguntei se ele sentia sono, respondeu que não, se estava disposto a fazer uma atividade de desenhar uma pessoa, respondeu que sim, que gosta de desenhar, mas que não é muito bom. Eu disse para ele fazer da melhor maneira possível que estaria ótimo. Ele me respondeu que iria precisar de uma borracha e imediatamente se levantou para procurar. Eu respondi que tinha uma em meu estojo. Marco voltou e depois que coloquei a borracha na mesa, começou a desenhar. Debruçou-se sobre a folha, com o braço em cima tampando o que desenhava. Fez primeiro a cabeça, mas logo disse para mim: Olha tia, está feia, né? Eu respondi: Por quê? Ele não respondeu, pegou a borracha, apagou e continuou o desenho. Depois fez o pescoço, no tronco disse que precisava de uma régua. Procurou-a no armário que estava atrás dele. Fez o tronco, o short, as pernas. Primeiro fez pernas com linhas bem fracas, espessura fina bem menor que a largura do short. Novamente ele me pergunta: “está feio, né tia?” Eu respondi: “por quê?” Ele apagou as pernas, desenhou um pouco mais largas que as anteriores, com traço mais firme e fez os pés. Depois fez os braços, foi da mesma maneira que as pernas, primeiro com os traços finos e espessura fina, dessa vez, sem falar nada, apagou e desenhou os um pouco mais largos e com traços mais fortes. A seguir fez os olhos, nariz, um sorriso, um topete e na linha acima do shorts ele escreveu a palavra ABECOBE. Então ele disse que havia terminado. Eu disse que havia ficado muito bom o desenho dele e perguntei o que estava escrito ele me disse que era a marca da camiseta. E perguntei se o short tinha marca, respondeu que não. Perguntei se podia fazer algumas perguntas do desenho. Disse que sim. Perguntei se era um homem, disse que sim. Qual a idade dele? Ele respondeu que 13 anos. Quem era ele? Juan. O que ele estava fazendo? Nada. Perguntei se ele imaginava alguma coisa? Disse que não sabia. O que ele estava sentindo? Disse que estava feliz. Eu disse: “ é verdade, ele está com um sorriso no rosto”. Perguntei se ele estava preocupado com alguma coisa? Disse que sim. O que? Com a mãe dele. Ele tem muitos amigos? Sim. Mais velhos ou mais novos? Mais novos. Qual idade deles? 10, 11 e 12 anos. O que ele quer da vida? Jogar futebol. Ele gosta de jogar? Sim. Qual a melhor qualidade dele? Eu não sei o que é qualidade. Qualidade é uma coisa boa que ele tem. O que ele tem de bom? Eu não sei. Você não imagina? Não. Ele nem mora aqui. Ele mora aonde? Ele mora na casa dele. E com quem ele mora? Com a mãe e o irmão. E o que ele tem de ruim? Eu não sei. Que parte do corpo ele mais gosta? Eu não sei (ele me respondeu com uma cara de espanto e me olhando nos olhos). Você nem imagina? Ah… eu acho que os braços. E a parte mais feia? (relutante em responder) A parte de baixo. Que parte de baixo? A parte de baixo. Ele apontou no desenho para a região do pênis. Perguntei: Por quê? Porque é feia. Depois disso pegou o lápis e começou a pintar os pés e depois as mãos do desenho. O que você está pintando? As luvas dele. Porque as luvas? Ele vai para escola de luvas, porque está com frio. Parou de pintar e ficou mexendo nas próprias mãos, tentando estalar, sem me olhar. Eu disse você está com frio nas mãos? Sim. E nos pés? Não. (estava de meias, calça jeans e camiseta). Então propus a ele para esfregar as pontas dos dedos das mãos na palma da outra mão para sentir se estava esquentando. Eu fazia o movimento e ele copiava. Depois que ele sentia que estava “queimando”, colocava em sua bochecha e dizia: Nossa esquentou! Fizemos assim, com a mão direita e esquerda (ele me disse que com a esquerda era mais difícil) fizemos com as palmas das mãos, com os dedos dobrados. Perguntei se estava gostando, respondeu que sim. Nesse momento olhava para o que eu fazia e repetia, riu algumas vezes. Disse-me que estava com dor (e apontou para a região do punho). Perguntei se ele sabia o nome, disse que não. Eu disse que era o pulso, e que ele podia com as pontas dos dedos, fazer um movimento circular nessa região. Eu fazia em mim e ele copiava nele. Depois fizemos com as mãos fechadas, movimentos rotativos, depois alongamos os braços com a palma para baixo e depois para cima, dos dois lados, direito e esquerdo. Sugeri o movimento de soltar as mãos e os dedos, ele me disse que doía. Pedi para parar e voltar a fazer o movimento circular com o punho. Ele fez, pedi para colocarmos as mãos apoiadas na mesa, soltar a mão, fazer o movimento bem devagar, vi que ele enrijecia o ombro e o antebraço. Então sugeri, para ficarmos em pé, soltar os braços, os ombros, o pescoço, girando devagar, deitando a cabeça de um lado para o outro, nesse momento ele disse, nossa meu pescoço estralou, minha cabeça também. Eu disse: ‘nossa que legal, vamos ver se mais alguma parte do seu corpo estala?’. Soltamos os braços, ele quis fazer um movimento com uma das pernas, chutando para o lado. Eu repeti o movimento e disse isso vamos deixar o corpo fazer um movimento. Eu sugeri, vamos nos espreguiçar, erguendo os braços para cima, abrindo os braços, tentando pegar a parede, ele foi de lado até a parede e encostou, ai eu disse agora vamos tentar pegar, sem sair do lugar, com as pernas juntas, agora com as pernas abertas. Fizemos algumas vezes e depois juntos soltamos as pernas e os braços. Disse que o horário havia chegado ao fim, mas que na semana que vem voltaria no mesmo horário e faríamos mais movimentos com o corpo. Ele me acompanhou até a porta. A intenção que coloquei durante a sessão foi: eu estou presente, busquei uma oportunidade de ajudar Marco a conhecer o seu corpo, de uma maneira bem divertida. Data: 22/08/14 Quando eu cheguei, ele estava na casa, foi pegar a chave e subiu correndo até a sala, perguntei se queria receber uma massagem, concordou, já pegou o colchonete e deitou-se em decúbito dorsal. Sentei do lado esquerdo e comecei a fazer deslizamentos do ombro até as mãos, depois amassamentos dos ombros até as pontas dos dedos. Durante a massagem ele observava tudo, repeti esses movimentos também no ombro, braço e mão do lado direito. Depois sentei atrás da cabeça para massagear o rosto, neste momento, ele não podia mais me observar e verifiquei que ele enrijeceu, a respiração diminuiu muito. Então parei e voltei ao lado esquerdo dele, olhei e perguntei como se sentia, ele respondeu que bem, sugeri se podíamos sentar um pouco, ele concordou, imediatamente ele já levantou e decidiu mostrar para mim o álbum de fotos dele e dos irmãos. Vimos as fotos e depois encerrei o atendimento. Esta sessão durou 30 minutos, sendo apenas 10 minutos de massagem, coloquei a intenção de estar presente e de ele poder descansar naquele momento. Data: 29/08/14 Ao chegar na Casa, as cuidadoras não sabiam me dizer onde estava o paciente ele havia saído de tarde e ainda não retornado. Passado 10 minutos, ele chegou, e uma das cuidadoras deu uma ‘dura’ nele na minha frente, na recepção da casa, após a bronca, ele foi para a sala se juntar com as outras crianças. Fui até ele e perguntei se gostaria de receber massagem, ele levantou-SE, pegou a chave da sala e subiu sem falar nada. Fui atrás dele, entramos na sala, ele já pegou o colchonete e se deitou. Sentei-ME ao lado esquerdo dele e comecei a fazer massagem na mão e nos dedos, com deslizamento e amassamento. Depois fui subindo fazendo amassamentos nos braços, ombros e pela lateral do tronco, descendo pelas pernas. Neste ponto, me disse que um cachorro havia mordido SUA perna bem na panturrilha, sentou-se e me mostrou as marcas. Perguntei como tinha sido. CONTOU QUE ele estava na rua, com outros meninos, e um cachorro foi atrás deles, e conseguiu morder a perna dele, ele usava calça jeans. Eu disse que depois da massagem, precisava tomar banho e lavar com sabão a região para não infeccionar. Fiz o amassamento também do lado direito do ombro até os pés, ele observava tudo. Ao voltar ao lado esquerdo, ele aceitou deitar de costas e pediu um pouco nos ombros, fiz amassamentos e deslizamentos pelas costas, desci PELAS pernas, quando cheguei aos pés, ele começou a dispersar. Olhando as coisas que estavam na estante e procurando algo para mexer. Nesse momento, parei de fazer a massagem e perguntei como estava se sentindo, ele respondeu que estava bem. Ajudou-me a guardar o colchonete e a fechar a sala. Nessa sessão a massagem durou 30 minutos, fiz com a intenção de estar presente, sem julgamentos, buscando proporcionar um momento de descanso e amor. Data: 05/09/14 Na rua ao me aproximar da casa, vi que o paciente estava no portão do lado de fora com outras crianças e um cuidador, quando me viu, ele gritou: “Vamo tia!” e foi ao meu encontro correndo e com braço direito me abraçou, me acompanhou abraçado até dentro da casa. Ele estava alegre, perguntei como estava ele disse que estava bem. No caminho até a sala me contou que estava com as mãos frias (esfregando uma na outra), eu disse que na sala iríamos esquentar as mãos. Ele foi atrás da cuidadora para pegar a chave da sala, enquanto eu esperava na recepção, um garoto da casa, o nome dele é F., idade entre 5 e 6 anos, abraçou minhas pernas e pediu para eu fazer massagem nele, quando o paciente se aproximou e viu, gritou com F. dizendo: “Você não vai, você não vai subir, fica aqui”. Na sala, me ajudou a colocar o colchonete no chão e se deitou, perguntei onde queria a massagem, ele me mostrou as mãos, comecei na mão direita, apenas segurando, mas logo ele se dispersou, então me lembrei que na semana anterior ele havia mostrado a panturrilha com a mordida do cachorro, perguntei como estava esta semana, se havia melhorado, ele disse que sim, mas que coçava muito e mostrou, estava formando as casquinhas das feridas, expliquei que a coceira era por causa da cicatrização, então ele começou a tirar, pedi para ele não fazer isso, porque iria marcar a pele dele e sugeri se eu podia massagear em volta para tentar aliviar a coceira, ele concordou. Fiz um pouco de amassadura nas panturrilhas e nas pernas, ele observava tudo, fiz também deslizamentos até os tornozelos. Fiz um pouco de polarização no joelho e no tornozelo, joelho e na lateral do quadril, depois da lateral do quadril e tornozelo. Perguntei como ele estava se sentindo, disse que sentia dor no pescoço, tirou a blusa de frio, ficando só de camiseta. Deitou em decúbito ventral, comecei a fazer amassamentos no pescoço, deslizamentos pelo pescoço, ombros, braços, cotovelos até as mãos. Depois fiz pequenos movimentos circulares em cada vértebra da coluna, fiz um deslizamento do pescoço até a lombar passando pelas vértebras. Fiz deslizamentos contornando as escápulas, do lado esquerdo e do lado direito, contornando as costelas no sentido do centro para as laterais. Também fiz polarização no pescoço e região do quadril. A massagem, fiz com a intenção de estar presente, junto com ele, com sentimento de amor e que naquele momento ele podia descansar. Marco conseguiu dormir por 5 minutos, durante o sono, parei de massagear, sentei-me ao lado esquerdo dele esperando que acordasse. Quando acordou, olhou assustado para mim e logo se sentou. Perguntei como se sentia, disse que estava bem. Levantou-se, vestiu a blusa e me ajudou a guardar o colchonete. Esta sessão durou 40 minutos. Data: 12/09/14 Quando cheguei na Casa, Marco estava na recepção, me viu e subiu correndo em direção a sala para receber a massagem, percebi que ele estava com o semblante mais fechado. Na sala perguntei como estava e ele me respondeu que não havia ido à escola, pois teve dor de cabeça o dia todo, perguntei se tinha algum lugar em que ele gostaria de receber massagem, pediu nas costas e nas mãos. Após colocar o colchonete no chão, já se deitou em decúbito ventral, fiz movimentos circulares nas costas e deslizamentos que foram do pescoço até a lombar, depois do pescoço até as mãos. Após vinte minutos de massagem, o paciente pediu para dormir um pouco. Esta sessão durou 30 minutos. Durante toda a sessão, outro garoto de nome F., gritou e chorou, nos corredores, bateu na porta da sala em que estávamos, até que uma das cuidadoras o levou para o quarto ao lado da nossa sala e o deixou de castigo, este menino gritava que não queria ficar sozinho, que já tinha pensado que ele queria sair do castigo. Foi uma sessão bem difícil para mim, senti muito aperto no coração, mas ao mesmo tempo colocava a intenção na massagem e no ambiente de paz e amor, para que todos pudessem se sentir amados e acolhidos. Data: 19/09/14 Como de costume, cheguei a casa, no horário agendado, o paciente estava na sala com as outras crianças, ele me viu e subimos juntos para a sala. Estava muito alegre, vital e solto. chegando lá, colocamos o colchonete no chão, perguntei como ele se sentia, disse que bem. , Sugeri fazer uma atividade com o corpo dele, deitado, em decúbito frontal, tinha que deixar o corpo bem mole, e então eu pegava uma perna dele segurando pelo tornozelo e levantava devagar, eu levantava e descia em um ritmo até que de repente, um pouco mais baixo, eu soltava sua perna. Nessa atividade ele riu muito, dava gargalhada, achou muito engraçado, fiz na outra perna e novamente riu muito, e a pedido fiz mais vezes em cada perna. Nós dois nos divertimos muito com essa atividade, na verdade eu fazia os movimentos da massagem lifting, com movimentos passivos, mas dinâmicos, pois o paciente estava vital, alegre e eu queria que ele continuasse nessa vitalidade, porém relaxando, por meio da movimentação passiva, foram movimentos bem lúdicos e vitalizantes. Fiz também nos braços, segurando no cotovelo e pulso, levantando, fazendo algumas rotações, levantava e subia e depois soltava. Após realizar as manobras nos membros inferiores e superiores, fiz tapotagem, com as mãos em formato de concha, nos membros superiores e inferiores. Foi uma sessão mais solta, divertida e bem relaxante para nós dois. Data: 26/09/14 Cheguei na Casa, o paciente estava na sala de estar vendo TV, me viu e já subiu para a sala para receber a massagem. Subi atrás dele, quando entrei, ele já estava colocando o colchonete no chão. Perguntei como estava e me respondeu que estava triste, pois o garoto F. tinha ido embora do abrigo, ele foi morar com um parente dele em outro Estado. Perguntei se ele queria receber massagem, ele disse que sim e nas costas, deitou imediatamente, fiz deslizamentos, do pescoço para os braços, do pescoço em direção a lombar pelas vértebras da coluna, num ritmo lento e presente. Com a intenção de amor, presença, acolhimento, ele olhava para o lado direito e eu estava sentada do lado esquerdo. Marco não dormiu, e estava introspectivo. Não disse nada, apenas olhava para um ponto, como se estivesse longe. Perguntei se ele queria receber massagem nas pernas, respondeu que não, só queria nas costas, respeitei-o, e continuei massageando, até o término do horário da sessão, que durou 50 minutos. Data: 03/10/14 Quando entrei na casa, Marco estava agitado, me viu e juntos subimos para a sala, após nos acomodarmos, perguntei como estava, disse que bem, me mostrou novamente as marcas das mordidas do cachorro, nas panturrilhas. Perguntei se ainda sentia dores, disse que não, que estava tudo bem, fiz um pouco de amassamentos nas pernas, mas percebi que ele estava se dispersando. Perguntei se queria que parasse de massagear, ele disse que não, mas pediu nas mãos. Eu estava sentada do lado esquerdo dele, então comecei a fazer amassamentos nas mãos, ele me olhava, e aos poucos fui reduzindo o ritmo e mudando para movimentos de deslizamento na mão esquerda. Nesse momento, seus dedos começaram a fechar, como se quisessem pegar os meus, mas sem força, ficamos nesse movimento leve, lento de massagear apenas os dedos, parecia o movimento de um bebê, tentando segurar os dedos dos adultos, mas só brincando de leve. O paciente alternava o olhar para esse movimento, em nossas mãos, e para os meus olhos, fui percebendo que ele foi se aquietando, sua respiração estava aberta, num ritmo lento, mas constante. Seu olhar estava entregue ao movimento, minha intenção era de amor. Ficamos assim por alguns minutos, depois coloquei minha mão sobre a dele. Senti um amor tão grande dentro de mim, que parecia transbordar, havia uma troca tão intensa e pacífica entre nós que ficamos assim nos olhando, respirando juntos, sentindo essa emoção por algum tempo. Distanciei minha mão da dele, vagarosamente, ele foi se espreguiçando lentamente. Não falamos nada. Levantamos-nos arrumamos a sala e fui embora. Ao sair da casa, sentia ainda dentro de mim, uma abundância de amor, um entendimento do meu propósito de vida, em amar as pessoas e um sentimento de gratidão por ter vivido esse momento tão especial. Data: 10/10/14 Fui apreensiva ao abrigo, pois precisava informar ao paciente que esta era nossa penúltima sessão, que conforme conversamos na primeira, teríamos apenas 10 encontros, e hoje era o nono. Cheguei na Casa e fui informada pela cuidadora que a sala que sempre utilizávamos para a massagem estava cheia de coisas, pois um outro cômodo da casa estava em reforma, por causa disso eu teria que fazer massagem no paciente no quarto dos bebês. As outras crianças juntamente com o paciente estavam bem agitadas e alegres. Fui com a cuidadora ver esse quarto, tinha espaço, mas o único inconveniente era que a porta não tinha chave e não poderia ser trancada. Concordei em fazer lá. O paciente veio até mim. Juntos tentamos encontrar uma maneira de manter a porta fechada, pois as outras crianças queriam entrar e receber massagem também. Colocamos alguns móveis na frente da porta, para impedir que outra criança entrasse, algumas tentaram e eu tive que reforçar a importância delas não entrarem, até que elas pararam e tivemos certeza de que não seríamos incomodados. Marco estava alegre e agitado, perguntei como tinha sido sua semana. Ele me contou que estava bem. Informei a ele sobre a chegada do fim dos nossos encontros, pois nosso acordo era de 10 sessões e aquela era a nona. Ele me perguntou se podíamos continuar eu disse que não, pois eu morava muito longe e estava muito difícil ir até lá por causa do meu outro trabalho. Ele pareceu entender, começou a mexer no meu celular que estava ao meu lado, tirou uma foto dele, uma foto minha, me pediu para dar o celular para ele. Disse que não podia fazer isto. Pedi para ele refazer o desenho que fez na primeira sessão, desenhar uma figura de uma pessoa. Desenhou um menino também, mas maior, com braços mais abertos, as mãos e os pés não estavam pintados, a espessura do pescoço estava menor e o corpo rígido ainda apresentava tensão. Perguntei se ele queria receber massagem, disse que sim e nas costas, comecei com amassamentos, depois fiz deslizamentos, mas ele começou a dispersar, perguntei se queria que eu parasse, disse que não, virou-se em decúbito frontal e me pediu nas mãos, fiz amassamentos e deslizamentos. Quando terminei os dois braços ele começou a dispersar e me mostrar alguns brinquedos que havia no quarto. Olhei cada brinquedo que ele me mostrou e depois disse que nosso tempo havia terminado, mas que voltaria na semana seguinte para nosso último encontro e que poderia RECEBER MASSAGEM SE QUISESSE. Data: 17/10/14 Cheguei na casa, e fui informada pela cuidadora que Marco havia saído a tarde e não retornara até o momento. Ele tinha uma atividade às sextas-feiras a tarde, mas sempre voltava para o jantar e receber a massagem, mas naquele dia ele ainda não havia retornado. Ninguém sabia onde ele estava. Aguardei por 50 minutos, MAS ele não apareceu. Pedi para cuidadora avisá-lo que eu fui até a casa e esperei por ele. Talvez tenha sido difícil para Marco vir ao nosso ultimo encontro, mas tenho a certeza de que fiz o melhor que pude neste cuidado terapêutico. Conclusão:No atendimento ao paciente Marco, no abrigo, observam-se fundamentos da Massagem Biodinâmica. Um dos desafios no atendimento foi à definição de um lugar com privacidade para realizar as massagens dentro do abrigo, sabemos a importância de estabelecer um ambiente acolhedor, calmo e estável ao paciente, como dito no livro O toque na psicoterapia – Massagem Biodinâmica:

“Muitas vezes não dispomos das condições concretas ideais, mas mesmo assim é possível realizar um bom trabalho, já que o ambiente emocional é o mais importante do que o ambiente físico. Além disso, o terapeuta em si condensa ambas as dimensões, física e emocional: seu gesto e seu olhar são também lugar…(BORGES, 119)”

Por meio das técnicas corporais da Massagem Biodinâmica foi possível ao paciente experimentar em um setting (um lugar seguro e confiável) diversas sensações tais como: ser acolhido, protegido, contido e vinculado, permitindo uma contribuição ao processo de integração psicossomático, o bem-estar de ser ele mesmo e resgatando sua espontaneidade. Durante o tratamento, a terapeuta buscou se adaptar ativamente ao ritmo e às necessidades do paciente, respeitando a sua singularidade e o momento transferencial e contratransferencial da relação, esta postura terapêutica se baseia nas pesquisas e observações clínicas do pediatra e psicanalista D.W. Winnicott que formulou um modelo de atendimento baseado nas necessidades do ser humano em que o terapeuta, à semelhança da mãe suficientemente boa, cuida do paciente – mais atento às questões do holding e do manejo no setting do que às interpretações dos desejos do sujeito. Por glória Cintra no artigo Gerda Boyesen a mãe suficientemente boa publicado no site www.massagembiodinamica.com.br Winnicott, no livro Consultas Terapêuticas, também aborda a importância da confiança que a criança mostra ao terapeuta em uma ou algumas entrevistas, ele diz

“… nesse papel de objeto subjetivo, que raramente sobrevive à primeira ou às poucas primeiras entrevistas, o médico tem uma maior oportunidade de estar em contato com a criança. Se desperdiçado, a confiança que tem a criança de que será entendida, é prejudicada. Se, por outro lado, é utilizado, então a confiança da criança de que será entendida é fortificada. Haverá aqueles casos em que se faz um profundo trabalho na circunstância especial da primeira entrevista (ou entrevistas) e as mudanças resultantes na criança podem ser utilizadas pelos pais e aqueles que são responsáveis no meio social imediato, de modo que, considerando uma criança com dificuldade em relação ao desenvolvimento emocional, a entrevista resultará na dissolução da dificuldade e num movimento progressivo no processo de desenvolvimento.”

A Massagem Biodinâmica é mais do que uma técnica. Em sua prática, a arte e a ciência da massagem, envolvem terapeuta e paciente. O terapeuta escolhe a técnica e a forma como será aplicada, e o paciente entra com a sua receptividade. A relação terapeuta-paciente deve ser de confiança, de escuta, de empatia, de respeito e harmonia. A receptividade do paciente e a intenção do terapeuta, sua firmeza, sua tranquilidade e sua “força calma” influenciam na pressão do toque, no ritmo da massagem, afetam a resposta fisiológica e psicológica do tratamento e determinam seu efeito – são fatores importantes no transcorrer do tratamento, para que o objetivo terapêutico seja atingido, observado no artigo Psicofisiologia da Massagem, por Rocilda Schenkman. No livro o Toque na Psicoterapia – Massagem Biodinâmica. Caso Bela Histórico atual da paciente: A paciente será chamada de Bela. Tem 12 anos, faz psicoterapia e faz acompanhamento com psiquiatra. Foi diagnosticada como bipolar e medicada com Certralina e Respiridona. A paciente apresentava comportamentos agressivos, extremamente desconfiada de tudo e principalmente descrente do tratamento em psicoterapia. Havia sido abandonada pela psicoterapeuta anterior que a encaminhou a um psiquiatra que receitou os medicamentos a Bela. A psicóloga alegou ter abandonado o caso dizendo que não dava conta da agressividade de Bela, depois de ter sido agredida até fisicamente pela menina. Este tratamento durou de agosto de 2014 a fevereiro de 2015, num total de cerca de 20 sessões. O contrato inicial foi de 10 sessões de 1hora cada, mas acabei tomando 01h30min por sessão para dispormos de tempo para o contato inicial, conversas e finalização a cada encontro. Precisávamos desse tempo calmo para uma sessão ser completa com começo meio e final tranqüilos e sem uma demarcação rígida com o tempo muito limitado de somente uma hora. Depois dessas 10 sessões iniciais, refizemos o contrato de mais 10. Totalizando 20 atendimentos com 30 horas de trabalho terapêutico. A cada contrato desde as 10 iniciais deixava explicado a Bela o que estava acontecendo e que em algum momento o tratamento chegaria ao fim. Tivemos que limitar também o tempo das sessões, pois ela queria estender e ficar conversando ou brincando ou tomando lanche ou qualquer outra atividade que tomasse ainda mais tempo, sendo assim necessário que buscássemos entendimento para limitar o atendimento em no máximo 1h30min. Bela Se abriu para o contato e sua demanda era grande, fomos construindo limites e aos poucos ela foi se adaptando, à duração das sessões no tempo combinado. Utilizei basicamente os seguintes recursos técnicos: 1- Desenho para que ela se descrevesse, e pudesse mostrar algo sobre si mesma sem uma invasão minha e com uma atividade conhecida por crianças e tranqüila para adolescentes. Foi um recurso usado para que eu soubesse como Bela se vê. 2- Questionário que levou a um relato por escrito de si mesma e foi também uma técnica para conhecer a paciente sem uma invasão de perguntas e respostas diretas, que poderiam ser intimidadoras e despertar sua desconfiança ou possível insegurança de falar de si mesma. 3- Exercícios de respiração para trazer autoconhecimento básico do funcionamento de seu organismo. 4- Exercício de alongamento também na intenção de trazer autoconhecimento do seu corpo, das sensações e limites do mesmo. 5- Conversas informais a fim de ter maior proximidade e saber mais sobre a paciente. ESTAS iam de sua vida no abrigo, na escola, com os amigos, irmãos, pai e mãe e tudo o mais que ela quisesse falar. Ela também fazia o mesmo perguntando sobre mim e minha família. Tinha especial curiosidade sobre meu filho e minha vida sentimental. 6- Massagens: busquei experimentar as varias massagens ensinadas ao longo do curso, mas sempre voltava a pedido da Bela aos toques sutis, massagem de contorno, toque da borboleta, massagens nos pés, nas mãos e especialmente nas costas, a preferida por Bela. Chegamos a realizar massagem sentada e em pé. Busquei ensinar a automassagem para que ela pudesse se utilizar desse recurso quando eu não estivesse mais por perto. 7- Relaxamento – sempre terminávamos com um período de relaxamento que era conduzido por mim através da técnica de respiração e soltura dos membros e descanso do corpo e da mente através da entrega ao momento de paz. No começo era irrequieta e logo saia da posição, mas com o passar do tempo descansava profundamente e chegava a dormir. A História de vida da Paciente Bela Nasceu em São Paulo, e com quatro anos já passou a morar em abrigos, pois a mãe se drogava e abandonava os filhos em qualquer lugar. Esse abrigo havia recolhido Bela e seus outros 4 irmãos das ruas. O pai estava preso e no momento que a encontrei no abrigo o paradeiro da mãe era desconhecido. Ela possui dois irmãos no mesmo local: Um menino de 13 anos e uma Irmã de 11, já o mais velho de 18 anos estava preso e outro de 16 estava em outro abrigo, pois nesse abrigo só ficam até os 15 anos. A diretora do abrigo relatou que Bela havia sofrido abuso sexual por parte do irmão mais velho. Além disso, Bela sofreu muito pelo fracasso da promessa de ser resgatada do abrigo por uma tia que morava na Bahia, mas essa morreu antes de conseguir a guarda das crianças e efetivar esse resgate. Tal relato explicava claramente o porquê da falta de confiança, e agressividade demonstradas por Bela. Relato das sessões Na primeira sessão quando fomos apresentadas ela se mostrou distante com aperto fraco de mão e esquiva quanto ao cumprimento com um beijo no rosto. Não estava avisada de minha chegada e relutou em começar uma massagem quando avisada naquele momento pela guardadora do abrigo. Apresentei-me e lhe propus que se não gostasse de mim e nem do tratamento terminaríamos no mesmo momento que pedisse. Com o acordo feito ela aceitou ir para a sala de massagem, setting proposto pela instituição, mas o local não é muito apropriado para esse tipo de atendimento. Falei para Bela que faríamos as coisas com calma e no seu tempo, que poderia me dizer se estava gostando ou não, e que faríamos o melhor para cada momento dela. Então na primeira sessão pedi para que se desenhasse e que se descrevesse numa folha de papel. Ela aceitou fazer o desenho e passou a perguntar tudo o que queria sobre mim e sobre o tratamento que eu estava lhe propondo. Assim foi feito. Depois do desenho e sua breve auto descrição lhe disse que faria uma demonstração do que é uma massagem biodinâmica. Bela aceitou e eu lhe apliquei uma massagem com toques suaves a partir dos pés, prosseguindo com toques firmes nas pernas e fiz contorno pelo corpo todo. Fixei-me nos braços e pernas para não ser invasiva, pois esse era nosso primeiro contato. Pude perceber que ela se esquivava com alguns toques na região das coxas, próximo aos seios, laterais do corpo e no rosto também. Esta experiência numa primeira impressão me foi suficiente para saber até onde ir com Bela. Ensinei-a trazer a respiração até a barriga e respirar lentamente para ir trazendo calma ao seu organismo, que poderia usar esse recurso sempre que se sentisse cansada, nervosa e precisasse de paz. Que poderia fazer um pouco de movimentos de alongamento, toques nela mesma e usasse a respiração sempre que quisesse . Expliquei que tudo que faríamos ali seria para lhe ajudar no sentido de se sentir melhor. Terminamos essa sessão com uma promessa de uma relação de ajuda e contato sincero, talvez eu pudesse me tornar uma pessoa em quem ela confiaria e a massagem provavelmente ajudaria a aliviar as dores nas costas das quais havia reclamado. Na sessão seguinte encontrei uma menina sorridente e de abraço forte. Parecia contente em me ver e queria saber como seria essa nova sessão. Propus que relatasse sua semana e o que havia sentido em relação à primeira sessão. Ela disse que gostou de mim e da massagem, principalmente nos pés e nas costas. Então repeti a mesma sessão anterior na intenção de dar continuidade e repetir o relaxamento sentido por ela. Dei maior tempo aos pés e costas atendendo ao pedido dela. A partir dessa segunda seção Bela parecia se entregar aos movimentos da massagem e a respirar com profundidade. Procurei tentar toques mais dinâmicos quando ela parecia mais deprimida, mas ela não respondia bem, sempre respondendo melhor aos toques mais lentos e com certa força e profundidade. Aplicava massagens de contorno, toque da borboleta e no campo sutil o que sortia um efeito tranqüilizador e muitas vezes fazendo Bela adormecer ou pelo menos relaxar bastante. Ela sempre começava as sessões agitada e falante e terminava parecendo mais calma e tranqüila ao falar. Gostava de começar sempre de bruços e raramente variava essa posição inicial na qual parecia se sentir mais protegida. Na 3ª sessão alem de fazer massagem, pedi a Bela que se desenhasse: Autorretrato, com traço bem feito de uma boa e delicada desenhista. Isabela se desenhou bonita, com olhos meigos e atentos como são de verdade. Com os braços para trás numa posição tímida e introspectiva como costuma ser. Entendi os braços para trás como defesa ao contato, assim procurei ser sempre cuidadosa, construindo uma aproximação lenta e gradual. Nas sessões seguintes percebendo que bela se esquivava de alguns toques em algumas regiões do corpo voltei a usar o recurso do desenho: Pedi que indicasse, no boneco que eu havia desenhado as partes do seu corpo que não gostaria que fossem tocadas. Inicialmente ela indicou como se gostasse de toques no corpo todo, (marcações em preto), mas quando expliquei novamente, indicou em vermelho que não gostava de toques nos quadris, na barriga e nos ombros, mas na verdade quis indicar próximo aos seios e também na cabeça, testa e próximo aos olhos. Eu disse que respeitaria esse pedido. A seguir brincando fez marcação em azul nas genitálias e disse que gostava de se tocar ali. Aproveitei a oportunidade e lhe disse que não tocaria suas partes íntimas, pois não fazia parte das massagens e conversei com ela sobre os limites e quem e quando ela poderia escolher ser tocada em qualquer parte do seu corpo, isto fazia parte do seu amadurecimento, autoconhecimento e de um futuro relacionamento intimo com alguém em quem confiasse. Esta foi uma forma delicada que encontrei para falar indiretamente sobre a experiência de abuso que ela sofreu por parte do irmão mais velho. A partir disto, o vinculo terapêutico se fortaleceu. Trabalhávamos com massagem, alongamento, técnicas respiratórias, relaxamento e o diálogo era fácil e Bela me contava mais sobre suas experiências. Na 8ª sessão, quando voltei a lembrar de que nossas sessões estavam chegando ao fim, ficou muito chateada, buscou me evitar e mostrou agressividade, rejeitando conversar a respeito. Busquei falar sobre o limite do tratamento e concordamos em estender por mais 10 sessões, mas que ficasse claro que teríamos em breve uma finalização e que apesar disto ela ficaria com o aprendizado, sabendo mais sobre seu funcionamento e ainda ganharia alguns instrumentos para lidar com suas emoções. Ela parecia entender, mas sempre evitava o assunto. Passadas algumas sessões Bela me pediu que eu a adotasse. A essa altura voltei a lhe dizer que era um tratamento e que mesmo gostando muito dela além de eu não poder adotá-la, de ter um filho e não ter condições de adotar outro filho, mais uma vez tratava-se de um tratamento e teríamos que finalizar. Em fevereiro, no carnaval, machuquei minha mão em um tombo o que foi um impedimento para continuar com as massagens. Estive ainda duas vezes no abrigo para finalizar o trabalho e para mostrar minha condição, ainda tentei uns toques mesmo com a mão ainda não recuperada. Bela pareceu aceitar e apesar de não querer o fim das sessões de massagem pode aceitar que eu não seria uma substituta para sua mãe, que não poderia adotá-la. Ela já estava diferente da menina hostil do nosso inicio. Estava realmente melhor, falava melhor, gesticulava com mais harmonia, estava calma e parecia de bem consigo mesma. Liguei algumas vezes para falar com ela e perguntar como estava. Recentemente liguei no abrigo tendo o relato de uma das cuidadoras que disse que Bela estava bem e havia melhorado muito desde que recebera as massagens. A supervisão realizada com uma psicóloga biodinâmica foi fundamental para o acompanhamento desse meu primeiro atendimento como massagista biodinâmica. Conclusão Surpreendi-me com a força que o toque, a escuta, o acolhimento tem na transformação do comportamento do outro. Bela foi minha primeira paciente, e com ela pude experimentar muito do que aprendi no decorrer dos 4 anos de formação em biodinâmica. Confesso que nunca pensei chegar tão longe, pois intencionava somente realizar os 2 primeiros anos do curso, e mais como uma experiência pessoal. Hoje espero poder usar todas as ferramentas aprendidas, ajudando a quem estiver ao meu alcance a estar melhor vida afora, espero usar muito a massagem biodinâmica. Caso Bela Histórico atual da paciente: A paciente será chamada de Bela. Tem 12 anos, faz psicoterapia e faz acompanhamento com psiquiatra. Foi diagnosticada como bipolar e medicada com Certralina e Respiridona. A paciente apresentava comportamentos agressivos, extremamente desconfiada de tudo e principalmente descrente do tratamento em psicoterapia. Havia sido abandonada pela psicoterapeuta anterior que a encaminhou a um psiquiatra que receitou os medicamentos a Bela. A psicóloga alegou ter abandonado o caso dizendo que não dava conta da agressividade de Bela, depois de ter sido agredida até fisicamente pela menina. Este tratamento durou de agosto de 2014 a fevereiro de 2015, num total de cerca de 20 sessões. O contrato inicial foi de 10 sessões de 1hora cada, mas acabei tomando 01h30min por sessão para dispormos de tempo para o contato inicial, conversas e finalização a cada encontro. Precisávamos desse tempo calmo para uma sessão ser completa com começo meio e final tranqüilos e sem uma demarcação rígida com o tempo muito limitado de somente uma hora. Depois dessas 10 sessões iniciais, refizemos o contrato de mais 10. Totalizando 20 atendimentos com 30 horas de trabalho terapêutico. A cada contrato desde as 10 iniciais deixava explicado a Bela o que estava acontecendo e que em algum momento o tratamento chegaria ao fim. Tivemos que limitar também o tempo das sessões, pois ela queria estender e ficar conversando ou brincando ou tomando lanche ou qualquer outra atividade que tomasse ainda mais tempo, sendo assim necessário que buscássemos entendimento para limitar o atendimento em no máximo 1h30min. Bela Se abriu para o contato e sua demanda era grande, fomos construindo limites e aos poucos ela foi se adaptando, à duração das sessões no tempo combinado. Utilizei basicamente os seguintes recursos técnicos: 1- Desenho para que ela se descrevesse, e pudesse mostrar algo sobre si mesma sem uma invasão minha e com uma atividade conhecida por crianças e tranqüila para adolescentes. Foi um recurso usado para que eu soubesse como Bela se vê. 2- Questionário que levou a um relato por escrito de si mesma e foi também uma técnica para conhecer a paciente sem uma invasão de perguntas e respostas diretas, que poderiam ser intimidadoras e despertar sua desconfiança ou possível insegurança de falar de si mesma. 3- Exercícios de respiração para trazer autoconhecimento básico do funcionamento de seu organismo. 4- Exercício de alongamento também na intenção de trazer autoconhecimento do seu corpo, das sensações e limites do mesmo. 5- Conversas informais a fim de ter maior proximidade e saber mais sobre a paciente. ESTAS iam de sua vida no abrigo, na escola, com os amigos, irmãos, pai e mãe e tudo o mais que ela quisesse falar. Ela também fazia o mesmo perguntando sobre mim e minha família. Tinha especial curiosidade sobre meu filho e minha vida sentimental. 6- Massagens: busquei experimentar as varias massagens ensinadas ao longo do curso, mas sempre voltava a pedido da Bela aos toques sutis, massagem de contorno, toque da borboleta, massagens nos pés, nas mãos e especialmente nas costas, a preferida por Bela. Chegamos a realizar massagem sentada e em pé. Busquei ensinar a automassagem para que ela pudesse se utilizar desse recurso quando eu não estivesse mais por perto. 7- Relaxamento – sempre terminávamos com um período de relaxamento que era conduzido por mim através da técnica de respiração e soltura dos membros e descanso do corpo e da mente através da entrega ao momento de paz. No começo era irrequieta e logo saia da posição, mas com o passar do tempo descansava profundamente e chegava a dormir. A História de vida da Paciente Bela Nasceu em São Paulo, e com quatro anos já passou a morar em abrigos, pois a mãe se drogava e abandonava os filhos em qualquer lugar. Esse abrigo havia recolhido Bela e seus outros 4 irmãos das ruas. O pai estava preso e no momento que a encontrei no abrigo o paradeiro da mãe era desconhecido. Ela possui dois irmãos no mesmo local: Um menino de 13 anos e uma Irmã de 11, já o mais velho de 18 anos estava preso e outro de 16 estava em outro abrigo, pois nesse abrigo só ficam até os 15 anos. A diretora do abrigo relatou que Bela havia sofrido abuso sexual por parte do irmão mais velho. Além disso, Bela sofreu muito pelo fracasso da promessa de ser resgatada do abrigo por uma tia que morava na Bahia, mas essa morreu antes de conseguir a guarda das crianças e efetivar esse resgate. Tal relato explicava claramente o porquê da falta de confiança, e agressividade demonstradas por Bela. Relato das sessões Na primeira sessão quando fomos apresentadas ela se mostrou distante com aperto fraco de mão e esquiva quanto ao cumprimento com um beijo no rosto. Não estava avisada de minha chegada e relutou em começar uma massagem quando avisada naquele momento pela guardadora do abrigo. Apresentei-me e lhe propus que se não gostasse de mim e nem do tratamento terminaríamos no mesmo momento que pedisse. Com o acordo feito ela aceitou ir para a sala de massagem, setting proposto pela instituição, mas o local não é muito apropriado para esse tipo de atendimento. Falei para Bela que faríamos as coisas com calma e no seu tempo, que poderia me dizer se estava gostando ou não, e que faríamos o melhor para cada momento dela. Então na primeira sessão pedi para que se desenhasse e que se descrevesse numa folha de papel. Ela aceitou fazer o desenho e passou a perguntar tudo o que queria sobre mim e sobre o tratamento que eu estava lhe propondo. Assim foi feito. Depois do desenho e sua breve auto descrição lhe disse que faria uma demonstração do que é uma massagem biodinâmica. Bela aceitou e eu lhe apliquei uma massagem com toques suaves a partir dos pés, prosseguindo com toques firmes nas pernas e fiz contorno pelo corpo todo. Fixei-me nos braços e pernas para não ser invasiva, pois esse era nosso primeiro contato. Pude perceber que ela se esquivava com alguns toques na região das coxas, próximo aos seios, laterais do corpo e no rosto também. Esta experiência numa primeira impressão me foi suficiente para saber até onde ir com Bela. Ensinei-a trazer a respiração até a barriga e respirar lentamente para ir trazendo calma ao seu organismo, que poderia usar esse recurso sempre que se sentisse cansada, nervosa e precisasse de paz. Que poderia fazer um pouco de movimentos de alongamento, toques nela mesma e usasse a respiração sempre que quisesse . Expliquei que tudo que faríamos ali seria para lhe ajudar no sentido de se sentir melhor. Terminamos essa sessão com uma promessa de uma relação de ajuda e contato sincero, talvez eu pudesse me tornar uma pessoa em quem ela confiaria e a massagem provavelmente ajudaria a aliviar as dores nas costas das quais havia reclamado. Na sessão seguinte encontrei uma menina sorridente e de abraço forte. Parecia contente em me ver e queria saber como seria essa nova sessão. Propus que relatasse sua semana e o que havia sentido em relação à primeira sessão. Ela disse que gostou de mim e da massagem, principalmente nos pés e nas costas. Então repeti a mesma sessão anterior na intenção de dar continuidade e repetir o relaxamento sentido por ela. Dei maior tempo aos pés e costas atendendo ao pedido dela. A partir dessa segunda seção Bela parecia se entregar aos movimentos da massagem e a respirar com profundidade. Procurei tentar toques mais dinâmicos quando ela parecia mais deprimida, mas ela não respondia bem, sempre respondendo melhor aos toques mais lentos e com certa força e profundidade. Aplicava massagens de contorno, toque da borboleta e no campo sutil o que sortia um efeito tranqüilizador e muitas vezes fazendo Bela adormecer ou pelo menos relaxar bastante. Ela sempre começava as sessões agitada e falante e terminava parecendo mais calma e tranqüila ao falar. Gostava de começar sempre de bruços e raramente variava essa posição inicial na qual parecia se sentir mais protegida. Na 3ª sessão alem de fazer massagem, pedi a Bela que se desenhasse: Autorretrato, com traço bem feito de uma boa e delicada desenhista. Isabela se desenhou bonita, com olhos meigos e atentos como são de verdade. Com os braços para trás numa posição tímida e introspectiva como costuma ser. Entendi os braços para trás como defesa ao contato, assim procurei ser sempre cuidadosa, construindo uma aproximação lenta e gradual. Nas sessões seguintes percebendo que bela se esquivava de alguns toques em algumas regiões do corpo voltei a usar o recurso do desenho: Pedi que indicasse, no boneco que eu havia desenhado as partes do seu corpo que não gostaria que fossem tocadas. Inicialmente ela indicou como se gostasse de toques no corpo todo, (marcações em preto), mas quando expliquei novamente, indicou em vermelho que não gostava de toques nos quadris, na barriga e nos ombros, mas na verdade quis indicar próximo aos seios e também na cabeça, testa e próximo aos olhos. Eu disse que respeitaria esse pedido. A seguir brincando fez marcação em azul nas genitálias e disse que gostava de se tocar ali. Aproveitei a oportunidade e lhe disse que não tocaria suas partes íntimas, pois não fazia parte das massagens e conversei com ela sobre os limites e quem e quando ela poderia escolher ser tocada em qualquer parte do seu corpo, isto fazia parte do seu amadurecimento, autoconhecimento e de um futuro relacionamento intimo com alguém em quem confiasse. Esta foi uma forma delicada que encontrei para falar indiretamente sobre a experiência de abuso que ela sofreu por parte do irmão mais velho. A partir disto, o vinculo terapêutico se fortaleceu. Trabalhávamos com massagem, alongamento, técnicas respiratórias, relaxamento e o diálogo era fácil e Bela me contava mais sobre suas experiências. Na 8ª sessão, quando voltei a lembrar de que nossas sessões estavam chegando ao fim, ficou muito chateada, buscou me evitar e mostrou agressividade, rejeitando conversar a respeito. Busquei falar sobre o limite do tratamento e concordamos em estender por mais 10 sessões, mas que ficasse claro que teríamos em breve uma finalização e que apesar disto ela ficaria com o aprendizado, sabendo mais sobre seu funcionamento e ainda ganharia alguns instrumentos para lidar com suas emoções. Ela parecia entender, mas sempre evitava o assunto. Passadas algumas sessões Bela me pediu que eu a adotasse. A essa altura voltei a lhe dizer que era um tratamento e que mesmo gostando muito dela além de eu não poder adotá-la, de ter um filho e não ter condições de adotar outro filho, mais uma vez tratava-se de um tratamento e teríamos que finalizar. Em fevereiro, no carnaval, machuquei minha mão em um tombo o que foi um impedimento para continuar com as massagens. Estive ainda duas vezes no abrigo para finalizar o trabalho e para mostrar minha condição, ainda tentei uns toques mesmo com a mão ainda não recuperada. Bela pareceu aceitar e apesar de não querer o fim das sessões de massagem pode aceitar que eu não seria uma substituta para sua mãe, que não poderia adotá-la. Ela já estava diferente da menina hostil do nosso inicio. Estava realmente melhor, falava melhor, gesticulava com mais harmonia, estava calma e parecia de bem consigo mesma. Liguei algumas vezes para falar com ela e perguntar como estava. Recentemente liguei no abrigo tendo o relato de uma das cuidadoras que disse que Bela estava bem e havia melhorado muito desde que recebera as massagens. A supervisão realizada com uma psicóloga biodinâmica foi fundamental para o acompanhamento desse meu primeiro atendimento como massagista biodinâmica. Conclusão Surpreendi-me com a força que o toque, a escuta, o acolhimento tem na transformação do comportamento do outro. Bela foi minha primeira paciente, e com ela pude experimentar muito do que aprendi no decorrer dos 4 anos de formação em biodinâmica. Confesso que nunca pensei chegar tão longe, pois intencionava somente realizar os 2 primeiros anos do curso, e mais como uma experiência pessoal. Hoje espero poder usar todas as ferramentas aprendidas, ajudando a quem estiver ao meu alcance a estar melhor vida afora, espero usar muito a massagem biodinâmica. Conclusão Surpreendi-me com a força que o toque, a escuta, o acolhimento tem na transformação do comportamento do outro. Bela foi minha primeira paciente, e com ela pude experimentar muito do que aprendi no decorrer dos 4 anos de formação em biodinâmica. Confesso que nunca pensei chegar tão longe, pois intencionava somente realizar os 2 primeiros anos do curso, e mais como uma experiência pessoal. Hoje espero poder usar todas as ferramentas aprendidas, ajudando a quem estiver ao meu alcance a estar melhor vida afora, espero usar muito a massagem biodinâmica.

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