A psicoterapia corporal é uma psicoterapia

0

Meu professor de psicologia na Universidade de Oslo, em seu livro A Neurose e o Caráter Neurótico, usou o exemplo de um experimento com um peixe para ilustrar a neurose humana. Em um grande aquário, ele deixou o peixe nadar usando todo o espaço. Então ele introduziu duas paredes de vidro. O peixe bateu com o nariz na parede e foi forçado a usar um espaço mais limitado para se movimentar. Quando o experimentador então removeu as paredes de vidro, o peixe ainda só nadava no espaço limitado de sua imaginação “neurótica”. Para mim esse é um bom exemplo de como a neurose de uma pessoa limita a sua vida – tanto em termos psicológicos quanto espirituais. A psicoterapia tenta remover as paredes invisíveis de vidro da neurose da qual sofre o homem moderno.

Gerda Boyesen

A alma do corpo
Para Kurt Goldstein (1939) o homem tem apenas uma pulsão ou instinto básico, que é a pulsão para a autorrealização. Na minha visão, ela inclui todas as outras pulsões e potencialidades. Sigmund Freud, que explorou o inconsciente, comparou-o à parte maior de um iceberg, que fica submersa. Freud dizia que o objetivo da psicoterapia é integrar a maior quantidade possível do material inconsciente do cliente em seu próprio Ego. Assim, Freud descobriu os métodos verbais cujo desenvolvimento levou à psicanálise, os quais ainda formam a base da maioria dos métodos modernos de psicoterapia verbal que trabalham sobre as defesas psicológicas. Então Wilhelm Reich, aluno e seguidor de Freud, descobriu as defesas musculares, que chamou de couraça muscular . Ele descobriu que, quando trabalhava sobre essas defesas musculares, sentimentos e memórias recalcados emergiam. Desse modo, Wilhelm Reich se tornou o pai da nossa psicoterapia corporal. Algumas pessoas perguntam: a psicoterapia corporal é mais como uma psicoterapia, ou é uma terapia do corpo como a fisioterapia?
Do exposto acima fica claro que o que Wilhelm Reich criou não deixa de ser uma terapia do corpo. Para além disso, entretanto, ambas as diferentes abordagens, a de Freud e a de Reich, trazem à tona memórias e sentimentos. Portanto, a abordagem de Reich, de trabalhar a couraça muscular , é também uma psicoterapia. Uma pessoa não pode ser um psicoterapeuta corporal sem ser, também, um psicoterapeuta. Como seria possível lidar com sentimentos recalcados, memórias e conflitos sem ser também psicólogo e psicoterapeuta?
Terapeutas corporais como fisioterapeutas, massagistas, praticantes da técnica de Alexander, e outros que realizam trabalhos semelhantes, muitas vezes estão cientes de que podem estar mexendo em defesas psicológicas corporais e musculares. Entretanto, quando o fazem, geralmente não estão capacitados para lidar com o material inconsciente que vem à tona. Quando isso acontece, o cliente então necessita de ajuda psicoterápica. Um psicoterapeuta corporal deve saber trabalhar sobre as defesas musculares de um modo que seja psicoterapicamente adequado, e também saber trabalhar apenas psicologicamente quando esta for a abordagem mais adequada. A dicotomia entre a abordagem verbal e a verbal-corporal também vem da controvérsia entre Freud e Reich, mas hoje podemos considerá-la apenas uma questão de semântica. Algo que Freud disse de fato abriu caminho para a contradição nas terapias que ainda existe nos dias de hoje. Freud introduziu o conceito de “ego-motor” , um conceito que parece quase esquecido nos dias de hoje. Freud salienta que o sistema psíquico conecta nervos sensoriais e motores. Isto implica que podemos trabalhar tanto sobre os músculos quanto no nível psicológico, dependendo de qual destas abordagens sentimos ser mais adequada para ajudar nosso cliente.
Energia atrai os fluidos
Certa vez eu fiz uma curva em U numa avenida francesa que enfureceu um policial, e ele me disse: “Nunca faça uma curva dessas em uma avenida”. Menciono isso porque há uma “curva em U” na psicoterapia corporal que é difícil e perigosa. Ela ocorre quando a personalidade secundária, neurótica, dá lugar à não neurótica, saudável e espiritualizada personalidade primária. Tal mudança é possível quando a pessoa perde uma parte significativa das defesas de sua couraça muscular e seus tecidos se tornam mais permeáveis à energia e aos sentimentos. Neste estágio, é perigoso usar métodos criados para liberar defesas musculares mais intensas, pois o terapeuta pode provocar uma quantidade maior de sentimentos do que aquela com a qual o paciente consegue lidar. Ele pode afundar mais e mais no medo, depressão e sintomas psicossomáticos se o terapeuta continua a provocar em vez de integrar. Vi clientes tratados assim permanecerem doentes por anos, às vezes parecendo que seria para sempre, presos nessa perigosa curva em U.
Para entender esse fenômeno, devemos retornar a outra das descobertas de Wilhelm Reich: energia atrai fluido. Os bloqueios energéticos nestas pessoas não consistem apenas de energia, mas também de fluido energético. Quanto menos couraça muscular o cliente possui, mais acúmulo de fluido energético ele terá acompanhando seus sintomas neuróticos.
Nos anos 60, uma conferência mundial em bioquímica psiquiátrica aconteceu em Upsala, durante a qual alguns pesquisadores mostraram como os fluidos poderiam causar sintomas nervosos psiquiátricos e psicológicos. Mais particularmente, os fluidos na junção neuromuscular, o local onde um axônio motor faz contato com o músculo por ele comandado. Usando drogas, os psiquiatras podem modificar esses fluidos e influenciar o curso da depressão, de estados ansiosos, de sintomas psicossomáticos e até mesmo de neuroses e psicoses agudas.
Os achados desta conferência me impressionaram fortemente, porque eu estava removendo esses fluidos usando meu método psicoperistáltico com resultados surpreendentemente bons. Este é o método mais natural, em vez de criar novas couraças tissulares através dos psicofármacos. A intervenção em minha psicoterapia corporal tinha dois objetivos: provocar e trazer a energia recalcada do inconsciente e então integrar ou drenar o fluido energético por métodos naturais.
Na Noruega, o psicoterapeuta reichiano Einar Dannevig certa vez me disse: “Gerda, nós reichianos falamos sobre a energia, mas você fala sobre o fluido”. “Não, Einar”, eu disse, “Eu falo sobre o fluido energético, e essa é a ponte entre a medicina e a psicoterapia. Lembre-se que Reich disse que a energia atrai o fluido.”
O professor Dr. Seterkleiv, do Hospital Riks de Oslo, encontrou dois tipos de sons intestinais, um proveniente do canal intestinal, e outro do fluido das paredes intestinais. O primeiro tipo ele conhecia, o outro ele chamou de “quebra-cabeça do médico clínico”, porque sua função era desconhecida. Ele também encontrou um fenômeno que chamou de “a zona de disparo”, que ocorria quando os sons intestinais vinham. Isso era tudo que se conhecia de um ponto de vista médico. Do ponto de vista da psicoterapia corporal, todas as células, começando pelas amebas, contêm energia vital. Isso também é verdadeiro para os intestinos. Para entender o fluido energético nas paredes intestinais, combinei o que o Dr. Seterkleiv descobriu sobre os fluidos com o conceito reichiano de energia. O outro conceito interessante do Dr. Seterkleiv, “a zona de disparo”, é em minha opinião o que gera os sons psicoperistálticos.
A circulação de energia no organismo
Sigmund Freud diz que existe uma terra desconhecida entre psique e soma, e que seria tarefa de seus seguidores explorarem-na. Entretanto, é perigoso para um cientista ir a uma terra não desbravada. Lembrem-se de Galileu, lembrem-se de Wilhelm Reich… Lembrem-se também daqueles que se aventuraram no reino espiritual do corpo. Wilhelm Reich escreveu um artigo chamado Da Teoria da Libido à Teoria Cósmica, no qual expôs sua teoria da energia cósmica no homem. Ele descobriu que, trabalhando com as memórias incrustadas na couraça muscular, emergiam ab-reações. Seus clientes relataram um novo fenômeno, que eles chamavam “correntes ”, que eram de natureza prazerosa, exceto quando vinham muito fortes e dolorosas, produzindo ansiedade. Em relação a essas correntes, ele primeiro achou que fossem correntes vegetativas. Mais tarde, entendeu que elas eram manifestações da energia cósmica no homem, a qual ele chamou de energia “orgone”. Foi assim que ele redescobriu a energia cósmica vital. Essa descoberta o levou – através dos acumuladores de orgone – à prisão e à morte. Sigmund Freud também falou sobre a força vital mas, como isso era muito provocativo e metafísico para seus colegas, ele mudou o significado da palavra libido , e colocou a energia vital entre parênteses, de forma que ela se tornasse apenas um conceito sexual ou psicosexual.
Se você possui uma forte couraça muscular, não sentirá as correntes de prazer em você. Eu mesma já pensei que este era um conceito ridículo. Só senti as correntes depois de muitos anos de terapia com o Dr. Raknes. Mas como podem ter essas ondas qualquer coisa a ver com o que agora chamamos a alma do corpo?
Era o começo da década de 1970 em Londres. Eu havia acabado de desenvolver minhas teorias dos canais de energia ascendente terrestre emocional/instintiva e dos canais de energia descendente espiritual celestial. Eu sabia que estas ideias eram próximas do que se falava na acupuntura, então fui ver o Dr. Jack Worsley, diretor do Colégio Chinês de Acupuntura em Kenilworth. Quando ele colocou as agulhas em mim, me senti maravilhosamente em paz, feliz e calma, e percebi a abertura do meu peristaltismo e o surgimento de correntes descendentes prazerosas, semelhantes às que sempre se seguiram aos meus próprios tratamentos psicoperistálticos.
Quando o professor Worsley foi para Os Estados Unidos, seu assistente assumiu seu lugar. Tudo mudou. Mesmo quando eu pensava que ele havia colocado as agulhas nos pontos corretos, como o Professor Worley havia feito, eu sentia contração, dor, irritação e fúria. Outras pessoas tiveram a mesma experiência com o assistente.
Ao desenvolver minhas teorias, descobri que a energia emocional ascendente percorria canais mais profundos nas membranas do corpo que a energia espiritual descendente. Essa descoberta veio de minha experiência com o trabalho psicoperistáltico, mas eu não a havia conectado com a acupuntura na época, a qual tinha sua própria teoria e métodos. Perguntei a uma acupunturista sobre minhas experiências com o Dr. Worley e seu assistente e ela me disse sucintamente: “o assistente coloca as agulhas fundo demais. Ele as coloca nos canais animais em vez de colocá-las nos espirituais.”
Combinando essa informação com as descobertas do Prof. Dr. Seterkleiv sobre a zona de disparo e minhas próprias teorias e descobertas, senti que tinha me aproximado mais de entender como a espiritualidade e a alma do corpo trabalhavam. Eu estava então também pensando sobre as duas polaridades do corpo, o crânio e o osso pélvico. Chamei o crânio de polo espiritual e o osso pélvico de polo animal, ou terrestre. Reich havia descoberto que o armazenamento da energia se dava nos ossos esponjosos, que existem em abundância em ambos os polos.
Subitamente entendi a zona de disparo do Dr. Seterkleiv. O disparo ocorre quando a energia ascendente do polo terrestre passa pela zona do canal espiritual descendente, juntando-se à energia espiritual que vem do crânio. Isso pode fazer uma incrível diferença no humor e sentimentos do cliente. Ao mesmo tempo, os sintomas psicossomáticos, a ansiedade e a depressão são removidos. Chamamos isso de derretimento.
Uma de minhas alunas em Paris, que anteriormente havia tido muita dor psicossomática, certa vez exclamou quando me viu: “Gerda, você encontrou a chave da felicidade.”
Na zona de disparo a energia emocional ascendente é transformada em energia espiritual descendente. O fluido se torna livre de sua carga de energia e deixa o corpo através dos rins. A energia pode então circular sem o fluido, trazendo força, felicidade e espiritualidade para a pessoa. E através dessa transformação espiritual virão o que chamo de qualidades divinas do homem: paciência, entendimento, reconciliação, gratidão, amor espiritual e assim por diante, em vez de ódio e outras características do self inferior .
Aqui está a conexão entre a alma do corpo e a alma propriamente dita, unindo-se graças à limpeza da contaminação neurótica do corpo e da alma. A alma do corpo e a alma propriamente dita são agora uma só.
O corpo da alma
Na segunda metade deste artigo, irei ilustrar meus comentários gerais descrevendo certos conceitos que costumo ensinar.
Canal do id
Para compreender o que o canal do Id é, temos que voltar até o primeiro animal unicelular, a ameba; e então para o próximo animal no desenvolvimento biológico, o “animal tubo”. O canal intestinal humano parece ser como o animal tubo, porém muito mais longo. Nos humanos, o canal intestinal tem 7 a 8 metros de comprimento. Como o animal tubo não possui músculos ou sistema nervoso, podemos presumir que é um dos animais mais simples. Minha especulação é que seu equivalente (o trato digestivo) pode também ser um dos aspectos mais primitivos e instintivos dos seres humanos.
Eu tenho notado, clinicamente, que as emoções instintivas são geradas pelas profundezas do corpo, seguem pelas paredes intestinais subindo até a cabeça, e são expressas pela boca e pelo rosto. Chamo esse caminho emocional de “canal instintivo”, ou “canal do id”, em referência ao conceito de id postulado por Freud. Como dizem as escolas esotéricas, todo órgão tem duas funções: uma fisiológica, e uma esotérica. Podemos dizer que a ingestão e digestão da comida é a função fisiológica: a comida é deslocada ao longo do espaço intestinal; e a função instintiva percorre as paredes intestinais. Enquanto a função intestinal digestiva vai para baixo, a função instintiva vai para cima.
Couraça tissular
Quando um grupo de músculos é mantido cronicamente tenso para recalcar uma emoção, Reich fala de uma “couraça muscular”. Tocar os tecidos por meio da massagem e observar detalhadas reações emocionais do organismo me ensinou que todos os tecidos podem ter “uma couraça”. Cada vez que resíduos das substâncias bioquímicas das emoções permanecem em um tecido humano após um conflito emocional ou trauma que não foi resolvido, uma couraça é formada. Este processo é altamente diversificado e produz uma ampla gama de diferentes tipos de couraças tissulares. Além disso, notei que a couraça tissular não é uma tensão mantida para recalcar um impulso, mas um tecido que perdeu parte de sua capacidade de responder a um estímulo relevante. Assim a couraça não precisa ser continuamente ativada pelo sistema nervoso: adquire um estado em que ela mesma inibe parcialmente a dinâmica de certos processos psicofisiológicos.
Esta modificação ocorre na textura do tecido, no nível bioquímico. Após um conflito emocional não resolvido, as substâncias bioquímicas consumidas pela atividade do tecido não são eliminadas como deveriam ser, por causa das tensões remanescentes. Estes resíduos impedem o tecido de recuperar toda sua elasticidade inicial. Se conflitos não resolvidos mobilizam um tecido repetidamente, ou traumaticamente, a “solidificação” aumenta, criando desta maneira a “couraça muscular”.
A couraça tissular, enquanto permanece em seu estado não-dinâmico, tem o efeito de tornar o organismo cada vez menos permeável à energia vital. Quando a couraça é muito forte, a pessoa fica menos em contato com si própria e seu corpo, e amiúde reclama sobre isso.
Esses padrões neuróticos permanecem passivos até que as defesas psicológicas e corporais sejam diminuídas. Então essas substâncias inativas se tornam dinâmicas. Elas participam de quaisquer movimentos psicofisiológicos que ocorram no organismo no momento, geralmente impedindo o organismo de funcionar tão adequadamente quanto seria possível.
Tendo esclarecido a noção de couraça tissular fui capaz de descrever muitos tipos de couraça para cada tipo de tecido e desenvolver técnicas para a maior parte de couraças tissulares.
Tônus energético e contração energética
Tônus energético
Pelo ponto de vista do modelo do fluido energético, quando a energia vai de um músculo a outro, ela também preenche os músculos com fluidos. Os mecanismos por trás disso são provavelmente bem complexos, mas para a prática corrente este modelo é o que usamos para entender o que observamos. Este modelo esclarece certos aspectos que o Dr. Ole Olesen costumava nos ensinar em Copenhague. Ele afirmava que poderia haver um acúmulo de fluido no corpo por causa do stress e dos conflitos, criando tanto sintomas nervosos quanto psicossomáticos. Com sua massagem de bombeamento ele melhorava a circulação do sangue e removia o acúmulo de fluidos influenciando os sistemas venoso e linfático e os rins. Ele não estava interessado em respiração, ou consistência dos músculos, ou em psicologia. Ele regulava o equilíbrio entre o sistema simpático e o parassimpático. Nos anos 1950 outros médicos desdenhosamente o chamavam de homeopata. Entretanto, ele teve tão bons resultados que clientes vinham até ele de todas as partes do mundo.
Contração energética
Quando entra energia demais, o músculo é preenchido com um excesso de fluido. Os músculos então se tornam contraídos e doloridos. Tais dores musculares são de um tipo diferente daquelas sentidas depois de um grande esforço muscular.
Vejamos um exemplo que mostra como uma distorção do tônus energético leva a uma contração energética que pode influenciar o processo do paciente:
Um terapeuta liberou parte da couraça muscular de um paciente. Neste caso em particular, o paciente se abriu rápido demais. A energia emergiu do inconsciente numa velocidade e força tremendas em direção aos músculos envolvidos na expressão dos afetos recalcados. Estes músculos estão sobressaltados . Em vez de serem levados a um tônus adequado, eles reagem contra o fluxo de energia tornando-se extremamente contraídos, tensos e doloridos. Se o terapeuta puder analisar a situação corretamente, torna-se possível que ele utilize imediatamente a técnica adequada e impeça que o paciente deixe a sessão em uma crise gerada pela própria sessão.
A fisiologia dos fluidos e a relação entre o plasma intracelular (ou fluidos) e os íons influenciou fortemente meus pensamentos iniciais sobre o fenômeno, o que explica porque, por tanto tempo, me referi a isto como o princípio plasma-farádico. Ainda penso que se pode incrementar nosso conhecimento sobre o tônus energético estudando não apenas como os nervos regulam o tônus, mas também como os fluidos participam da regulação do tônus através de mecanismos similares àqueles da difusão, osmose, hiper – ou hipo – tonicidade do plasma sanguíneo… que envolvem todos a regulação dos fluidos, membranas e partículas solúveis (por exemplo, em Ganong 1991, p. 5-10).
As três cavidades
O conceito das três cavidades nos ajuda a entender e trabalhar com mais eficiência: a) com a energia emocional recalcada e inconsciente, e b) em direção à integração cerebral e à solução de um trauma emocional específico. Com o conceito das três cavidades me refiro às três maiores e principais cavidades no organismo: a cavidade ventral, a cavidade torácica e a cavidade do crânio. Todas elas contêm órgãos, nervos e vasos sanguíneos.
Em minha opinião, a energia emocional está basicamente armazenada nos ossos da pelve; ali ela permanece neutralizada e estática. Quando é ativada, por fatores que explicarei mais adiante, ela começa a se mover para cima, em direção à cabeça, à boca e ao cérebro. Esta energia emocional se torna dinâmica assim que entra no que chamo de primeira cavidade (ventral). A energia é atraída então pelo que pode ser descrito como uma forma de “micro-magnetismo”.
Esse magnetismo é um tipo de couraça tissular, associada a afetos recalcados. Quando esses tecidos são ativados, as respostas vegetativas gerais ligadas aos afetos recalcados são também ativadas. Neste estágio o paciente sente apenas uma tensão, e talvez alguma dor, na cavidade ventral; mas geralmente ele não tem nem ideia do conteúdo subjacente a esta tensão. Em outras palavras, as emoções são despertadas em uma forma tão “crua” que não podem ainda ser integradas.
Quando a emoção entra na cavidade torácica, o paciente sente a qualidade emocional do que está se gerando dentro dele: se é medo, raiva, depressão etc. Neste estágio, podemos notar facilmente que o rosto e a respiração do paciente mudam, e ele se mostra mais claramente emocionado.
Freud dizia que a ansiedade é a forma que as emoções tomam quando recalcadas no inconsciente. Isto é muitas vezes sentido no peito, associado a mudanças na respiração e no ritmo cardíaco, como na neurose de angústia. Os pacientes geralmente sentem dificuldade em lidar com tais manifestações afetivas e são vítimas de seus próprios medos, emoções e reações vegetativas poderosas.
Medicamentos podem ajudar a controlar esses sentimentos; mas na terapia profunda tenta-se ajudar esses sentimentos a alcançar a cavidade craniana, para que então possam ser ativamente expressos e integrados por meio de procedimentos conscientes. Assim, afetos que foram recalcados durante mais de trinta anos podem finalmente encontrar os caminhos que sempre deveriam ter seguido.
Muitas dificuldades devem ser levadas em consideração ao lidar com o último estágio, que leva as emoções em direção a sua realização completa. Entre o peito e a cabeça as emoções devem passar através de uma porta estreita: o pescoço. O processo inteiro que leva as emoções à sua realização completa pode ficar emperrado aqui. Gosto de comparar o corpo, neste momento dinâmico, a uma garrafa de champanhe, onde a garganta é o gargalo da garrafa. O terapeuta deve, às vezes, não apenas ajudar a rolha a sair da garrafa, como também considerar por quais meios isto pode acontecer. Por exemplo, se todo o material emocional recalcado entra nos canais expressivos e sobe muito rapidamente ao cérebro, corre-se o risco de um surto psicótico. Integrar um evento emocional ao pensamento consciente e ao comportamento expressivo é também uma importante tarefa.
Bibliografia
Freud, S. (1900/1978): The Interpretation of Dreams. Harmondsworth: Pelican Books.
Freud, S. (1923/1985): The Ego and the Id. Harmondsworth: Pelican Books.
Ganong, W. F. (1991): Review of Medical Physiology. London: Prentice Hall.
Gershon, G.D. (1998): The Second Brain. New York: Harper Collins, Publishers.
Goldstein, K. (1939/2000): The Organism. New York: Zone Books.

Compartilhar.

Sobre o autor

Deixe uma resposta