Por Glória Cintra Na prática clínica, frequentemente, deparamo-nos com pacientes cujo trauma fundamental ocorreu em fases muito precoces do seu desenvolvimento emocional, em um estágio pré-verbal. Em tais casos, muitas vezes, as interpretações baseadas em um modelo psicanalítico clássico mostraram-se ineficazes para seu tratamento. O pediatra e psicanalista D.W.Winnicott, através de suas observações clínicas e pesquisas, demonstrou que a psique do bebê ao nascer não está habitando completamente o corpo. Essa integração psicossomática se dá ao longo do tempo e do espaço por meio de um manejo suficientemente bom da mãe e de um ambiente de ”holding”. Por manejo entende-se: os cuidados maternos, o atendimento da mãe às necessidades do bebê de uma forma adaptativa,respeitando os ritmos dele. Por exemplo: os ritmos de alimentação e de sono. Por ambiente de holding entende-se: a criação de um ambiente emocionalmente estável (por parte das pessoas que cuidam do bebê) e protegido de excesso de estímulos sensoriais (luz, som, temperatura, movimentação etc), evitando choques ou os reflexos de sobressalto que vão perturbar a experiência de continuar a ser do bebê. (1) Para Winnicott, o que traumatiza é a repetição da falha materna, tanto da “mãe-pessoa” quanto da “mãe-ambiente”. O excesso de interferência gera rupturas nos estados tranquilos do bebê, provocando respostas de submissão ou reatividade ao ambiente, acarretando a formação de um falso “self” no indivíduo. Assim, Winnicott, ao atender pacientes regredidos, formulou um modelo de atendimento às necessidades do ser humano. Neste o terapeuta, à semelhança da mãe suficientemente-boa cuida do paciente, estando mais atento às questões do “holding” e do manejo no “setting”, do que com as interpretações a respeito dos desejos do sujeito. (1)Winnicott utilizou o termo “holding”nas mais diversas acepções e contextos. “Holding”no sentido de segurar o bebê física e psicologicamente; o “ambiente de holding”, citado acima, e “holding”fornecido pela família e pela sociedade. Ver mais sobre o assunto em: “A Linguagem de Winnicott” – Abram,Jan- págs 135 a 140. Para este autor: “A mãe suficientemente-boa é aquela que se adapta ativamente aos ritmos e às necessidades do bebê”. – Este conceito gerou uma nova forma de atuação clínica que influenciou a Psicologia Biodinâmica. A Psicologia Biodinâmica, com suas técnicas corporais, vem contribuindo para a reparação e a retomada do desenvolvimento emocional do ser humano. Propicia maior integração psicossomática, alivia sintomas e promove a elaboração no corpo de processos psíquicos para que o verdadeiro “self” do indivíduo possa florescer. Gerda Boyesen observou que quando a circulação libidinal da criança era perturbada pela interferência materna ocorria o reflexo de sobressalto, a formação de padrões de “stress” e sintomas que, mais tarde, irão constituir-se em de defesas psíquicas, quanto de formação de couraças: muscular, tissular e visceral. Observa-se que, ao nascer, os bebês apresentam corpos bastante semelhantes. É ao longo de sua história de vida que seu psiquismo e soma sofrem alterações que vão formá-lo ou deformá-lo. A Massagem Biodinâmica pode ser vista como um processo que busca a reparação das falhas no manejo materno e o “setting” como um lugar seguro e confiável, no qual o paciente pode reviver traumas antigos e diminuir reações defensivas que perturbam o seu viver. Assim, poderá retomar o seu desenvolvimento emocional, experimentar maior o bem estar de ser ele mesmo, resgatando sua espontaneidade e usufruindo de seu potencial criativo e de sua realização no mundo. O adoecimento emocional- as neuroses – são mantidas por mecanismos de defesa que atuam no psiquismo e no corpo. A Psicoterapia Biodinâmica tem por objetivo trabalhar de forma integrada, esses dois aspectos do ser humano. A Massagem Biodinâmica é um importante instrumento terapêutico que permite ao paciente experimentar diversas sensações: ser ninado, embalado, protegido, nutrido, contido, acolhido e vinculado, reparando aspectos da falha materna e permitindo o descongelamento do trauma, a retomada do processo maturacional, o fortalecimento do ego, o desenvolvimento da identidade, a autonomia, a auto-afirmação e a autorrealização. Foi desenvolvido e descrito neste livro uma série de técnicas de massagem, instrumentos valiosos para que o cuidado terapêutico resulte em bem-estar, autorregulação e expressão da personalidade primária do paciente. Para que isso aconteça, o terapeuta deve escolher uma técnica específica, uma maneira especial de tocar cada paciente, uma vez que cada pessoa é única. É o paciente, sua constituição física e psíquica e sua história que irão guiar as mãos do cuidador e o processo terapêutico. Quando um paciente chega para uma sessão, o terapeuta escuta e acolhe seu estado de ser naquele momento. Faz um diagnóstico situacional e existencial, propondo, se necessário, uma forma de intervenção por meio de uma técnica específica de massagem, sempre respeitando o momento transferencial e contratransferencial da relação. Alguns exemplos: – Se o paciente relata estar se sentindo anestesiado, sem contato com suas emoções e com graves tensões musculares, o terapeuta pode fazer uma massagem para restabelecer o equilíbrio do tônus muscular, a flexibilidade, bem-estar e contato com suas sensações. – Se o paciente sente-se sem limites e a sensação de estar vivendo apenas em sua mente o terapeuta pode propor uma Massagem de Contorno, que tem como intenção fortalecer os limites corporais, o eu-pele, que diferencia o eu e o outro em direção à construção de identidade psicossomática. – Outro exemplo é a utilização da Massagem Colônica, feita sobre a região abdominal do paciente que pode colocá-lo em contato com suas vísceras e suas emoções, para que estas sejam mobilizadas e expressas ou harmonizadas. Gerda Boyesen, ao acompanhar os processos de ab-reação, de expressão dos conflitos emocionais de seus pacientes formula algumas possibilidades, a saber: 1-Descarga emocional psíquica forte, que tem um sentido energético ascendente. Consiste na expressão emocional através de, por exemplo, choro, gritos e reações comportamentais intensas; 2-Descarga vegetativa forte, que tem um sentido energético descendente como, por exemplo: diarréia, tremores e sudorese; 3-Descarga emocional psíquica suave, que tem um sentido energético ascendente, ocorre através da palavra; 4-Descarga vegetativa suave, que tem um sentido energético descendente, ocorre através da peristalse. A partir dessas idéias, Gerda Boyesen desenvolve o método da Massagem Biodinâmica, no qual os afetos patogênicos podem ser liberados e integrados à psique através de uma descarga suave, que ela denominou de psicoperistalse. Qualquer que seja a técnica de massagem a ser utilizada, o objetivo é abrir a psicoperistalse e promover a autorregulação do Sistema Nervoso Autônomo, responsável pelos ritmos das funções vegetativas. Estas promovem sensações de bem-estar, quando em equilíbrio, e de mal-estar, quando em desequilíbrio. Por exemplo, um paciente que sofre de Síndrome do Pânico desenvolve graves fobias em consequência dessa desorganização do Sistema Vegetativo. Quando seu coração bate de forma descompassada, ele pode interpretar esse sintoma como a chegada de um ataque fulminante, portanto, da morte. Para ele, o ambiente interno do corpo torna-se pouco confiável e ameaçador ( isto pode ser entendido como falta de “holding ambiental”). Vive em estado de “stress” e constante sobressalto. O terapeuta biodinâmico, por meio do trabalho verbal e do uso de massagem, ajuda no restabelecimento do equilíbrio dessas funções corporais (isto pode ser entendido como manejo “suficientemente-bom”), permitindo que essa pessoa, esse psiquismo habite em um soma harmonioso, estável e confiável. Esta é a base para que se possa experimentar o bem-estar independente, o prazer de ser quem se é. As técnicas de massagem padronizadas aplicadas de forma mecânica, que não levam em conta a pessoa do o recrudescimento destas, trazendo mal-estar e sofrimento, ao invés de satisfação, relaxamento, prazer e tranquilidade. A Massagem Biodinâmica constitui-se em um processo no qual o terapeuta está presente como pessoa e não como técnico. Ele não se confronta com as resistências e defesas do paciente. A intenção é dissolvê-las de forma gradual e contínua com calor e respeito ao seu momento de vida. A proposta é fazer amizade com a resistência, pois ela tem uma função protetora no sentido de manter a integridade da pessoa. A quebra abrupta dela pode funcionar como uma invasão que vai reforçar o sistema de defesa. Isto é chamado de couraça secundária, mais complexa, menos aparente e, portanto, mais difícil de ser trabalhada. Num processo terapêutico de massagem, o paciente pode experimentar transformações intensas.Certa vez uma paciente me disse: “sinto que você faz massagem na minha alma e toca o mais profundo do meu ser”. No processo de Massagem Biodinâmica, com este enfoque winnicottiano ,as emoções são acolhidas e não interpretadas. Ele visa harmonizar, restabelecer, libidinal, o fortalecimento do ego-motor corporal, para que a personalidade primária – verdadeiro “self” – possa manifestar-se e expressar-se com maior plenitude no mundo. Assim, a Massagem Biodinâmica propõe-se a ser uma interação criativa, um diálogo, uma comunicação que vai além do verbal, buscando um lugar de ressonância e de contato entre o “self” do terapeuta e o “self” do paciente. Referencia Bibliográfica: ABRAM, Jan , A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro,1996, Ed. Revinter André Samson, A Couraça Secundária. Revista Reichiana 3, São Paulo, 1994, p. 44-51. Anzieu, Didier, “O Eu-Pele”, Ed. Casa do Psicólogo, 2a. edição, São Paulo, 2000. Boyesen, Gerda, “A Personalidade Primária”, artigo publicado no” Cadernos de Psicologia Biodinâmica vol.3″, págs. 7 a 12, Ed. Summus, São Paulo, 1983. BOYESEN, Gerda, Entre Psiquê e Soma, São Paulo, Editora Summus, 2ª ed., 1986 Cintra, Glória , “Rematernagem: uma experiencia de simbiose construtiva” – artigo publicado na Revista Reichiana , numero 7, São Paulo, 1998 Cintra Glória, “Gerda Boyesen a mãe suficientemente boa descrita por Winnicott” , artigo publicado na Revista Reichiana numero 11, São Paulo, 2002. _*******Cadernos de Psicologia Biodinâmica, vols. 1, 2 e 3, São Paulo, Editora Summus, 1983. Winnicott,D.W., Holding e interpretação, São Paulo, Editora Martins Fontes, 1991. Winnicott,D. W., Natureza humana, Rio de Janeiro, Editora Imago, 1990. Winnicott, D.W., O ambiente e os processos de maturação, Porto Alegre, Editora Artes Médicas, 3ª ed., 1979. Winnicott, D.W., Os bebês e suas mães, São Paulo, Editora Martins Fontes, 1988. Winnicott D.W., “O desenvolvimento emocional primitivo” (1945), em Textos selecionados da Pediatria à Psicanálise, Rio de Janeiro, Editora Francisco Alves, 1ª ed., 1978. English Version
A Massagem Biodinâmica: uma forma de tocar que respeita a singularidade de cada ser humano
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